O nome da autora Naomi Alderman está-se a tornar conhecido de todos ultimamente. Quando não é em associação ao novo filme Disobedience baseado no seu romance de estreia escrito em 2006, podemos ouvir o seu nome em relação a O Poder, um livro recentemente premiado com o Bailey Women’s Prize for Fiction, e, o que é mais impressionante ainda, apadrinhado pela autora mais adorada de todos os fãs de televisão: Margaret Atwood. Atwood, a autora de The Handmaid’s Tale, é a mentora de Alderman, e a sua influência é muito clara nesta obra espantosa e tão actual.
Apesar de toda esta notoriedade, e da enorme popularidade da obra, este livro chegou-me às mãos sem que nunca tivesse ouvido falar nele. A primeira impressão que se tem, quando se lêem os primeiros capítulos, e a de que este é um romance feminista. Quando se chega ao final, compreende-se que essa afirmação não pode estar mais longe da verdade. O Poder não é um romance feminista, não é sobre a igualdade de género – é literalmente sobre o poder e sobre o modo como o facto de ter poder sobre alguém nos muda. No fundo, acaba por funcionar como um ensaio sobre a essência do domínio, e sobre o modo como a nossa sociedade foi moldada pelo simples factor da potência física e da capacidade para a violência – e como tudo poderia ser mudado pela inversão súbita destes factores.
A história é um “livro dentro de um livro”, encompassado por um prefácio e um posfácio que se encontram fora do tempo principal e que nos dão a entender que este é o primeiro esboço do primeiro romance de um historiador. Nada parece fora do normal no prefácio, mas é o posfácio que fecha na realidade a história e que nos dá a entender a verdadeira mensagem.
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Temos vários narradores cujos nomes encabeçam os capítulos com os seus respectivos pontos de vista. Através dos olhos da Allie e da Margot nos Estados Unidos, da Roxy em Inglaterra e do Tunde na Nigéria, vemos como os mais jovens se adaptam e interagem com uma grande nova mudança de paradigma para a raça humana: as mulheres jovens parecem ter adquirido – do dia para a noite! – um estranho poder. Lentamente, vamos percebendo que muitas delas já o tinham há algum tempo, e que todas as crianças do sexo feminino que têm nascido de há uns quinze anos para cá a têm: a meada, um órgão esguio na zona da clavícula que lhes dá a capacidade de produzirem choques eléctricos.
As experiências e as histórias destas jovens são aquilo que dão forma à narração, mas a história em si a partir daqui é reminiscente de José Saramago: este ponto nas vidas das pessoas mudou para sempre, e agora vamos explorar de que maneira o mundo se adapta à mudança. A ordem normal da civilização patriarcal na qual vivemos tem dificuldade em aceitar tudo isto. Pela primeira vez na história, as mulheres têm muito mais força física do que os homens; as mulheres são capazes, se assim o entenderem, de magoar os homens sem terem que temer pela sua própria segurança. E os homens começam a experienciar aquilo que todas as mulheres desde o início dos tempos têm experienciado todos os dias da sua vida: o medo, a insegurança, o terror de caminhar sozinhos à noite, a ameaça constante da violência, e a pressão psicológica dessa ameaça mesmo quando a violência não é concretizada.
A maneira como o poder influencia as vidas de todos e como as estruturas governamentais, religiosas e sociais se adaptam é fascinante. Em combinação com as histórias pessoais de personagens jovens e interessantes, com muitos elementos explosivos à mistura (drogas, sexo, novos cultos, organizações militares, muita violência, talvez até um tigre de estimação), e com o estilo de escrita simples e enérgico de Alderman a unir tudo, posso dizer que este é um livro que vale a pena ler. Tem estado constantemente nos meus pensamento e, tal como diz a citação de Atwood na capa, levou-me a questionar tudo.