Confesso que não sou grande apreciador de filmes de terror. Um mau filme de terror pode tornar-se uma experiência cinematográfica confrangedora e próxima de uma comédia de mau gosto.
A obra de Stephen King tem sido uma fonte inesgotável de adaptações ao cinema, sendo a mais recente A Torre Negra, estreada em Agosto. IT conta a história de um grupo de crianças que vive em Derry, uma típica cidadezinha dos Estados Unidos, durante os anos 80. Estes jovens sofrem injustiças e maus tratos que vão desde o bullying pelos colegas da escola, aos maus tratos físicos e psicológicos pelos pais, passando pelo isolamento social, pelo facto de serem de alguma forma diferentes do que a sociedade acha que eles deveriam ser. Tudo isto já seria suficientemente grave para despertar tendências depressivas nestes pré-adolescentes, mas algo mil vezes pior está para acontecer.
No Verão de 1989, numa altura em que os nossos amigos deviam estar a divertir-se e a brincar na rua – como é referido mais do que uma vez por um deles – vêem-se confrontados com o inexplicável desaparecimento do irmão mais novo de um deles. Isto a juntar a uma lista de outras crianças desaparecidas, leva as autoridades a instaurar um recolher obrigatório a partir do final do dia.
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Uma característica interessante da história e que não foi feita por acaso é como os adultos no filme estão omnipresentes mas durante grande parte do filme não aparecem e quase nos esquecemos deles. É como se estivéssemos num cenário de The Walkind Dead apenas com miúdos e um palhaço demoníaco. De várias formas, os adultos do filme falharam e acabam por ser cúmplices de Pennywise, porque não amaram os seus filhos o suficiente, porque não os fizeram crescer confiantes, mas em vez disso, semearam neles as raízes do medo, medo que agora domina as suas vidas e com que o palhaço Pennywise não hesita em os torturar.
Nós temos medo de tantas coisas – dos mais velhos que nos batem, dos pais que nos maltratam, dos outros e das suas opiniões acerca de nós, medo de falhar, medo do passado, medo do futuro. Estes e todos os demais motivos que possas imaginar são o que fazem este palhaço infernal aparecer, como se ter medo não fosse já castigo suficiente. O poder de Pennywise é maior ainda porque ele conhece os medos específicos de cada personagem e joga com eles de forma masoquista. Todos têm de pagar pelo facto de não conseguirem superar os seus medos e vão pagar bem caro.
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As cenas de terror são muito bem conseguidas e não vão desapontar os fãs do género. Mas é o inesperado, a criatividade ao longo de todo o filme que surpreende pela positiva. Mesmo nas cenas onde sentimos a intensidade aumentar, raramente ficamos desapontados, com aquele amargo de boca de “claro, já estava à espera que isto acontecesse!”. O ritmo do filme é equilibrado. Consegue o feito de agarrar a nossa atenção durante as cenas calmas, enquanto ao mesmo tempo faz-nos agarrar a cadeira e mantêm-nos em sentido, sempre à espera do pior. E o pior acontece, acredita…
Tudo no filme acontece sem parecer forçado. Vamos conhecendo de uma forma natural os elementos do grupo e a sua personalidade. Existe o rapaz que gagueja, o hipocondríaco, o miúdo novo que acabou de chegar à cidade, o puto negro que…bem, não é preciso dizer mais nada, ele é negro. E no meio de todos eles, como um anjo de cabelos ruivos, junta-se ao grupo a rapariga que anda na boca de toda a cidade, com boatos que a pintam como uma oferecida, quando ela é apenas mais uma vítima de abusos praticados pelo próprio pai. A meio do filme já nos sentimos um oitavo membro do grupo e estamos a torcer por todos eles. Bem, tu não! Tu vais sempre torcer por haver mais sangue não é, meu sádico? Sim, tu! Sabes que estou a falar contigo!
As 2 horas de duração de IT passam como um rápido pesadelo.
O conjunto de jovens actores que representa o “The Losers’ Club” merece nota máxima. Há neles a inocência da juventude conjugada com o cinismo de quem sabe o que é ser uma vítima e está habituado a apanhar por ter um QI acima da média. Ao mesmo tempo que são alunos de notas altas, encaram a escola com uma atitude de “isto é uma treta e mal posso esperar que cheguem as férias”. Destaque para Finn Wolfhard, que vai ser imediatamente reconhecido pelos fãs de Stranger Things e que aqui faz o papel de Richie Tozier, o tagarela do grupo, com um sentido de humor refinado e que manda bocas mais afiadas do que as garras de Pennywise.
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Sim, existe humor a infectar este filme de terror, como um vírus que se espalha passando despercebido, até que damos por nós a rir de uma piada quando ainda há instantes tínhamos dado um salto na cadeira com a última aparição daquele maldito palhaço. Não é fácil fazer humor numa comédia, mas fazê-lo num filme de terror, conseguindo tirar gargalhadas da audiência (como eu pude testemunhar), merece a minha admiração.
Andy Muschietti, o realizador, consegue criar um filme claramente vencedor em todos os aspectos. Antes dos créditos finais, em vez de um “Fim”, é anunciado “IT – Acto I”, o que não deixa dúvidas acerca deste ser apenas o primeiro episódio de uma série de aventuras com balões cor de sangue – tal como já tinha sido anunciado aqui no Cubo Geek.
Se os responsáveis pela sequela mantiverem o caminho que começaram a delinear neste primeiro acto – a qualidade do argumento, o equilíbrio perfeito entre sangue, efeitos especiais, medo e humor, é bem possível que novos recordes de bilheteira sejam batidos no futuro.