COCO | Crítica

É a confirmação de que a identidade da Pixar ainda respira.

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Coco é a mais recente colaboração dos estúdios Pixar com a Disney e como tal segue uma receita base: inclui uma lição moral, um romance, um companheiro cómico (animal) e uma intensa cena dramática no terceiro ato. Superficialmente, Coco não diverge da grande maioria dos filmes da Disney. Porém, tal como Wall-E (2008), há um universo gigantesco e complexo a absorver.

Coco é o segundo filme da Pixar com Lee Unkrich no papel de realizador. Toy Story 3 (2010) foi o primeiro, embora Unkrich já tivesse colaborado enquanto co-realizador noutros títulos da companhia como À Procura de Nemo (2003), Monstros e Companhia (2001) e Toy Story 2 (1999). O compositor Michael Giacchino é outro dos nomes conhecidos. O responsável pela banda-sonora de Zootrópolis (2016), Up: Altamente (2009), Ratatui (2007) e Incríveis (2004) foi a escolha para Coco.

A história do filme foi inspirada pela celebração do Dia dos Mortos. Esta celebração tem origem no México e é comemorada entre os dias 31 de Outubro e 2 de Novembro. São erguidos altares em honra dos mortos, com fotografias, velas, flores e caveiras; adultos e crianças fantasiam-se de morte, vestem fatos com esqueletos e colocam máscaras ou pintam caveiras no rosto; há música, comida, bebida e é neste ambiente de festividade, cor e alegria que as famílias se preparam para receber as almas dos familiares falecidos.

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Apoiando-se nesta premissa, o argumento destaca Miguel Riviera (Anthony Gonzalez), um rapaz de doze anos que aspira a tornar-se um músico famoso tal qual o seu ídolo Ernesto De La Cruz (Benjamin Bratt). Contudo, a música é um tópico proibido para os Riviera. A aversão ganhou raízes há várias gerações quando o tetra-avô de Miguel abandonara a família para seguir uma carreira musical. No Dia dos Mortos, o jovem encontra uma fotografia onde o seu tetra-avô tem uma guitarra semelhante à de De La Cruz. Este acontecimento desencadeará uma série de eventos que levam a uma reunião familiar inesperada na Terra dos Mortos. Miguel ficará mais próximo de descobrir a identidade do tetra-avô e de restaurar o amor pela música na família.

Coco é uma viagem por uma das manifestações culturais mais importantes do México.

Assim como Bambi (1944) e Rei Leão (1994) ou À Procura de Nemo (2003) e Up – Altamente (2009), o filme trabalha o tema da morte e da perda. Mas a balança é equilibrada com uma história plena de cor, ação, comédia e música. Assemelha-se a A Noiva Cadáver (2005) de Tim Burton na medida em que a Terra dos Mortos é um local alegre e colorido. Aliás, em Coco, o visual desse mundo é inspirado em Guanajuato, uma cidade mexicana cujos edifícios se adornam de luz e brilho durante a noite.

Fazendo par com Vaiana (2017), Coco explora as tradições de uma cultura e vale-se de um elenco exclusivamente latino para o conseguir da forma mais imersiva possível. Por outro lado, mune-se de ténues apontamentos políticos. A passagem do mundo dos mortos para o mundo dos vivos, por exemplo, funciona como um serviço aduaneiro. Aos mais atentos desperta-se a consciência para as medidas de Trump no controlo da imigração. Apesar de o filme de Lee Unkrich não ter um cariz político, é curioso compreender como a animação continua a ser um importante e interessante veículo de crítica política e social (veja-se A Mão (1965) de Jiří Trnka).

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O título do filme é delicioso. Coco refere-se à personagem Mama Coco (Ana Ofelia Murguía), a bisavó de Miguel. A história do filme não é a sua, mas não poderia existir sem a sua presença. Mama Coco é uma velhota adorável, maravilhosamente animada e caracterizada. Os movimentos são delicados e lentos e o olhar cansado pelo peso da idade generosa. É uma personagem cuidadosamente detalhada e, de certa forma, parece não encaixar entre as demais. A textura e rugosidade da sua pele contrasta com o ar de bonecos de borracha das restantes personagens. Dentro do possível, aproxima-se do realismo, quer em design quer em animação.

Não obstante, toda a animação e estética visual de Coco é bonita. Muito bonita. Dificilmente se esperaria outra coisa de Matt Aspbury, um dos artistas de layout de Spirit – Espírito Indomável (2002), e Danielle Feinberg, uma das directoras de fotografia de Wall-E.

Depois de sete anos a apostar sobretudo em sequelas, a Pixar subiu a fasquia. O seu último título original, A Viagem de Arlo (2015), colocou em causa os padrões de originalidade características da companhia que, depois de comprada pela Disney, começaram gradualmente a dissipar-se. O filme de Lee Unkrich trouxe uma explosão de cor e alegria ao legado recentemente enfraquecido da Pixar. É capaz de humedecer os olhos mais rigorosos e pôr a cantar os lábios mais rígidos. Coco é a confirmação de que a identidade individual dos estúdios ainda respira.

Qual foi a tua primeira impressão do título do filme?