A Marvel, companhia detida pela Disney, foi responsável por variados êxitos de bilheteira durante a última década. Em 2016, Capitão América: Guerra Civil, viu apareceu na equipa do Homem de Ferro uma nova personagem – Pantera Negra. Agora com um filme em nome próprio T’Challa está de volta como protagonista.
Black Panther conta a história do herdeiro ao trono de Wakanda, uma nação fictícia situada no continente Africano. Após a morte do seu pai, T’Challa assume o seu lugar como rei de Wakanda, mas rapidamente se apercebe que existem diversas ameaças aos seus planos para o futuro do país. Como analogia com tantas nações africanas, os problemas em Wakanda são provocados por um mineral ou metal poderoso, o vibranium. Existem duass Wakandas – uma que o resto do mundo conhece como mais uma pobre nação africana; e outra, uma sociedade futurística cientificamente avançada. O vibranium é uma fonte de energia inesgotável, possui capacidades curativas extraordinárias e está presente no fato com que T’Challa se transforma no Pantera Negra
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Os últimos meses foram de grande antecipação. Chadwick Boseman, o escolhido para protagonizar T’Challa/Pantera Negra foi inclusive capa da revista TIME, numa edição em que um artigo disserta sobre a importância de Black Panther para a comunidade afro-americana e dando uma perspectiva histórica sobre o aparecimento do herói, em pleno final da década de 60, quando o movimento civil nos EUA estava ao rubro depois do assassinato de figuras como Marthin Luther King e Malcolm X. Para muitos críticos, este filme é um marco na história dos filmes com heróis de acção. É um filme com um herói de raça negra, oriundo de um país africano, e praticamente todo o elenco é também de raça negra. Revolução em Hollywood?
Black Panther é uma oportunidade perdida. Se a intenção dos produtores e realizador foi inspirar a comunidade negra e dar-lhe auto-estima e “poder”, uma análise que vá além da superfície e do óbvio mostra um filme que tem o efeito contrário ao que se propõe. O óbvio é que existe um super-herói negro, rodeado por uma comunidade negra, que vem de um país africano. No entanto, há durante todo o filme uma forma de encarar o “Poder Negro” como uma espécie de ajuste de contas com a humanidade e a História e em que o poder não é reconquistado mas é entregue de bandeja logo à partida.
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Wakanda podia ser um país poderoso graças ao seu povo, à boa gestão dos seus recursos naturais e às decisões de uma classe política honesta e com visão. Em vez disso, a existência do vibranium, retira todo o mérito à população e à classe dirigente. É como se quiséssemos compensar todos os países africanos colonizados, explorados e devastados por guerras com um país onde existe uma prenda divina que retira aos homens a responsabilidade de construir um futuro melhor. Quando se entrega tudo sem esforço a uma nação, energia inesgotável, capacidade científica muito mais avançada do que qualquer outra nação, deixamos de ter um país capaz de conquistar o seu lugar na história por mérito próprio.
Black Panther tem a habitual receita de incluir actores já consagrados, como Angela Bassett e Forest Whitaker em papéis secundários. Os Defensores, uma das várias séries da Marvel disponíveis no Netflix, é outro exemplo do uso desta técnica e tem a agradável surpresa de incluir Sigourney Weaver no elenco. Para completar a receita em termos de actores junta-se um grupo de “novatos” com outros actores já conhecidos pelo meio. Lupita Nyong’o faz o papel de Nakia, uma Wakandiana que tenta fazer uma diferença no mundo real “à superfície”, sendo uma espécie de agente secreta de Wakanda a operar nos outros países. Para além disso, é a mulher por quem o coração do Pantera Negra bate mais forte.
Os fãs de The Walking Dead vão encontrar uma Michonne quase irreconhecível, com o cabelo totalmente rapado, no papel de Okoye, uma general do exército de Wakanda. Mas os olhos da actriz Danai Gurira são expressivos quanto baste para imediatamente a reconhecermos. O seu papel é um dos mais carismáticos do filme e ela participa em cenas de luta que vão satisfazer os fãs mais exigentes.
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Agora Marvel, aqui ficam as minhas mágoas… O filme está repleto de personagens uni-dimensionais e que ao longo do filme sofrem reviravoltas de personalidade inexplicáveis. As surpresas no filme não são provocadas por um argumento rigoroso e bem estruturado. São momentos “WTF! Não acredito que agora este tipo está a fazer isto quando ainda há pouco ele estava a fazer aquilo.” Estas alterações de personalidade fazem lembrar um filme da máfia em que um assassino contratado muda constantemente de alvo de acordo com quem lhe paga mais.
Andy Serkis é para mim o verdadeiro vilão deste filme e a sua interpretação de Ulysses Klaue inspira terror e ao mesmo tempo diversão, graças ao carisma e sentido de humor que empresta à personagem. É um tipo que entra num casino preparado para beber um copo, começa uma conversa cheia de ironia com um agente da CIA e acaba a dar cabo de tudo aos tiros com o seu braço biónico. Como não gostar dele?
Mas em vez da construção de um vilão com personalidade e substância (ver o exemplo de Wilson Fisk na série Demolidor no Netflix), aqui temos um menino traumatizado que se quer vingar de todos os que foram responsáveis pela morte do pai. Erik Killmonger é primo de T’Challa e esperou toda a sua curta vida para conseguir entrar em Wakanda e disputar o trono e o poder do Pantera Negra. Mas qual o seu percurso para conseguir isso? Simples, ao mesmo tempo que tira licenciaturas e pós- graduções, completa todos os treinos mais exigentes das tropas especiais norte-americanas e combate no Iraque e Afeganistão. Ou seja, um típico SEAL com pós-graduação em estudos Africanos. É demasiado mau para ser verdade… Mas é.
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Neste filme, em vez de haver um vilão, há uma confusão de vilões, em que em certos momentos, só falta empurrarem-se uns aos outros para ver quem luta com o Pantera Negra. A luta perto do fim do filme parece um combate de wrestling em que todos entraram para dentro do ringue. Tudo muito bem coreografado e com excelentes efeitos visuais, mas uma voz dentro da tua cabeça está a dizer baixinho: “Que diabo de confusão!”.
No universo Marvel, Black Panther está ao mesmo nível que Punho de Ferro, ou seja, ao nível das suas produções mais fracas. Este filme deveria ter um aviso no início: “Atenção: ver apenas se for um fã incondicional da Marvel”