Em 2045 o mundo havia sucumbido a um cenário distópico onde reinava o caos e a sobrepopulação. A humanidade encontrou consolo numa realidade alternativa, o OASIS, um universo virtual onde (quase) tudo é possível.
A história de Ready Player One: Jogador 1 contempla diversas competições entre usuários. O objetivo principal é descobrir um Easter Egg escondido algures no OASIS pelo seu criador, James Halliday (Mark Rylance, vencedor do Oscar de Melhor Ator Secundário no filme de 2015 A Ponte dos Espiões, realizado por Steven Spielberg). Ao primeiro a conseguir superar todas as competições ser-lhe-ia concedido o controlo total sobre o OASIS, sucedendo ao falecido Halliday.
A premissa é básica e vulgar. Aliás, o livro infantil Charlie e a Fábrica de Chocolate de Roald Dahl adaptado para cinema em 1971 por Mel Stuart e em 2005 por Tim Burton é semelhante. Por outro lado, as potencialidades e consequências do advento das novas tecnologias, nomeadamente da realidade virtual, são explorados há décadas no cinema. Alguns dos exemplos reconhecidos são O Mundo por um Fio (1973) de Rainer Werner Fassbinder ou Matrix (1999) das agora irmãs Wachowski.
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Transportando a obra literária de Ernest Cline para o grande ecrã, Spielberg oferece uma explosão de referências da cultura pop entrelaçada numa experiência visual genial alcançada por Janusz Kaminski e música fabulosa por Alan Silvestri. O filme é cativante do início ao fim e um constante apelo à nostalgia. Quem viu Shining (1980)? Quem se recorda do carro de Regresso ao Futuro (1985)? Quem jogou ou joga Street Fighter?Quem conhece O Gigante de Ferro (1999)? Efectivamente, uma quantidade extraordinária de easter eggs serpenteia pelo filme. A cada nova descoberta um sorriso rasga-se no rosto de um espectador.
Ready Player One: Jogador 1 está saturado de elementos, mas o realizador soube equilibrá-los e jogar com eles a seu favor. De facto, o filme extrapola a sensação inicial de catálogo de referências. Toda a dimensão nostálgica – a nível musical, cinematográfico, literário… – serve, na generalidade, a necessidade narrativa do filme e não o contrário. Ademais, é todo o jogo de cameos, easter eggs e referências da cultura pop da década de 1980 que ergue o filme da sua banalidade. Porque, como referido anteriormente, olhar a premissa de Ready Player One: Jogador 1 é olhar para algo vulgar, já conhecido. Mas Steven Spielberg soube contornar a situação.
Ready Player One: Jogador 1 é cativante do início ao fim.
Na alma deste enredo absorvente encontra-se Wade Watts (Tye Sheridan), o protagonista de moral impecável e valores inabaláveis. Em poucos minutos esta personagem informa o espectador de tudo o que há a saber e se deve esperar do desenrolar dos acontecimentos. Digamos, ao espectador não lhe é dada oportunidade de conhecer a história e as suas personagens por si, mas porque existe um discurso constantemente explicativo. Felizmente, o interesse mantêm-se, mais uma vez salvo pela vasta dimensão nostálgica que percorre cada frame do filme.
A mais evidente crítica, ou chamada de atenção, do realizador ao público é o modo como as tecnologias podem fomentar o afastamento dos indivíduos da realidade. Segundo Ready Player One: Jogador 1, a realidade é aquela que deve e merece ser vivida. Irónico, porém, pois no filme de Spielberg a realidade é menos cativante do que o mundo virtual, assim como as relações entre personagens são menos autênticas. O exemplo máximo será a empatia entre Parzival e Art3mis, os avatares de Wade e Samantha (Olivia Cooke), respectivamente, pois é decididamente mais intensa no OASIS do que quando os dois se conhecem pessoalmente.
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Embora a mensagem do filme possa adquirir um sentido irónico, é interessante compreender o choque entre o real e o virtual segundo as reflexões de Jean Baudrillard. Dialogando com a noção de simulacro e simulação, o OASIS dilui a noção de realidade e ficção. Wade, ou Parzival, é a personagem que ingenuamente perde a capacidade de distinguir as duas dimensões. O protagonista relaciona-se com a fantasia como se da realidade se tratasse. Existe uma perda de consciência proporcionada pela imposição de uma realidade idealizada diante de um coração e mente famintos pela fuga da sua condição, do real. E é neste contexto de hiper-realidade que Ready Player One: Jogador 1 traduz de forma atual uma problemática sobre a qual se reflecte há gerações.
Alicerçando-se num pilar de entretenimento altamente visual e hollywoodiano, Ready Player One: Jogador 1 não deixa de traçar caminhos para o pensamento crítico. Combinando uma panóplia de referências da cultura pop de 1980 com os avanços tecnológicos que atingem a contemporaneidade e as interrogações que deles advêm, o filme deixa pistas interessantes para a compreensão de algo mais complexo. Mas o mais recente filme de Spielberg é, sobretudo, acima de tudo e especialmente um delicioso murro de nostalgia no estômago.