É impossível não falar de Tales of Zestiria sem ser controverso, depois de um lançamento, no mínimo, tumultuoso, no início do ano passado, no seu país natal. Além do muito polémico episódio Alishagate, a vida de Tales of Zestiria não foi nada fácil – foi duramente criticado, tanto tecnicamente como pela sua narrativa, e muitos até afirmaram que com este jogo, a série Tales of estaria morta e enterrada.
Agora foi a vez do Ocidente conhecer a lenda do pastor Sorey e dos seus amigos. Este capítulo também marcou um ponto de viragem na série muito positivo, pois foi o primeiro título a ser lançado para uma consola da nova geração, a Playstation 4 e também para o PC! Um feito incrível (não nos dias presentes), e que nunca imaginaria ser possível acontecer há um par de uns anos atrás.
A versão analisada será a de Playstation 4. Espero que com esta extensa análise seja finalmente respondida a eterna questão quanto a Tales of Zestiria – é um bom jogo? Merece a pena investir os nossos recursos mesmo quando foi duramente criticado? Vamos descobrir!
Avatar – The legend of Sorey
Tales of Zestiria tem como a base a história do Pastor, um humano que consegue, ver comunicar, e usar os elementos em combate de uns espíritos chamados Seraphims. O seu dever é expulsar a Malevolence (energia negativa) e combater o Lord of Calamity, o ser responsável por toda essa energia. Este conto, com o passar do tempo, tornou-se uma lenda, e aqui é que começa a história propriamente dita de Tales of Zestiria.
Sorey é um jovem com uma grande paixão por civilizações e histórias antigas. O seu bem mais precioso é o livro que retrata a demanda heróica do Pastor, e por isso é comum encontrarmos Sorey a explorar ruínas e templos antigos, procurando pistas e localizações descritas nesse livro.
Um dia, enquanto este e o seu amigo Mikleo exploravam umas ruínas, encontraram uma humana que estava a ser atacada por uns Hellions, seres vivos com um elevado nível de Malevolence, e que assumem várias formas conforme a natureza do seu pessimismo e negatividade. Depois de uma árdua batalha, a dupla salva a rapariga, e oferece estadia na aldeia de Elysia. Fato é que esta aldeia é toda populada por Seraphims, e o único humano é o Sorey, que só conseguiu coexistir e comunicar com os seus habitantes através de um treino rigoroso com seu pai adotivo e chefe da aldeia. De início, a jovem não acredita que em Elysia existem mais habitantes além do que o Sorey, mas este educa-a sobre os costumes e modos de vida dos Serafims, e aos poucos vai acreditando mais neste.
Tudo parecia correr com normalidade, até que um dia Sorey e o resto dos seus habitantes recebem a visita inesperada de outro ser, mas este chega a Elysia cheio de más intenções. Começando por devorar Seraphims e acabando por confrontar Sorey e Mikleo num combate, resultando na sua fuga. Mesmo assim, antes de escapar deixa uma mensagem muito perturbante ao Sorey.
Quem também deixa outra mensagem é Alisha Diphda – a jovem finalmente revela o seu verdadeiro nome, quando na manhã seguinte decide regressar à cidade de Ladylake: “Sorey eu acredito que tu sejas mesmo o Pastor. A cerimónia para encontrar o seu sucessor vai acontecer daqui a uma semana em Ladylake, eu acho que devias participar.” Com esta frase no pensamento, Sorey abandona a aldeia numa fria manhã.
O próximo capítulo da lenda do Pastor vai finalmente começar e Sorey será o seu protagonista.
Muitos criticam a narrativa de Tales of Zestiria por ser demasiado simples. A meu ver, a história tem muito como base elementos Camelotianos, e as séries da Nikelodeon: Avatar – The Last Airbender, e Avatar -The Legend of Korra. De salientar, que a série Tales of já tentou esta premissa com Tales of Xillia, na qual Milla Maxwell emerge como avatar dos quatro grandes espíritos do universo: Tales, Efreet, Undine, Gnome e Slyph.
