Spoilers!!
Ora bem, agora que já toda a gente viu Star Wars: O Despertar da Força (e se ainda não o viram, o que é que andam a fazer com as vossas vidas?) podemos começar realmente a analisar as coisas boas do filme.
Uma análise das personagens desde filme – já falámos dos Heróis e dos Vilões – não estaria completa sem falarmos da velha guarda, que dificilmente poderia estar ausente desta nova trilogia. Não só estas personagens antigas precisam de um fim aos seus arcos narrativos, como precisam de passar a tocha às novas personagens.
Leia Organa
A Princesa Leia Organa sempre foi uma personagem controversa. Se por um lado, Leia desde o início é mostrada com agência, iniciativa, autoridade e força, por outro lado tem uma tendência chata para apanhar-se em situações nas quais está a usar trajes reduzidos e tem de ser salva, para além de carregar consigo o epíteto de Princesa.
Com O Despertar da Força toda essa ambiguidade está posta de lado, e Leia recebe uma promoção a General, é a líder da Resistência e é mostrada mais forte e experiente que nunca.
A interpretação de Carrie Fisher é fulcral para este efeito, que traz para o papel um gravitas que lhe parece sair com toda a facilidade. A própria história de vida de Carrie Fisher contribui imenso não só para essa gravidade mas também para o aspecto físico de Leia.
Não quero deixar de apontar que Leia é certamente a personagem mais trágica do universo Star Wars. A mãe morre no parto de um coração partido pelo seu pai com quem Leia nunca estabele uma relação. É adoptada por uma família que é morta, juntamente com todas as pessoas com quem cresceu, quando o seu planeta é destruído. É criada sem saber quem é a sua família biológica e sem saber que tem um irmão gémeo. No fim, o pai dela é o tirano galáctico com quem ela tem estado em conflito o tempo todo, faz parte do império galáctico que destruiu o seu planeta natal, tortura-a e congela-lhe o namorado em carbonite. O seu irmão desaparece. O amor da sua vida abandona-a. É deixada sozinha para travar uma luta quase interminável contra as forças que ela acreditava ter derrotado. O seu filho vira-se para o Lado Negro da Força depois de destruir a academia Jedi do seu irmão, e continua determinado a caçar e matar o seu tio. O seu amor finalmente regressa, apenas para ser morto pelo próprio filho em sangue-frio. Todas as pessoas que ela amou, ou que a amaram, ou que eram suposto amá-la, partiram, traíram-na, magoaram-na ou morreram de maneira violenta.
Luke Skywalker
Infelizmente (ou não) há pouco para dizer acerca de Luke Skywalker, interpretado por Mark Hamill e a sua barba. É ele o conflito que faz avançar a narrativa d’O Despertar da Força, portanto não poderia senão aparecer no fim. Dificilmente poderia acontecer de alguma outra forma. Este foco na sua personagem faz sentido porque ele é a personagem central na Trilogia Original. Ele é o Herói da Viagem do Herói, e é a personagem principal com quem mais nos identificamos.
Na sua cena final, quando Rey o encontra e lhe dá o seu antigo sabre de Luz, o silêncio de Luke Skywalker diz volumes. Ele é a personagem que desde o início lutou pelo Bem, que foi derrotado uma e outra vez pelo Mal, e que no fim vê a sua Academia destruída por Kylo Ren. Certamente que ele sentiu a destruição dos planetas do Hosnian System (destruído pela Base Starkiller) e sentiu a morte do seu amigo Han Solo. Se ele age, cria o Mal, se não age, o Mal acontece à mesma. Quando Rey lhe apresenta o seu sabre de luz, que representa uma porta de novo à acção, o peso dessa decisão é perceptível.
Han Solo
Poucas personagens são tão populares e reconhecíveis como Han Solo. O “nerf-herder” mais carismático da galáxia conquistou legiões de fãs e ganhou um estatuto quase lendário, tanto dentro como fora do Universo Star Wars. Por causa disso havia imenso peso sobre esta personagem no Despertar da Força. Qualquer falha na sua escrita, qualquer deslize na sua interpretação seria alvo da fúria dessas mesmas legiões de fãs, e por muito bom que o resto do filme fosse, dificilmente conseguiria ultrapassar o facto de ter estragado Han Solo.
