Sempre que estou perante uma adaptação, uma pergunta paira na minha cabeça: devo avaliar um filme (ou o que quer que seja) tendo por base o material de origem? A resposta é não. Qualquer adaptação tem de ser avaliada pelo produto individual que cria no entanto tal questão torna-se falsa porque, tendo visto o material de origem, a minha opinião vai ser sempre influenciada. E infelizmente para o filme da Netflix, Death Note, eu vi o anime.
A história gira em torno do adolescente Light Turner a quem é dado um livro da morte. Qualquer pessoa cujo nome seja lá escrito, morre. Light usa-o com boas intenções mas não está ele próprio a tornar-se numa má pessoa? Num assassino? Apesar de matar os maus deverá ser perdoado e não enfrentar a justiça? A história de Death Note é complexa, cheia de nuances psicológicas e debates filosóficos. A história do anime e mangá, quero eu dizer.
O filme filtra todo o sumo da história e dá-nos um argumento competente mas sem peso ou densidade. Ficamos então perante uma história que sabe trabalhar dentro da duração do filme, dando-nos um enredo consistente e que nos transporta facilmente ao longo do dos três actos. No entanto, torna-se frágil quando se depara com momentos de forte dualidade e passa por eles com bastante ligeireza. E esse é o problema de Death Note. O filme quer falar de temas pesados mas trata-os como se fossem algo superficial. Desse modo ficamos perante um filme com uma história muito mal aproveitada, filtrada para padrões de adolescentes em que tudo tem de ser mastigado e simples para se ser entendido.
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O ritmo do filme também não abona a seu favor. O tempo decorre com grande velocidade o que não nos permite sentir o que se está a passar. Entendemos tudo, pois está tudo muito bem explicado, mas o filme não pára para respirar. Não deixa que as cenas sejam assimiladas, que os acontecimentos sejam cimentados no espectador. O ritmo do filme está sempre a 200%, com medo de não conseguir chegar à meta final a tempo. As cenas de acção são muitas, demasiadas para o que a história de Death Note pede. Mas não deixam de ser boas cenas. O terceiro acto está muito bem conseguido e amarrado mas mais uma vez o impacto é minimizado para dar lugar ao espectáculo.
E isso remete-nos para o melhor do filme. A sua realização. A realização está muito competente e empolgante. As cenas das mortes são o ponto alto, sendo bem sangrentas e extremamente bem coreografadas. E há cenas que são bem fortes. Os efeitos especiais seguem o mesmo caminho. Estão bem feitos e servem a história e não se destacam, e ainda bem. Ryuk está impecável, perfeito até, e encaixa de maneira muito orgânica. Nunca olhamos para ele e pensamos que é uma personagem digital. Adam Wingard, o realizador, ainda não fez um mau filme e é bem competente. Estou muito curioso para ver o que ele vai fazer em Godzilla vs. Kong.
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As interpretações…. Tenho de começar pelo protagonista do filme, Nat Wolff, que é francamente mau actor. É muito mau mesmo. Sei que ele tem entrado em filmes românticos e independentes mas não tenho seguido a sua carreira. Aqui não sei se ele foi mal dirigido ou se simplesmente é mau actor. Sei que a sua interpretação foi sofrível, sem qualquer estofo para aguentar uma personagem que se quer complexa. Apesar de que o filme nunca constrói a personagem de Light Turner como alguém complexo, ao contrário do material de origem.
Margaret Qualley faz uma competente Mia Sutton mas a sua personagem devia e merecia ter sido melhor trabalhada. O seu extremismo não é plantado desde o início e não é alimentado ao longo do filme. Quando a personagem se revela parece saído do nada. O arco desta personagem merecia ter sido melhor trabalhado mas é uma interpretação sólida. O mesmo para Willem Dafoe como Ryuk, que é a alma do filme.
L é difícil. A interpretação de Lakeith Stanfield é boa e a personagem é bem construída com todas as suas características extravagantes. Mas aqui chegam as influências de ter visto o anime. O L do filme não é o L do material de origem. Aqui estamos perante um L emotivo, explosivo, que reage exageradamente a tudo. Lá está, não é uma má personagem, nem lá perto. Mas não era o L que queria ver.
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Death Note não é um excelente filme. Nem se fosse um filme original seria um excelente filme. Mas não é mau de todo, visto de forma singular, sem ser comparado com o material de origem. Tem uma história interessante, e um tema bastante original. O ritmo é bom, mantendo-se constante ao longo do filme. Podia ser mais denso mas cumpre o seu papel. O final é bem conseguido e serve muito bem como um final definitivo ou como um gancho para o segundo filme.
Death Note como adaptação é mau. Não é péssimo como A Torre Negra (e neste caso discordo totalmente da crítica do Jorge) mas é mau. O cerne do material de origem foi completamente desvirtuado dando lugar a uma versão adolescente direccionada a espectadores sem interesse em mergulhar em temas complexos. Todas as questões teológicas, sociais, e filosóficas, são varridas para debaixo do tapete. A adaptação é um filme de acção. E Death Note não é isso.
Volto à pergunta com a qual comecei esta crítica: devo avaliar um filme (ou o que quer que seja) tendo por base o material de origem? Não mas é impossível. Mas fiz questão que a nota não tivesse em conta o filme como adaptação mas sim como um produto singular que é. Nesse sentido é um filme competente.