Com Tales of Zestiria, o toque Avatar ainda é mais evidente, tanto que o fio condutor é o mesmo. Sorey, antes de tudo,, começa a ser educado pela Prime Lord do Pastor anterior, Lailah, no que diz a respeito de culturas e deveres do Pastor. Enquanto isso, conhece mais localizações, pessoas e elementos para desenvolver os seus poderes, numa tentativa final de poder confrontar e vencer o Lord of Calamity. Este é exatamente o mesmo percurso de Avatar – The last Airbender, onde Aang e os seus amigos viajam, descobrindo mais sobre o que significa ser Avatar, desenvolvendo poderes para confrontar e vencer o Lord of the Fire Nation.
A Lenda de Korra pode ser encontrada no mundo de Zestiria, devido ao fato de muitas vezes Sorey ter dificuldade em encontrar o equilíbrio entre o mundo presente e o tradicional. Um dos elementos, senão o elemento mais importante, nas aventuras da sucessora de Aang.
Claro que como é infelizmente tradicional em Tales of series, a história sofre de diversas inconsistências narrativas. Uma delas é a já referida partida forçada da princesa guerreira, Alisha, e a inclusão de Rose como personagem principal secundária. Acreditem, eu preferi a Rose, por diversos fatores. A Alisha desde o início aparentava ser uma personagem com uma personalidade forte e determinada, mas no final não acabou por ser a nossa tradicional Mary Sue, até porque Alisha sabe bem como se defender, mas acabou por traduzir-se numa personagem sem molde e muito vazia. Ao passo que a Rose, na minha perspetiva, teve um papel mais importante na história. Nas diversas vezes que Sorey foi seduzido pela Malevolence do Lord of Calamity, ou quando perdeu o seu rumo, Rose esteve sempre ao seu lado, mostrando-lhe a veracidade cruel do ser humano, afinal Rose é uma assassina e tem uma visão bem mais realista do mundo e pessoas. Ao passo que Alisha colocava em primeiro lugar os ensinamentos de Lady Maltran e o seu reino. Não é que uma personagem seja bem melhor do que a outra, mas o pouco tempo que acompanhamos Alisha não deu para compreendermos a sua razão de ser e estar com Sorey.
Enquanto o conto principal possa ser básico – a minha única queixa são os habituais dois reinos em guerra -, mesmo falando em padrões Tales of, a sua lore sem dúvida que não o é. Podemos conhecer mais acerca da origem do Lord of Calamity, o que levou um Rei a emergir como um monstro, e a razão da criação dos Pastores, através de pequenas esferas que encontramos na nossa viagem. O lore é tão vasto e rico que a Bandai Namco Entertainment vai voltar novamente a apostar nestes elementos em Tales of Berseria, no qual acompanharemos a Velvet no mundo passado de Zestiria.
Dois por todos!
Uma das imagens de marca de Tales of series, embora estivesse presente, não teve o mesmo impacto e índice de qualidade do que nos anteriores títulos. A maioria das personagens é incrivelmente estereotipada e não teve aquele carisma tão característico que adoramos nestes contos. Talvez a produção quisesse dar-lhes uma visão mais normal e “humana,” que o humor acabou por ficar em segundo plano. À exceção da língua afiada da Edna e da Pun-tástica Lailah, o resto do elenco praticamente nem pareceu existir!
Sorey sofre da síndroma do Sora de Kingdom Hearts “Hi I am Sorey”, em todo o lado que vai. Também mostra um lado bastante simplista e alegre de ver as situações que, por vezes, chegou a ser irritante. Mikleo é basicamente a waifu do Sorey, sempre de tom autoritário, foi comum encontrar este dizendo a Sorey: não faças isso, ou eu bem te avisei, centenas de vezes. Um à parte, Mikleo está presente em todos os momentos característicos de heroínas e princesas, tanto que as meninas adoram ver estes dois juntos como casal. Continuando, Denzel é o nosso membro solitário anti-social, e finalmente Zaveid, o nosso Sephiroth sem abrigo, é o elemento mulherengo do grupo.
Mesmo o humor com os tradicionais skits parece ficar de lado. Enquanto tínhamos inúmeros momentos divertidos em skits nas anteriores entregas, neste título os dedos da nossa mão chegam para enumerá-los. Até mesmo os momentos post-battles acabam em conversas apenas dentro do tempo e contexto onde as personagens se encontravam. Não existiram momentos como uma disputa de fotos de família, Crablettes, Bazongas ou outros elementos já lendários pelo seu divertimento.
Para finalizar, só mesmo os momentos Lailah e Edna salvaram o dia, no que diz respeito a personagens, o resto faz jus à sua natureza Seraphim – estão lá mas não conseguimos vê-los.
