Honestamente nunca pensei que viesse a escrever a crítica da 5ª temporada de Agents of S.H.I.E.L.D.. No fim de cada temporada, todas as temporadas, a série estava em risco de ser cancelada, sempre na corda-bamba dos ratings, sempre com fãs a escreverem petições e e-mails à ABC para não cancelarem a série (eu escrevi mais do que um), e todos os anos a série era salva, aparentemente ao último minuto, e renovada para mais uma temporada.
Ao longo de todo este processo, eu e outros fãs da série fizemos o nosso trabalho de evangelizar outras pessoas para o quão bom Agents of S.H.I.E.L.D. é, a tentar convencer mais pessoas a verem a série para impedir que fosse cancelada. E devemos ter feito um bom trabalho porque 5 anos depois ainda aqui estou a escrever.
E no entanto, pela primeira vez dou por mim a questionar-me se 5 temporadas já não foi demais. Todas as narrativas precisam de um fim ou de uma resolução, e atrasar ou procrastinar esse fim nunca traz nada de bom à narrativa. Vê o que aconteceu a Lost ou The Walking Dead, que por tentarem prolongar as suas narrativas mais do que aquilo que tinham para dar, acabaram por reduzir a qualidade daquilo que estavam de facto a dar. Não me interpretes mal, não estou a dizer que Agents Of S.H.I.E.L.D. perdeu qualidade ao nível de The Walking Dead, mas a minha grande preocupação é que a diminuição global da qualidade desta 5ª temporada seja o primeiro passo nessa direcção.
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Acho que o principal problema que atormenta esta 5ª temporada é o enredo. À semelhança da 4ª temporada, cujo enredo estava dividido em 3 arcos narrativos (“pods”) distintos, esta temporada também tem 3 arcos narrativos principais mas que não estão tão claramente divididos. Temos a primeira parte da temporada, em que a aventura entra por caminhos de viagens no tempo, levando os protagonistas para um futuro distópico no qual a Terra se partiu ao meio e o que resta da humanidade vive sob a opressão de uma raça alienígena; a segunda parte focou-se no regresso das personagens à Terra e no seu conflito com mais uma célula escondida da Hydra que estava a negociar com ditos alienígenas; a terceira focou-se no conflito apocalíptico final que tinha à cabeça um verdadeiro vilão de banda-desenhada como já não víamos há muito tempo.
Este formato funcionou muito bem para a 4ª temporada, mas na 5ª já não serve tão bem o seu propósito. Principalmente porque cada um destes arcos narrativos acaba por ter pouca influência ou impacto no que vem a seguir. Sim, é verdade que logicamente as coisas estão a acontecer umas por causa das outras, mas são poucos os momentos em que sentimos o peso narrativo do que veio antes. Isso reduz o peso que vem da continuidade e quebra imenso a escalada de tensão dentro da temporada como um todo.
Depois, apesar de cada um dos 3 arcos narrativos ter aspectos muito interessantes em si mesmos, cada um deles pareceu esforçar-se por manter o ritmo. Sobretudo no 2º e 3º “pod”, por vezes o enredo mal avança, e quando o faz é aos solavancos. Nunca há um episódio propriamente de filler, mas há vários que se aproximam disso, e o ritmo sofre imenso por causa disso. Depois há mais do que um ou dois momentos na temporada em que as decisões de escrita desiludem imenso. No primeiro pod é a resolução final do vilão que vai completamente contra tudo aquilo que tinha sido construído para a personagem até esse momento; é um desperdício de uma oportunidade para criar um excelente vilão num universo infelizmente desprovido deles.
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No segundo pod é todo o 100º episódio e o que daí resulta, que ainda se arrasta durante vários episódios, e que mesmo para uma série com alienígenas e viagens no tempo pareceu forçado (Dimensão do Medo… pfft). Finalmente, depois de passarem a temporada inteira a aumentar as expectativas relativamente a como os paradoxos temporais se iam resolver, a solução que nos é dada no fim é, apesar de logicamente coerente, muito narrativamente insatisfarória. Não há uma explicação clara de o que é que funcionou ou porque é que deve ter impacto emocional. O final da temporada no geral foi relativamente fraco, dando a impressão que deixaram demasiadas coisas para resolver no fim e não tiveram tempo de dar atenção a tudo.
