Corria o ano de 1990 quando Joel Schumacher (Batman para Sempre, Batman & Robin) realizou o filme Linha Mortal. O filme tinha um conjunto de jovens e promissores actores – Kiefer Sutherland, Julia Roberts, Kevin Bacon, William Baldwin e Oliver Platt. O filme era um misto de drama e thriller, acompanhando um conjunto de jovens estudantes de medicina, que devido ao seu interesse por situações clínicas de pacientes que eram reanimados depois de estarem clinicamente “mortos”, decidiram realizar experiências para investigar o que havia do outro lado.
Fazemos uma viagem de 27 anos no tempo e eis que um novo Linha Mortal estreia nos cinemas. Os protagonistas desta versão ainda eram crianças e em alguns casos bebés quando o primeiro filme estreou. A actriz mais reconhecível deste novo grupo de jovens aspirantes a médicos é Ellen Page (A origem, X-Men: Dias de Um Futuro Esquecido), e é sem dúvida a actriz que tem o papel mais conseguido. Não é por acaso que é quem tem mais tempo em cena durante todo o filme. É a protagonista entre os protagonistas e tem um desempenho emotivo e credível, quer em cenas corriqueiras sobre a vida do dia-a-dia, quer em cenas aterrorizadoras, quando as coisas começam a aquecer. Mas já lá vamos ao argumento…
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Kiefer Shuterland faz nesta versão um papel secundário de um médico experiente, responsável pela equipa da qual fazem parte os cinco estudantes cujas aventuras acompanhamos. Para quem como eu viu todos os episódios de Sobrevivente Designado na Netflix, foi óptimo ver Shuterland a fazer uma personagem carismática, exigente, um verdadeiro líder que obriga os seus alunos a, no mínimo, darem o seu máximo. Fez-me lembrar Dr. House sem o sarcasmo, o cinismo, o Vicodin, e o coxear.
A história de Linha Mortal tem uma componente apaixonante e com que todos nos conseguimos identificar: o que existe para além da morte? O filme começa com as vozes de pessoas que testemunham as suas experiências no limiar da morte. “Eu via uma luz…”, “Tive a sensação flutuar acima do meu corpo e ver-me juntamente com os médicos…”, “Havia uma calma e uma sensação que tudo ia ficar bem…”. As teorias sobre o que realmente acontece, os factores físicos que causam certas sensações, davam só eles um documentário.
Courtney, a personagem interpretada por Ellen Page, tem mais do que um interesse científico em saber o que acontece ao cérebro depois de nos desligarmos da vida. Ela perdeu alguém importante num acidente e a culpa sobre o sucedido tem assombrado a sua vida. Ela espera perceber o que aconteceu a essa pessoa. Afinal, para onde vão todos os mortos descansar?
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Com a ajuda dos seus quatro colegas decide usar uma área restrita e desocupada do hospital onde estudam para iniciar a sua viagem em direcção ao desconhecido. A receita parece simples – induzir uma paragem cardio-respiratória através de medicação e de uma descarga eléctrica na caixa toráxica; em seguida esperar um minuto e monitorizar a actividade cerebral e por fim realizar procedimentos de reanimação como estamos habituados a ver nos filmes. Crianças, não tentem fazer isto em casa!
As receitas simples são por vezes as mais difíceis de concretizar com os resultados que queremos obter e, neste caso, como seria de esperar, as coisas não vão correr bem. Não estou a falar da reanimação durante a experiência. Essa parte corre bem assim como a inesperada sensação de euforia e excitação a roçar a paranoia que Courtney experimenta pós-reanimação. O que corre mal é que quem dá um passo maior do que a perna e vai para além da vida, pode trazer consigo coisas que fazem parte do mundo dos mortos. O argumento está bem construído e é bem apresentado. Durante o filme não há a sensação da história estar a ser forçada e enfiada pelas nossas goelas abaixo.
Mas um dos pontos fortes do filme impede ao mesmo tempo o argumento de poder ser mais denso, sinistro, e intenso.
Estou a falar dos efeitos especiais. Olhar para a versão de 1990 e para esta que agora estreia mostra claramente o quanto a tecnologia progrediu em quase três décadas. Os efeitos especiais de Linha Mortal são fantásticos e ao mesmo tempo credíveis. E não estou a falar apenas das cenas em que o mundo dos vivos encontra o dos mortos. Nas cenas de reanimação parece mesmo que aquela pessoa está a receber uma valente descarga eléctrica que até a faz saltar da mesa. Um acidente de automóvel filmado hoje em dia pode ser banal num filme de acção mas quando o comparamos com o que se fazia nos anos 80 e 90, é muito, muito mais real. Mas é aqui que é preciso ter cuidados. Se os efeitos especiais tomam conta do argumento, podemos ter imagens fantasmagoricamente aterradoras, mas que podem não fazer o nosso coração bater tão forte como um caminhar num corredor, num silêncio escuro e interminável.
É notório neste filme como a vida em 2017 decorre mais rápido e de uma forma mais complexa. Hoje há smartphones que insistem em intrometer-se nas nossas vidas e na narrativa dos filmes. As festas são mais radicais, são raves repletas de comprimidos coloridos e de shots para beber de um trago. Parece também haver mais sexo do que em 1990, mas quanto a isso gostava de ler a tua opinião nos comentários. Continuamos no entanto a não saber lidar com a morte. O sentimento de culpa é algo que também atormenta as personagens do filme e que podia ter sido melhor explorado, assim como as questões morais sobre se estamos sujeitos a um juízo final ou tudo isto não passa de uma abominável farsa onde nos podíamos render à tentação do livre arbítrio.