A liberdade de imprensa deveria ser um imperativo moral de uma sociedade civilizada. Nos países onde os meios de comunicação são controlados pelo poder político ou económico, não existe uma verdadeira democracia, onde os cidadãos detêm o poder de decidir de uma forma informada quem os governa.
The Post retrata um momento fulcral na história recente do EUA. Em 1971, numa altura em que cada vez mais vozes se faziam ouvir contra a participação americana na guerra do Vietname, o New York Times foi impedido judicialmente de publicar informação sobre um estudo secreto (que ficou conhecido como os Pentagon Papers), que mostrava que vários presidentes sabiam que a guerra não podia ser ganha militarmente. O The Washington Post, um jornal regional e independente, teve acesso à documentação e, num acto de extrema coragem, decidiu publicá-la. A guerra do Vietname acabaria 4 anos depois e a liberdade de imprensa no país saiu reforçada.
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As expectativas são grandes sempre que entras numa sala para ver um novo filme de Steven Spielberg. Essas expectativas sobem quando os dois actores principais do filme são Meryl Streep e Tom Hanks. Ficas reconfortado quando vês que da lista de actores fazem também parte nomes como Bob Odenkirk e Sarah Paulson. Vês que o filme teve nomeações nas principais categorias para os Globos de Ouro. Espera, uma das nomeações é para Melhor Banda Sonora Original, composta por… John Williams. Sinceramente, é difícil criar uma equipa melhor do que esta.
The Post não desilude. O filme começa inesperadamente com cenas de guerra, no centro do inferno que já era o Vietname em 1966. É uma forma ardilosa de te agarrar a atenção logo no início e ao mesmo tempo dar-te um cenário e o enquadramento que levaria alguém, anos mais tarde, a tornar públicos documentos secretos acerca do que o governo realmente sabia e pensava acerca da guerra. Spielberg é um mestre a filmar histórias complexas, sem que percas o fio à meada. Adoro a forma como ele é subtil sem ser pretensioso, e te conduz por caminhos obscuros sempre com uma luz brilhante ao fundo, para que saibas que tens uma saída à tua espera no final de cada cena.
Quando documentos do Pentágono estão prestes a ser fotocopiados, ele mostra apenas a luz da fotocopiadora à espera de ser alimentada. Quando os documentos saem dentro de uma pasta, há uma lâmpada no tecto do corredor que falha constantemente e não sendo a protagonista da cena, é impossível não a notar. O foco passa imediatamente para a pasta e a câmara segue-a de perto, pois o que está dentro dela é mais importante do que quem a carrega. Brilhante!
Será possível Meryl Streep e Tom Hanks terem uma prestação fraca num filme sério como é The Post?
Não meus amigos, não é. Streep representa Katharine Graham, a directora e editora do The Washington Post durante o período que o filme retrata. É uma personagem que tem uma fragilidade feminina, uma mulher que ficou com a responsabilidade de liderar o jornal depois do suicídio do seu marido e que está rodeada de homens que a aconselham e orientam. Ao mesmo tempo há nela uma chama intensa que não é visível no início da história mas que vai crescendo de intensidade à medida que o filme se desenrola.
Graham afirma-se como uma líder carismática, tranquila mas firme e a sua coragem ao autorizar a publicação da história acerca dos documentos do Pentágono ficará para sempre como um dos momentos altos do jornalismo de investigação. Meryl Streep é Meryl Streep – intensa quando necessário, delicada, emocionante, capaz de transmitir insegurança, força de carácter, medo e coragem à sua personagem, por vezes, tudo na mesma cena. É preciso ver outros actores representar para percebermos como Streep é genial e como a genialidade tem muito trabalho a sustentá-la. É difícil fazer representar parecer tão fácil.
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Tom Hanks é simplesmente brilhante no seu retrato de Ben Bradlee, o chefe de redacção do The Washington Post. Quando te lembras de Tom Hanks pensas sempre em Forrest Gump? Esquece-o… Neste filme Hanks parece possuído por uma personalidade arrogante, desafiante, inquieta, provocadora, um tipo que tu não ias gostar de ter como chefe se fosses jornalista. Como é que ele consegue? Onde vai ele buscar a energia para se transfigurar desta forma? Não pode ter sido um acaso Spielberg tê-lo escolhido para este papel. Tom Hanks e Meryl Streep têm cenas em conjunto que são um hino à arte de bem representar. Algumas são simples conversas que têm sempre o toque mágico de parecer que ninguém está a representar e que aquelas palavras são as deles, não as de um argumentista. Outras cenas são loucos jogos de pingue-pongue em que cada um atira uma fala e a vê devolvida com uma intensidade maior até que não podemos fazer mais nada do que ficarmos rendidos e agradecer que actores assim existam.
Quero destacar também o papel fenomenal de Bob Odenkirk na pele de um dos jornalistas que teve acesso à fonte por detrás da fuga dos documentos. Os fãs de Jimmy McGill e Saul Goodman não vão ficar desapontados ao ver o retrato de um homem à beira de um ataque de nervos, tentando lidar com a pressão de publicar o furo jornalístico da sua vida, enquanto equaciona os efeitos políticos e sociais que as suas acções podem ter.
The Post é um filme que tem importância histórica. No seguimento do caso dos documentos do Pentágono, o The Washington Post publicou em 1972 uma notícia sobre um assalto à sede do comité nacional do partido democrata, no edifício Watergate, em Washington. Essa investigação levaria à queda do então presidente, Richard Nixon. O jornalismo livre pode mudar o curso da história. The Post é um filme sobre a liberdade de expressão e os sacrifícios que muitas pessoas fizeram para a preservar. É um filme brilhantemente dirigido, filmado e representado. Vai vê-lo!