Brave new World
Eu sinto que desde Tales of Graces, o estúdio Tales of, tem estado a cada capítulo a testar novas ideias e conceitos. Tales of Graces mostrou uma forma de combate caótico, frenético e muito gratificante, Tales of Xillia tentou abordar histórias de dois pontos diferentes de personagens e misturou elementos de combate de todos os jogos anteriores. Na sua sequela Tales of Xillia 2, tentou uma abordagem mais oriental, com um herói silencioso, escolhas com impacto no final do jogo e um ambiente mais negro.
Com Tales of Zestiria a resposta foi uma tentativa de implementação de “mundo aberto”. Embora não concorde, porque um jogo situado em mundo aberto é uma espécie de jogo “vivo”, podemos explorar o que quisermos, viajar até onde desejamos e estão a acontecer eventos ao mesmo tempo em todo o território do mapa, esta é a minha abordagem de mundo aberto.
Com Tales of Zestiria aconteceu exatamente o mesmo que nos capítulos anteriores: temos uma cidade com NPC’s sempre a fazer as mesmas coisas e a dizer o mesmo, não existiu aquele elemento inesperado e vivo num jogo em mundo aberto. Até tivemos mesmo ecrãs negros na transição entre localizações e sítios dentro da própria cidade. Os únicos momentos em mundo aberto que realmente considero neste jogo são quando visitamos aldeias destruídas – a banda sonora muda de faixa, e não existem transições a ecrã negro nos combates. Assim que vemos um adversário, o combate é imediato, já não temos aquela tradicional arena, e se tivermos árvores, ou um relevo mais elevado, o combate será nesse lugar. No papel parece ser muito giro, mas depressa vão descobrir o vosso pior inimigo em Tales of Zestiria.
My Name is Sorey and I am Super Saiyan!
As lutas continuam a ser frenéticas e próximas de um brawler. Através da Armatization, que é basicamente uma fusão entre Sorey, Rose e os seus Seraphims, ficamos ridiculamente poderosos, inclusivé com cabelos dourados como um Super Saiyan, e despachamos ondas de inimigos com um simples toque de botões. O que acontece? Os seraphims e humanos em estado normal tornam-se tão fracos, chegando ao ponto de se tornarem inúteis. Para que é que vou perder tempo a controlar um Seraphim, quando posso fundir-me e acabar com o inimigo num abrir e piscar de olhos? Temos aqui um sério problema de equilíbrio no jogo.
Mesmo com elementos de pedra, papel e tesoura, que podem ser descritos, como por exemplo, Martial Artes, terem a vantagem sobre Seraphic artes, penso que só funcionou na teoria. Na prática, enquanto joguei, nem sequer coloquei em cheque estes valores. Como acima referi, os combates ocorrem no sítio e relevo onde ficamos, a câmara por vezes resolve esconder o nosso protagonista e nem sabemos sequer onde ficamos, apenas vemos o nosso adversário na primeira pessoa. Em ambientes fechados, como templos, foi comum encontrar este problema. Embora não me tenha comprometido a nenhum gameover, foi no mínimo irritante e completamente inaceitável nesta era de videojogos.
A A.I. em Tales of Zestiria também podia ser melhor. Muitas vezes apenas vi os meus aliados a correrem para o meio de uma carnificina. Igualmente vazias foram as Mystic Artes que carecem da espetacularidade visual de títulos anteriores. Eu aconselho a jogarem Tales of Zestiria em dificuldades elevadas, porque o jogo em normal é demasiado simples, enquanto em Chaos é possivelmente o Tales of mais difícil que joguei até hoje! A velocidade de casting de artes nos nossos inimigos é quase imediata, o dano é descomunal, e o nosso tempo de fuga e utilização de items sofre um maior tempo de espera. Como diria Barbatos, NO ITEMS EVER!
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A tua cara não me é estranha!?
Graficamente Tales of Zesteria alternou entre o surpreendentemente bom, o mau e o medíocre. As personagens principais apresentam bom detalhe e características, como um Normin preso num guarda-sol, o casaco de Denzel e cintos no torso do fato do Mikleo. No entanto, no resto do jogo, o que reparei é que tudo é demasiado vazio.
