A espaços no tempo, surgem filmes que pela sua singularidade nos deixam uma impressão duradoura. Pode ser o seu argumento, a performance de um actor, a música, a fotografia ou a realização. Ilha dos Cães é um desses filmes, devido ao seu estilo de animação, que nos leva de imediato para um lugar único, onde o argumento bem delineado e a realização cuidada completam uma obra de arte especial.
Ilha dos Cães conta a história de uma rapaz chamado Atari Kobayashi e da sua luta para encontrar o seu cão Spots. O filme tem lugar no Japão, num futuro próximo, onde, devido ao alastrar de um vírus, os cães foram erradicados da sociedade e forçados a viver na Ilha do Lixo. O tio de Atari é o Presidente da Câmara de Megasaki. É também o responsável pela custódia de Atari, depois da morte dos seus pais num acidente do qual ele se salvou por pouco.
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A história é mais complexa do que o rapaz-herói numa missão de salvação do seu cão, ao mesmo tempo que luta contra as forças do mal. Há nela claras analogias entre o mundo de Atari e a nossa sociedade – o tio de Atari representa uma classe política corrupta, que fomenta o medo nas massas para conseguir os seus objectivos obscuros, que envolvem o controlo eleitoral e que são suportados por corporações que pretendem substituir os cães por robôs, uns domésticos e outros com objectivos militares e securitários. Consegues lembrar-te de algum país que tenha utilizado ultimamente este género de estratégia política? Existe também uma clara alusão à forma como a investigação científica e o desenvolvimento de uma possível vacina que cure os cães está nas mãos de interesses pouco escrupulosos. Mais uma vez uma analogia relativamente à indústria farmacêutica e aos interesses financeiros que se sobrepõem ao interesse colectivo.
Apesar do extenso número de personagens (a maior parte cães), o argumento flui com uma leveza e uma simplicidade que permite a uma criança acompanhá-lo sem dificuldade.
Ilha dos Cães é uma obra-prima do desenho animado estilo stop-motion.
Quem gosta da cultura nipónica tem com este filme um verdadeiro pitéu – e não me estou a referir apenas a sushi, cuja preparação aparece numa cena sublime. Há caracteres japoneses a acompanhar todos os títulos dos capítulos que compõe o filme, música que complementa na perfeição toda a acção e, é claro, todo o design e composição das personagens, roupas, arquitectura. Ao mesmo tempo que a Ilha do Lixo poderia ser em qualquer local no mapa, e há cenas passadas na ilha apenas com a presença dos cães e as vozes dos actores que os representam, há outras cenas faladas em japonês, com personagens japonesas e que poderiam ter sido feitas por uma equipa de produção japonesa, tal é a atenção aos pormenores. Há quem goste de polémicas e acuse o filme de apropriação cultural. Disparates! Se existe algo na Ilha dos Cães é uma homenagem à cultura do país do Sol Nascente. Se formos por esse caminho, os Western Spaghetti são uma apropriação da cultura americana, e os filmes sobre a máfia Siciliana uma apropriação da cultura italiana.
Wes Anderson é o grande responsável por este fantástico filme, sendo ao mesmo tempo realizador, produtor e fazendo parte da equipa de argumentistas. Esta é a sua primeira longa metragem desde O Grande Hotel Budapeste, também ele um exemplo de uma originalidade ímpar na construção de um mundo ficcional. Estaremos na presença do herdeiro de Tim Burton na invenção do extraordinário?
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É incrível a lista de estrelas de Hollywood que dão a sua voz às personagens do filme. Preparado? Aqui vai: Bryan Cranston, Edward Norton, Bill Murray, Jeff Goldblum, Frances McDormand, Scarlett Johansson, F. Murray Abraham e Tilda Swinton, só para citar os mais conhecidos. Até a viúva de John Lennon participa no filme, emprestando a sua voz à cientista… Yoko Ono. É interessante como consegues reconhecer no filme as vozes de actores que já acompanhaste em tantas outras aventuras. No meu caso a voz que mais facilmente identifiquei foi a de Edward Norton. Flashback imediato para o Clube de Combate…
Ilha dos Cães é uma obra-prima do desenho animado estilo stop-motion e mantém na perfeição um equilíbrio delicado entre uma história dramática e momentos cómicos, cheios de ironia e mesmo algum nonsense. É um filme imperdível para admiradores da cultura japonesa e de animação… e para todos os outros que não o são.