Crítica | Hoje Aconteceu-me Uma Coisa Brutal

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Aqueles de nós que são leitores de banda desenhada de super-heróis por alguns anos, tal como Daniel Estorach, autor do romance Hoje Aconteceu-me Uma Coisa Brutal que inspirou esta banda desenhada, de certeza que já se sentaram um dia e pensaram como existe necessidade de algo fresco nas BDs. Talvez tenha sido chegarmos a uma época em que o super-herói é consumido em massa, não só nos nossos livros mas nos ecrãs gigantes, nas nossas televisões de casa, nos cartazes a cada canto. Ou talvez seja, exactamente, porque todas as histórias que haviam por contar, de uma maneira ou outra, já o foram feitas. Isto era, pelo menos, a minha opinião até há uma par de dias atrás ter pegado nesta BD de El Torres e Julián López.

Eis Daniel, um homem comum, designer freelancer no meio de Barcelona a viver uma vida que tem de tudo, aparentemente, menos do elemento extraordinário – podemos assumir isto, embora a nossa história comece exactamente com o momento de mudança. Um dia, após uma semana de intensas dores de cabeça, ele acorda com super-força e capacidades regenerativas. Mas o que é que isto tem de diferente de todos as outras histórias de heróis? É que tal como tu e eu, o Daniel consegue sabe disso: “Caraças, sou o Logan!” E assim começa mais uma jornada de herói em que Daniel torna-se numa espécie de justiceiro terra-a-terra na busca de uma resposta sobre o que significa, e o que acarreta, ser um herói no “mundo real”. Isto, claro, sem esquecer a máxima que os seus amigos evocam com as palavras do tio Ben – que descanse, perpétuamente, em paz – “um grande poder acarreta uma grande responsabilidade”.

“Os trajes constroem os ícones, mas não são as personagens. E qualquer leitor que goste de literatura, do que precisa é de histórias. […] Porque os super-heróis não são um traje, os super-heróis são a épica. A épica do nosso tempo”

Carlos Pacheco, prólogo de Hoje Aconteceu-me Uma Coisa Brutal.

Nesta banda desenhada não temos heróis de fantasias em vermelho e azul, cientistas bilionários ou super-soldados. Temos um homem comum, os seus amigos, a descoberta de umas tantas outras personagens com habilidades similares e, volta e meia, uma data de menções a outras personagens que, de uma maneira ou outra, viemos a conhecer nos últimos tempos. Temos uma história de alguém que realisticamente procura respostas não só em relação a este novo mundo que descobre uma manhã enquanto desata aos murros com o vizinho do lado, bem como ao modo com que deverá encará-lo e usá-lo. Porque, tal como em todas as histórias de super-heróis, a posse de habilidades especiais costuma acarretar consequências não só para si, bem como para quem lhe é mais próximo. No decorrer da leitura deste volume, descobrimos que no caso de Daniel não é assim tão diferente mas a sua abordagem é um tanto mais realista do que normalmente estamos habituados.

A quebra da quarta parede dentro do mundo de super-heróis também torna a leitura desta banda desenhada bastante mais agradável do que esperei. Não te preocupes se não fores leitor assíduo de banda desenhada, as eventuais chamadas a Morpheus e t-shirts do Batman não te vão passar despercebidas. Qual Capitão América no filme Vingadores tu vais entender a referência. El Torres cria com o seu argumento uma narrativa com a mistura perfeita dos elementos dramáticos e cómicos. A leitura nunca se torna cansativa ou enfadonha. Em vez disso, quase sem nos apercebermos, entramos neste mundo e esquecemo-nos que se trata de ficção e não de um relato de alguém que vive mesmo já aqui ao nosso lado, em Espanha.

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Não poderia deixar passar sem fazer uma menção à arte deste volume. Julián Lopez torna, com os seus desenhos, esta história viva a cada virar de página. O detalhe tanto presente na acção como no cenário de Barcelona, conhecido para alguns de nós, ajudam a uma leitura agradável e fluída. O movimento não se perde de painel para painel e, por isso, não se torna confuso para quem está a ler esta magnífica história. Este ilustrador espanhol já trabalhou para títulos como Wonder Woman e Batman & Outsiders. E este volume de Hoje Aconteceu-me Uma Coisa Brutal é, com certeza, uma forte adição ao seu trabalho.

A leitura deste volume de banda desenhada, confesso, foi uma agradável surpresa. Sem qualquer conhecimento prévio do seu argumento, pensei que me estava deparar com mais uma história de um excêntrico filantropo que procura justiça ou de um miúdo picado por um insecto que ganha super-habilidades quando, na realidade, tinha nas minhas mãos, algo bastante mais relacionável sem retirar por completo o elemento fantástico que tanto adoro.

Para ti que achas que as bandas desenhadas de super-heróis já tinham tudo a dar: dá uma vista de olhos a esta BD, acho que encontrei aqui a resposta para algumas das nossas preces. E para ti que não tens o mesmo hábito: acho que aqui está um bom ponto de partida. Quanto a mim, ficarei à espera com alguma ansiedade pelo próximo volume porque esta história parece-me estar longe de concluída.

A BD Hoje Aconteceu-me Uma Coisa Brutal será apresentada em exclusivo na Comic Con Portugal 2016.

Estás entusiasmado por ler esta nova banda desenhada?