Começando nos mapas, temos hectares com apenas relva ou uma cor sólida, como amarelo, num deserto. Se a tentativa deste estúdio é dar uma abordagem de mundo aberto, precisa urgentemente de polvilhar flora e fauna em abundância para dar mais “vida” a um cenário. Enquanto nas cidades e casas temos um grafismo consideravelmente bom (partindo do início que é uma port de Playstation 3), nas dungeons é tão linear e igual que temos aquele sentimento de… “já estive aqui”! Essencialmente as mudanças são apenas cosméticas. Só mesmo nas trials do fogo, água, terra e vento é que veremos um desenho mais individual e trabalhado. Muitas vezes basicamente o que concluí é que apenas mudaram as cores nos cenários, remetendo as dungeons a corredores com pisos e procura de tesouros.
Continuando com déjà vús, os modelos de NPCs continuam a ser os mesmos de Tales of Xillia. Cheguei a ver o mesmo modelo numa cena repetido, apenas com uma ligeira troca de cores na sua indumentária. O mesmo posso dizer dos inimigos, que na sua maioria as mobs têm ligeiras mudanças cosméticas, apostando sempre no mesmo modelo e animações.
Eu gostava, sinceramente, que a Bandai Namco Entertainment parasse de programar como estivesse na era das 128 bits. Ainda que não seja demasiado stiff ou blocky nas suas animações, o resto parece que está parado no tempo, e não deve mudar enquanto não abandonar o suporte Playstation 3. Quando vejo obras como Ni no Kuni 2, que basicamente parece um filme dos estúdios Ghibli, é impossível não ficar dececionado.
Estou curioso para ver como vão abranger este ponto em Tales of Berseria, já que o jogo parece seguir uma dimensão bem fora destes padrões.
Quanto a desenvolvimento de personagens, Tales of Zestiria desta vez aposta no complexo e confuso sistema de fusões de armamento. Uma novidade tão complexa e tão vasta que perdi horas encalhado em menus, numa tentativa de descodificar este sistema, que até escrevi um guia! Com este sistema, os níveis da nossa personagem tornam-se inúteis, e a única maneira de aumentarmos os nossos atributos é consumindo ervas (smooth) ou derrotar Hellions especiais em combate.
No que se refere a cut-scenes animadas, a Ufotable manteve os mesmos padrões de qualidade com que já nos habituou. A meu ver, devem manter-se os mesmos na adaptação para anime de Tales of Zestiria: Tales of Zestiria the X.
GO SHIINA!!
Enquanto Tales of Zesteria teve diversos problemas a nível técnico, certamente que a nível sonoro nenhum outro Tales da era moderna se igualou a Tales of Zestiria. Este foi um projeto conjunto entre o já habitual Motoi Sakuraba e Go Shiina, um compositor que não víamos desde Tales of Legendia. Não é que tenha algo contra o trabalho de Motoi Sakuraba, mas as suas faixas estão tão demasiado evidentes e dentro do mesmo, que até já são facilmente reconhecíveis.
Go Shiina tem um estilo muito próprio, improvável e diversificado, perfeito para dar aquela nova identidade que Tales of procura. As faixas de todos os temple trials foram da sua autoria e todas retratam bem os seus elementos através da música. Por exemplo, assim que entrei no templo do fogo, parece que viajei até ao mundo de Wild Arms, numa faixa que parecia composta pela própria Michiko Naruke, simplesmente espetacular!
À semelhança novamente de Tales of Legendia, as faixas de batalha são as mesmas, mas conforme os acontecimentos da história, mudam de estilo e intensidade. Durante o jogo temos uma única faixa cantada, que achei um pouco estranha e fora de contexto, intitulada Rising Up. Acreditem que trocaria esse tema por White Light, um tema da banda Superfly, que por alusões a racismo na letra foi suprimida da abertura.
Uma viagem atribulada mas agradável
No final, Tales of Zestiria mesmo com os seus defeitos tem o seu valor dentro do seu género. Não é ainda aquela experiência de Tales que os seus fãs merecem e anseiam. No entanto, dou a mão à palmatória por este estúdio querer inovar a cada jogo, experimentando ideias e conceitos novos. O sentimento que tive a terminar este capítulo foi o seguinte: Tales of Zestiria foi como a nossa vida escolar em retrospetiva – é certo que foi uma vida dura com inúmeros problemas, mas que no final, pensando bem, até acabou por tornar-se gratificante e feita de alguns bons momentos.