100 METROS | Crítica

Uma história comovente.

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O filme 100 metros  é uma produção de 2016 que conta uma história verídica – a luta de Ramón, um homem a quem é diagnosticada esclerose múltipla e a sua incapacidade em aceitar os limites que a doença e os médicos lhe querem impor.

O que começa com pequenos exercícios de fisioterapia, passa para um outro nível e culmina com a conclusão de um “Iron Man” – 3,8 Km de natação, 180 Km de bicicleta e uma maratona para terminar. Milagre? No filme não há qualquer referência a religião e o protagonista não dá mostras de temer Deus. É crente nele próprio, no amor à mulher e aos filhos e na força interior que o faz não desistir da vida que quer ter.

Sendo um filme espanhol, 100 metros tem participações portuguesas relevantes – a produção de Tino Navarro, as interpretações de Maria de Medeiros e Ricardo Pereira e a música inspirada de Rodrigo Leão. Se como seres humanos, nascemos para nos superar, um passo nesse caminho passa por definitivamente acarinhar-mos a nossa auto-estima. Como portugueses, temos de uma vez por todas de interiorizar que Portugal não é só um país bonito cheio de sol. Há imensos portugueses com um enorme talento e com percursos profissionais que nos devem encher de orgulho.

Tendo em conta que somos um país pequeno, Portugal tem um percurso histórico admirável e a nossa taxa de talento per capita é invejável. A banda sonora de Rodrigo Leão para este filme é emocionante e enche a sala com uma leveza que nos absorve, tocando na essência da nossa humanidade e levando-nos perto das lágrimas, se a história não bastar para o fazer. Maria de Medeiros tem um papel que parece feito para ela, uma mulher já com muita experiência de vida mas que mantém uma inocência e um sorriso de criança que desarma quem a conhece.

A esclerose múltipla é referida no filme como a doença das mil caras, por se apresentar com sintomas tão diferentes, não sendo fácil de diagnosticar. O tratamento passa pela utilização de corticoides, remédio que faz o paciente pensar o que é pior – se a doença ou a cura. Numa das cenas fundamentais do filme, o protagonista chega pela primeira vez à sala de tratamentos. Aí estão outros doentes que espelham as várias formas com que o ser humano pode encarar a adversidade – há o cínico, que traumatizado pelo que a doença lhe fez, desistiu de lutar e quer que os outros façam o mesmo. Há o optimista, que não desiste de viver e encara os dias com um sorriso e se apoia em frases feitas de auto-ajuda. E há ainda o paciente que se refugia nos livros como forma de fugir à realidade. Uma espécie de estágio intermédio entre a luta e a desistência, uma espécie de falta de comparência à vida.

A nossa felicidade é feita muito a partir de expectativas. O jantar que vamos ter logo à noite, a ida ao cinema na sexta-feira, o nosso amor que chega amanhã de uma viagem de trabalho. Como iríamos reagir se todas as nossas expectativas se dissipassem de repente como fumo? Ramón é um profissional de sucesso, habituado a criar campanhas de marketing para empresas. Quando sabe que não há volta a dar ao diagnóstico da sua doença, pega no telemóvel e apaga todos os eventos da sua agenda. É impossível não sentir um arrepio durante esta cena. O que faríamos nós no seu lugar? E como aceitaríamos a condenação de que 100 metros seria o nosso limite de locomoção, se tivéssemos a sorte de controlar os músculos do corpo durante essa distância? Todos temos os nossos limites mas quantos de nós aceitamos os limites impostos pela saúde, pelos outros e pela sociedade?

O filme faz uma analogia muito bem conseguida entre “Iron Man” – prova de triatlo e o herói da Marvel. O protagonista do filme é fã de BD e como bom pai que é, ensina ao filho quem é Tony Stark. Já na cama depois de ter sido diagnosticado com a doença, reflecte acerca de todos os super-heróis terem um ponto fraco. Qual será o ponto fraco dele próprio? Bem, um dos pontos fracos na sua vida é certamente a sua relação com o sogro, um homem velho, alcoólico, desiludido com a vida e que acha que a filha não foi feliz na sua escolha de marido. Esta torna-se uma história fundamental no filme. A doença aproxima sogro e genro e faz com que pela primeira vez olhem um para o outro com compaixão, esse sentimento tão humano de sermos capazes de nos pormos no lugar do outro.

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Karra Elejalde faz o papel de Manolo, o sogro de Ramón e tem a interpretação mais conseguida de todos os actores do filme. A sua é uma história de desistência – desistência da sua profissão em primeiro lugar e desistência da vida, após a morte da sua mulher. É tão fácil vermos apenas um velho bêbado onde se esconde um ser humano sensível, que sofreu dores irreparáveis e se entregou à bebida como forma de apaziguar o sofrimento. A forma como a sua relação com Ramón evolui do desprezo para a admiração mútua é inspiradora e um dos pontos fortes de 100 Metros.

O filme apresenta também a recta final da prova de Iron Man em que Ramón participa. Para o caso de nos termos esquecido de que estamos a falar de alguém real, de carne e osso, e não de um herói dos quadradinhos, há passagens de gravações com o homem que inspirou o filme. Por fim, uma dedicatória a todos os que se tentam superar faz-nos sair da sala inspirados a tornarmo-nos pessoas melhores, dando graças pela nossa saúde.

Conheces alguém que tenha ultrapassado todas as adversidades?