EVA | Crítica

O que quer que Benoît Jacquot estivesse a tentar com este “exercício”, foi claramente falhado.

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Marlon Brando era, e para muitos ainda é, o melhor ator a aparecer num grande ecrã. São muitos os rumores (mais ou menos factuais) sobre as suas bizarrias fora de cena. Um deles sugere que a determinada altura da sua carreira, o americano decidiu testar a aptidão dos realizadores com quem trabalhava: sem aviso prévio, dava o seu melhor num dos takes e o seu pior no seguinte. Dependendo da preferência do realizador, continuaria nesse registo.

Isabelle Huppert é, para muitos, a melhor atriz a agraciar os grandes ecrãs da atualidade. O seu despojo, realismo e diferentes graus de profundidade em cada personagem são hipnotizantes: e não sei até que ponto é que ela não irá começar (ou já começou) a fazer o mesmo que Brando.

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Bertrand (Gaspard Ulliel) é um gigolô/dramaturgo de sucesso que tem:

  • Uma namorada que cedo percebemos ser demasiado ingénua/bonita para o seu próprio bem (Julia Roy);
  • Uma peça com um sucesso tremendo, mas que foi escrita por um falecido cliente;
  • Um encontro imediato com Eva (Huppert), uma prostituta dominadora, que lhe dá:
    • Uma lamparina;
    • Uma concussão;
    • Uma ideia:
      • A única maneira de conseguir escrever uma história original e cheia de twists n’turns é:
        • Gastando rios de dinheiro ao torná-la real;
        • Recriando-a num Mac (sabendo-se lá quanto do budget foi fornecido pela Apple);
        • Ter uma vida de sonho a ser-lhe entregue numa salva de prata e colocá-la em risco:
          • Não porque tem a pressão de um agente, Richard Berry, para escrever (o desinteresse do realizador é latente em relação a estas cenas);
          • Não porque a senhora Eva é uma “excelente profissional” (eles mal têm contato físico e o feeling que emanam é mais de curiosidade mútua do que de erotismo);
          • Mas porque o argumento do filme assim o exige.

As intenções e suas personagens (ou vice-versa) são apresentadas como os tópicos que acabei de te fazer ler: empilham-se umas em cima de outras, numa amálgama torta e colorida que parece querer fugir às páginas/frames onde estão imbuídas.

É a bonita fotografia de Julien Hirsch e a edição divertida de Julia Gregory que lhe confere alguma substância a nível técnico, porque o que quer que Benoît Jacquot (cujo o último filme, Até Nunca, foi gravado no Algarve) estivesse a tentar com este “exercício”, foi claramente falhado. Mais que uma vez dei por mim a rir em situações que, claramente, não eram cómicas.

Huppert exulta classe por cada poro, mas num filme tão atabalhoado torna-se difícil distinguir se ela realmente está a tentar ou a avacalhar. Roy (que assinou o argumento de Até Nunca) parece estar num filme completamente diferente dos protagonistas. Já Ulliel, embora vestido como se tivesse acabado de saltar de uma passerelle para o set, mantém incólume aquela expressão de psicopata deleitado que me surpreendeu há 11 anos atrás em Hannibal Rising ← Isto não é um elogio. 11 anos é tempo mais que suficiente para um jovem ator deixar de ser um one-trick-pony e Ulliel tarda em desabrochar.

Contento-me com a bela Huppert, que com a sua elegância e timming cómico (propositado ou não) conseguiu tornar entretido um filme assaz destinado à mediocridade.