Mas apesar de tudo isto a verdade é que a série tem coisas mesmo muito boas. A representação da civilização humana num futuro distópico a viver numa estação espacial comandada por alienígenas ditatoriais está muito bem feita. As aventuras que aí acontecem são as melhores da temporada toda, e alguns dos momentos de personagem mais interessantes acontecem nesse setting também. O tema das viagens no tempo que os leva a esse futuro distópico também está explorado de uma maneira muito satisfatória. O problema dos paradoxos temporais é logicamente coerente do princípio ao fim, e apesar da resolução final insatisfatória, tudo até esse momento está muito bem executado e é explorado de maneiras muito inteligentes e interessantes. O grande vilão final é mesmo um grande super-vilão de banda desenhada à antiga, incluindo uma evil-goatee, super-poderes e megalomania narcíssica, cuja execução funciona muito melhor do que se esperaria para uma série que no geral até se leva razoavelmente a sério.
Adiciolnalmente, o orçamento de CGI foi muito bem aproveitado, e quando vemos cenas de CGI nunca deixam de ser impressionantes. A realização também está excelente, com a construção de cenas incrivelmente tensas, dramáticas, e cenas de luta muito bem coreografadas e filmadas.
Mas onde esta temporada brilha verdadeiramente é no desenvolvimento das suas personagens. É quase como se o desenvolvimento de personagens tivesse tomado primazia na cabeça dos escritores, e todo o enredo fosse só uma desculpa para permitir esse crescimento; e é uma situação invulgar, dado que na maior parte das vezes acusamos este género de obra de não ter desenvolvimento de personagens suficiente. Mas esta temporada faz um trabalho fantástico de explorar e desenvolver o mundo interior de todas as suas personagens principais, obrigando-as a evoluírem e crescerem de maneiras que são sempre tão dramáticas quanto são coerentes.
São várias as personagens que sofrem perdas ou são postas em desvantagens muito difíceis, e são obrigadas a re-examinarem-se e a encontrarem forças que não sabiam que tinham. Personagens que por causa do stress e pressão quebram de maneiras que não estaríamos à espera, e tornam-se muito mais antagonistas do que alguma coisa viesse a fazer crer. Personagens que encontram um significado e um papel novo dentro da equipa, e que tem de lutar para se adaptarem a esse papel e à maneira como as outras personagens reagem a elas. Entrar em pormenores acerca de que personagens crescem de que maneira, e que desenvolvimentos são mais interessantes ou bem escritos seria entrar em spoilers, portanto não vou fazer isso.
Portanto é difícil. Há coisas mesmo muito boas nesta temporada, outras que me desiludiram imenso. Talvez eu esteja a ser demasiado crítico. Já li muitas outras opiniões a dizerem que esta foi a melhor temporada até agora. Mas se eu até este momento tenho sido um fã tão entusiástico e um evangelizador de Agents Of S.H.I.E.L.D., é porque a série tem sido sempre tão consistentemente boa e acima da média, por vezes atingindo picos de quase-perfeição. A série continua mesmo muito boa, e vale a pena ser vista. Continua a ser uma das melhores séries de ficção científica por aí, e muito melhor que a média da televisão no geral, mas esta temporada simplesmente não foi tão boa como a anterior.
Mas como todos os anos Agents of S.H.I.E.L.D. foi renovada, e com detalhes que vão contra os meus vaticínios de declínio de qualidade. A 6ª temporada de Agents of S.H.I.E.L.D. foi renovada para 13 episódios, em vez dos habituais 22, num formato muito mais semelhante às séries “modernas” de grande orçamento da Netflix, por exemplo. Acho que esta foi uma decisão inteligentíssima, e cheira-me que vai ser uma lufada de ar fresco para uma série que se arrisca a ir pelo caminho de The Walking Dead.