Há uma coisa que é preciso perceber acerca de Quentin Tarantino, que é que ele é um cinéfilo. E todos os cinéfilos adoram os seus filmes preferidos, e adoram falar sobre eles, e ver de que maneiras eles se comparam uns aos outros, e analisá-los até ao fim do mundo, e ver que padrões emergem dessas análises.
Quando um cinéfilo tem talento suficiente para começar a fazer os seus próprios filmes, até é possível que parta em algumas digressões artísticas mas, na maior parte das vezes, o cinéfilo vai fazer o seu tipo preferido de filme.
Quentin Tarantino gosta MUITO de westerns, e uma coisa que podemos ter a certeza, é que ele vai consistentemente voltar a esse género, para voltar a tentar atingir esse western ideal, que ele carrega dentro do seu coração de cinéfilo.
Os Oito Odiados é mais uma versão desse western ideal que o Quentin Tarantino está a tentar fazer.
Todos os tropes dos westerns estão neste filme, e Tarantino não se coíbe de os chamar pelos nomes. Temos o Xerife, o Carrasco, o Caçador de Prémios, o Cowboy, a Criminosa, o Confederado, o Inglês, todos fechados numa casa a desconfiarem uns dos outros.
É o mundo de Django Libertado (2012) com o ritmo de À Prova de Morte (2007) com a dinâmica de Cães Danados (1992). É o Quentin Tarantino a pegar em todos os seus actores fetiche, dentro do seu género preferido, com todos os diálogos que ele sabe escrever tão bem.
Se isto vos parece um bocado onanista, é porque é. Quentin Tarantino é um cinéfilo.
Os Oito Odiados não é um filme inovador, não é um filme que quebre barreiras ou que se esforce por fazer algo de diferente. É um filme tão Tarantino, que mais ninguém para além de Tarantino poderia fazer. É talvez o filme mais Tarantino que o Tarantino podia ter feito, e isto é o que eu costumava dizer acerca de À Prova de Morte.
Como já disse, todas as personagens são tiradas de todos os westerns que já viram, e é divertido vê-las todas no mesmo filme. É uma espécie de Liga de Cavalheiros Extraordinários ou Os Vingadores, mas dentro do formato western.
As interpretações são, todas elas, perfeitas. Qualquer um dos actores está na sua zona de conforto, e calçam os sapatos destas personagens como ninguém. Samuel L. Jackson e Kurt Russel são maiores que a vida; Walton Goggins, Tim Roth, Michael Madsen, Bruce Dern e Demian Bichir constroem personagens secundárias fascinantes; Jennifer Jason Leigh consegue sobressair deste conjunto de pesos pesados.
O ritmo é muito lento, e isso poderá não ser para toda a gente. Mas não é um erro, é só uma decisão artística. O filme é levado pelas personagens, e são elas o foco central do filme. Para que isso funcione, o filme precisa de espaço e tempo, para respirar, e para poder deixar as personagens dizerem o que têm de dizer.
Os diálogos são muito divertidos e típicamente Tarantinescos, desde os palavrões até às conversas cruzadas. O enredo tem uma escala muito pequenina e claustrofóbica, adequada à história de oito pessoas desagradáveis fechadas numa casa, que evolui de forma quase imprevisível, fazendo-nos trocar de alianças com as personagens várias vezes durante o filme.
O storytelling foi para mim um dos aspectos do filme de que eu mais gostei, com Tarantino a demonstrar que domina a arte, brincando com imenso à vontade com flashbacks, narração e narrativa visual.
Por falar nisso, a direcção de arte é perfeita, a fotografia é excelente e a realização é incensurável. Em momentos, este filme parece ser irmão do Renascido, tanto em luz como na violência.
Finalmente, o uso da música é minimalista, mas quando está presente, é assoberbante. Não é qualquer um que consegue ter Ennio Morricone a fazer música para o seu filme, mas se alguém consegue, é Tarantino.
Não é um filme perfeito, não é um filme de aventuras, não é um filme épico. É um filme do Tarantino, para quem gosta de filmes do Tarantino.
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