Normalmente começo a delinear as minhas críticas com uma divisão entre os positivos e negativos. A minha intenção era fazer o mesmo com mãe!, o mais recente trabalho de Darren Aronofsky… Mas este não é um filme normal. É um filme que vai dividir por si próprio… O próprio realizador admitiu que desde muito cedo teve apenas uma intenção enquanto contador de histórias: fazer o público aplaudir ou apupar. Bom trabalho meu caro… Bom trabalho.
As personagens de Jennifer Lawrence e Javier Bardem moram juntas. As personagens de Ed Harris e Michelle Pfeiffer aparecem à porta e Bardem convida-as a entrar. Rapidamente muitas mais pessoas se juntam, sem que Lawrence aprove. Não me refiro às personagens pelo nome porque não é relevante para esta crítica sem spoilers. O meu objetivo aqui é dar-te a entender o máximo possível do que podes esperar, sem te revelar algo que possa estragar a tua experiência pessoal. mãe! é um filme que vive muito do que tu carregares para dentro da sala de cinema.
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Vim o caminho todo de metro a tentar juntar as peças do puzzle. Quando finalmente pensei fazer sentido comecei a ler entrevistas e outras críticas… E todas as teorias eram diferentes da minha. Foi nesse momento que me apercebi que estava perante um filme ainda mais rico em significados e significações do que imaginava. Se longas-metragens desafiantes, ao estilo de Donnie Darko, A Máscara, e Sr. Ninguém te soam a aliciantes, mãe! será, muito provavelmente, do teu interesse.
Depois de Noé, Cisne Negro, O Wrestler, e A Vida não é um Sonho, este novo título na filmografia do americano é, curiosamente, mais parecido em termos de ambição narrativa com O Último Capítulo, o seu maior desastre comercial. A fotografia não te dá nem espaço de escape nem de respiração, mantendo-se numa constante combinação de over the shoulder e close up de Lawrence. Se de facto resulta para causar tenção ao longo de toda a duração da película, coloca todos os acontecimentos na mesma linha de importância. Imenso crédito ao som: não me lembro da última vez que vi um filme que dependesse tanto da ambiência criada por este departamento.
Lawrence e Bardem jogam bem com as explosões de ira/dor e os momentos de inocência/amor. No entanto, se durante algum momento te parecer que não estão a dar a densidade que o argumento exige, talvez devas pesquisar pelo termo filosófico construct: acredito que a base do seu trabalho assenta nesta definição. O filme é muito agressivo no seu último terço, ascendendo a uma espiral de acontecimentos muito rápidos, que mal te dão tempo para pensar. Se já suportaste filmes como A Bruxa, O Exorcista, e Anticristo em termos de intensidade e grafismo visual, então mãe! estará, muito provavelmente, ao teu alcance.
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Esquece lá quaisquer potenciais jump-scares que podias ter imaginado através do trailer: o terror aqui é psicológico e visceral, não gratuito. A controvérsia que tem sido gerada é, maioritariamente, devido a este último desenlace que, na minha opinião, é justificado: seja qual for a interpretação que sigas.
Combinemos então a paranóia e intensidade de Cisne Negro, com as proporções megalómanas de Noé e a ambiguidade infindável de O Último Capítulo. Aí tens mãe!. Não sendo um filme perfeito, é um filme com uma ambiência muito própria, com interpretações intensas, metáforas ambíguas e um risco bem-sucedido que os grandes estúdios de Hollywood não costumam tomar. Aplausos por deixarem um artista criar sem barreiras. Aplausos a todos os que germinaram uma obra que perdurará mais tempo do que as suas más críticas. Aplausos aos que ainda nos fazem sentir e (re)pensar.