Admito desde já que nunca vi o filme clássico Ben-Hur (1959), nem li o romance original de Lew Wallace (publicado em 1880). Talvez se tivesse sabido da existência deste romance não me teria surpreendido tanto a temática central do filme – de facto, o título do livro é Ben-Hur: Uma História do Cristo. Este é, no seu âmago, um filme sobre Jesus, o seu tempo, a sua mensagem, e a maneira como esta mensagem afectou a sociedade na qual ele estava inserido.
Mas o filme não era sobre romanos e corridas de carroças? Sim, também. Judah Ben-Hur, um nobre judaico interpretado por Jack Huston, é a personagem principal. Judah vive com a sua família em Jerusalém – a mãe, Naomi (interpretada por Ayelet Zurer), a irmã Tirzah (Sofia Black D’Elia), e o irmão adoptivo, um romano de nome Messala Severus (Toby Kebbell). Este “irmão” romano é neto do Messala que participou na conspiração para o assassínio de Júlio César, tendo causado a desgraça da família. Não é claro como é que um jovem romano indigente foi “parar à porta” (nas palavras de Judah) de uma família judaica, mas o filme foca-se mais nos laços de irmandade e amizade criados entre eles, para os quais não é necessário saber toda a história. Judah e Messala são como irmãos, e tratam-se por “irmão”, e Massala chama “mãe” à mãe de Judah – mas está apaixonado pela irmã, Tirzah, e esta por ele, e ninguém parece achar isso estranho. Ok.
Messala acaba por imitar as acções do seu avô e torna-se num traidor à sua família ao juntar-se ao exército romano, sob o comandante Pôncio Pilatos. Se o nome soa conhecido, é porque foi ele quem oficiou a ordem de execução de Jesus Cristo. Devido a um mal-entendido, Judah é falsamente acusado de sedição, e é vendido como escravo de galé. Após cinco anos de escravidão, a sua galé afunda-se e Judah consegue retornar a Jerusalém, onde espera defrontar-se com Messala.
Jerusalém está num período muito tenso. Invadida pelos romanos, é dilacerada pela violência tanto dos romanos sobre os judeus, como dos judeus contra os romanos. Um grupo radical, os Zigotas, cometem atentados contra os ocupadores romanos, atentados pelos quais são castigados muitos judeus inocentes. No meio de toda esta matança, um homem demonstra caridade e bondade para com todos: Jesus de Nazaré (interpretado por Rodrigo Santoro, e lamentavelmente não por Diogo Morgado). Ao longo do filme, vemos estes actos de bondade de Jesus, e vemos o seu grupo de seguidores aumentar. No final, quando Jesus é crucificado (penso que a morte de Jesus não pode ser considerada um spoiler, certo? Já passaram quase 2000 anos), o espectador já não tem dúvidas em relação à sua divindade.
Para já, qualquer filme que inclua milagres faz-me revirar os olhos, e este não foi uma excepção.
Claro, temos também Morgan Freeman, que interpreta a personagem Sheik Ilderim, protector e professor de Judah, e uma das razões pelas quais muitos de nós querem ver o filme. Gostei da interpretação de Freeman, foi sólida e consistente. De resto, a personagem não tinha grande protagonismo.
No geral, gostei do filme. Lida com temáticas muito interessantes relativas ao Império Romano: o tratamento dos escravos (especialmente dos escravos das galés, sendo que este era um dos dois piores destinos para um escravo, juntamente com as minas); a ganância e violência na personalidade romana; a dissonância entre o objectivo nobre de levar a civilização a todos os povos bárbaros e a realidade do genocídio. Vemos as corridas de carroça no Circo (uma arena destinada a proezas de atletismo), incluindo alguns aspectos técnicos do treino para as mesmas. A personagem de Judah é muito bem interpretada, apesar do seu cabelo roubar o protagonismo durante algum tempo. A esposa de Judah, Esther (Nazanin Boniadi), sua antiga criada, pareceu-me um pouco mais inexpressiva, mas nada que fosse inultrapassável.
O realizador Timur Bekmambetov faz um trabalho competente. A cenografia é de grande qualidade, e o filme envolve-nos no seu ambiente de modo a não questionarmos a sua veracidade. De resto, com um orçamento de cem milhões de dólares, não se podia esperar outra coisa. O filme é bom – para aquilo que é.
Aquilo que é, no fundo, um clássico Bom vs Mau. Judah é Bom, Messala é Mau, e Jesus está por cima de tudo isto abanando lentamente a cabeça porque a verdadeira natureza do ser humano é o amor e não a competição. Tudo bem, nada contra, mas não era bem disso que estava à espera. O trailer fazia parecer que este seria um filme de acção e vingança passado em tempos romanos, e eu, na minha ignorância das suas origens, fiquei um pouco desagradada com a falta de acção e com o tom moralizador. Deduzo que muitas pessoas da minha idade também não soubessem que o filme tinha um tema religioso. Penso que o trailer foi feito da maneira que foi feito de propósito para que as pessoas que normalmente não iriam ver um filme religioso o fossem ver pensando que se tratava de outra coisa, e isso parece-me desonesto.
Para já, qualquer filme que inclua milagres faz-me revirar os olhos, e este não foi uma excepção. Sem querer revelar demasiado, o desfecho do filme pareceu-me simplista e sinceramente estúpido. A história na sua totalidade foi bastante previsível, não me surpreendeu em nenhum momento. Na minha opinião, faltaram à história e às personagens muita profundidade e complexidade.