Podemos não o querer admitir, especialmente a nós próprios, mas todos somos influenciados pelas nomeações e prémios que os filmes recebem. A Forma da Água é o grande vencedor das nomeações para os Óscares deste ano – 13 no total -, incluindo Melhor Filme, Melhor Realizador, Melhor Actriz Principal, Melhores Actor e Actriz Secundários, Melhor Argumento Original, e Melhor Banda Sonora Original. O Compositor Alexandre Desplat venceu no início de Janeiro o Globo de Ouro com a sua contribuição para este filme, assim como Guillermo del Toro, na sua faceta de realizador.
Se vencer o Óscar de Melhor filme irá com certeza trazer (ainda) melhores receitas de bilheteira, isso fará de A Forma da Água o melhor filme de 2017? Poderia começar aqui uma discussão interminável. Uma coisa é certa – trata-se de um filme surpreendente na sua forma e no seu argumento.
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Relativamente ao argumento, é uma história de amor pouco convencional entre uma funcionária de limpeza de um laboratório militar e uma criatura anfíbia capturada e feita prisioneira. Junta um clima de guerra fria entre os EUA e a URSS e decorre desde o final dos anos 50 até desembocar na crise dos misseis cubanos em 1962. Este filme poderia ser mais um filme de espiões, mas não é. Poderia ser um filme de ficção científica, mas não é. O que é então? Parece-me que a resposta a esta questão vai levantar acesas discussões e A Forma da Água será um daqueles filmes que as pessoas amam ou odeiam. Será difícil ficar-lhe indiferente. Para mim trata-se acima de tudo de uma história de amor que contém todos os restantes géneros. Uma história como um sonho, contada através de um filme sobre o poder do amor e a necessidade de todas as criaturas amarem e serem amadas, independentemente das suas diferenças, culturais, raciais ou, neste caso, biológicas.
Quanto à forma, o filme tem sequências de extraordinária beleza, e em que a água está omnipresente, seja em cenários subaquáticos, ou simplesmente na forma como a chuva é filmada. A água é tratada neste filme como algo sagrado e que encerra mistérios como todas as coisas belas. A banda sonora do filme envolve-nos desde a primeira cena numa sensação de estarmos a entrar num mundo mágico e ao mesmo tempo nosso conhecido. Durante o filme lembrei-me diversas vezes de O Fabuloso Destino de Amélie, filme que contém uma carga emocional com semelhanças a este filme. Também as actrizes principais de ambos os filmes são especialmente dotadas a comunicar sem necessitarem de palavras. A verdade é que para quem não fala a nossa língua, tanto faz se falamos ou se somos mudos.
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Este é claramente o projecto mais especial da carreira de Guillermo del Toro. Raramente a mesma pessoa é responsável pelo argumento original, produção e realização do mesmo filme. Seria histórico se ganhasse o Óscar nas três categorias. O seu trabalho é original, imaginativo, filmado com o cuidado que merece uma história de amor mas ao mesmo tempo com a intensidade de quem sabe que este é também um drama recheado de jogos de poder. De realçar que o ser anfíbio do filme tem um aspecto credível e ao nível do melhor que Hollywood oferece em efeitos especiais.
O realizador mexicano disse que escreveu este argumento e fez este filme para a actriz Sally Hawkins. Bem, ele sabia o que estava a fazer… O trabalho da actriz é impressionante durante todo o filme. A sua personagem é uma mulher muda, a “princesa sem voz”, adoptada depois de sofrer maus tratos e ter sido abandonada quando criança. Hawkins dá à sua Elisa Esposito um carácter multi-dimensional. É frágil tendo uma enorme força interior. É muda mas diz coisas que todas as outras personagens não têm coragem de dizer. E apesar de um início de vida que a podia ter feito gélida a afectos, tem uma enorme capacidade para amar. A criatura do filme irá “intrometer-se” na sua vida metódica e cheia de rituais e irá amá-la porque ela, na sua incapacidade de falar, torna-se a única pessoa com coragem para comunicar com ela. Essa é uma lição intemporal do filme e da vida – os gestos valem mais do que as palavras.
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Há também que destacar Octavia Spencer, como a colega de trabalho de Elisa e que constrói uma personagem riquíssima, sendo uma base de suporte para a interpretação de Sally Hawkins, com quem tem diálogos engraçadíssimos e que terminam normalmente com a primeira a queixar-se de como os pés a estão a matar com dores.
Juntamente com Spencer, Richard Jenkins está nomeado para o Óscar de Melhor Actor Secundário com o seu papel do carinhoso, confuso e brilhante pai adoptivo de Elisa. Para mim, ele será sempre o patriarca da família Fisher na fabulosa série Sete Palmos de Terra. Mas essa é outra história… Por não querer limitar-me às nomeações da Academia, vou também referir a excelente representação de Michael Shannon como o agente Richard Strickland, responsável pela captura da criatura e pela sua segurança durante o cativeiro. É uma personagem fundamental para o filme, um vilão com tiques sádicos e cruéis, um patriota fanático, racista e dogmático embrulhado num papel de respeitável chefe de família. Para mim ele é de longe o melhor actor masculino do filme.
A Forma da Água não vai gerar consensos. Talvez isso seja mais um ponto a favor do filme. Como obra cinematográfica considero-a arriscada e interessante sem ser brilhante. O brilhantismo neste filme está nas interpretações dos seus actores.