Felizmente tanto J.J. Abrams como Harrison Ford fazem um trabalho de excelência, e dificilmente poderíamos ter tido um Han Solo melhor.
Para começar, Han Solo d’O Despertar da Força não é o mesmo do Regresso do Jedi. Este Han Solo apesar de continuar a ser o “scoundrel” que adoramos, está envelhecido, cansado, muito mais experiente. A interpretação de Harrison Ford é incensurável, vende perfeitamente a ideia de um Han Solo com 30 anos em cima, e ficamos com a impressão que Harrison Ford nunca interpretou outra personagem na vida.
Narrativamente a personagem também está excelente. É particularmente interessante que a personagem irreverente, irresponsável, incerta, acabe a funcionar como O Mentor sábio, papel esse que na trilogia original pertencia à personagem de Obi-Wan Kenobi. Até o seu discurso no Millenium Falcon acerca da Força é um reflexo do discurso de Obi-Wan Kenobi, também no Falcon. Ver este crescimento e evolução em Han Solo foi para mim das coisas mais satisfatórias do filme.
Também num reflexo à personagem de Obi-Wan Kenobi, Han Solo morre quando está ocupado a destruir o calcanhar de aquiles da base inimiga. É claro que para qualquer pessoa que tenha visto o Uma Nova Esperança, os paralelos das duas cenas são mais do que suficientes para antever o que vai acontecer. Mas sabendo isso, J.J. Abrams em vez de tentar fazer disso uma surpresa ou twist, explora essa expectativa ao máximo.
Para começar, Dameron Poe prenuncia o que vai acontecer ao dizer “Remember, we only have until the sun is gone. As long as there is still light, we will still have hope”.
Depois, quando vemos Han Solo naquela passadeira suspensa sobre um buraco sem fundo, reminiscente daquela em que Luke perde a mão no fim do Império Contra-Ataca, com Kylo Ren à sua espera ao fundo, a sensação de inevitabilidade acentua-se. Essa cena está espectacularmente bem iluminada. Metade da cena escurecida, metade iluminada pela luz incandescente da estrela, com Kylo Ren preso entre a luz e a escuridão, com os laivos de vermelho vivo no fundo criando um ambiente fantasticamente dramático.
Han Solo tenta resgatar o filho, salvá-lo do percurso que ele está a criar para si mesmo. Nesse momento tanto Harrison Ford como Adam Driver estão no seu melhor. Harrison Ford a mostrar um amor e carinho invulgares na sua personagem, uma esperança infatigável que só nos faz investir ainda mais na sua tentativa, e Adam Driver a demonstrar uma fragilidade tremenda, um conflito do tamanho de uma montanha, a hesitar entre a salvação e a perdição. Fez-me acreditar que Kylo Ren iria mesmo entregar o seu sabre de luz.
Mas a Luz apaga-se, a esperança vai-se, e Kylo Ren mata o seu pai. Han Solo, no seu último momento, faz uma carícia na face do seu filho, e depois cai para o vazio. O grito desolado de Chewbacca é um eco da dor que eu senti como fã perante a morte de Han Solo. Foi como perder um velho amigo.
Por um lado, eu queria que Han Solo tivesse uma morte mais heróica, mais épica, mas morreu a tentar salvar o seu filho, que foi provavelmente o acto mais nobre da sua vida. A sua morte era previsível. A melhor maneira de criar investimento pessoal numa narrativa, tanto para os protagonistas como para a audiência, é matar uma personagem querida. Nenhuma outra personagem tinha tanto peso sobre ela que a sua morte pudesse ocorrer e sentirmos que de facto tínhamos perdido alguém.
Saber, desde o início da cena, que a sua morte vinha aí, e não ser capaz de fazer nada a não ser esperar o inevitável, só a tornou ainda mais dolorosa.
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