Não há maneira de contorná-lo: a primeira temporada de Britannia foi fantástica. Numa altura em que parece por vezes que os mesmos moldes são usados para produzir séries e séries sem fim, Britannia é um raio de luz a quebrar a monotonia. Numa década televisiva dominada por A Guerra dos Tronos, o público está predisposto a querer ver temas semelhantes, mas a ficar inexoravelmente desapontado por a qualidade não ser a mesma.
Claro, seria impossível chegar à qualidade das primeiras temporadas do mega-sucesso da HBO com o orçamento da Sky Atlantic e da Amazon Prime, mas estou preparada para dizer que Britannia chegou o mais perto que é possível com os materiais brutos que lhe foram dados. Esta nova série criada por Jez Butterworth é original e capaz de manter o seu espectador entretido do início ao fim. As críticas não têm sido todas brilhantes, e uma das principais queixas é a falta de exactidão histórica. Se estás à procura de uma série que te vá instruir sobre a cultura celta no século I, ou um relato fidedigno sobre a incursão do general Aulus Plautius ao território britânico, esta série não é para ti.
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É uma obra de fantasia histórica, quase completamente ficcional, e que não se preocupa em deixar de lado um ou outro facto se isso for contribuir para a história. Em Britannia, o que mais conta é o enredo, o desenvolvimento das personagens, a capacidade de surpreender e entreter o público. Isto dito, há vários detalhes históricos que são reais, e que contribuem para o interesse da série: Aulus Plautius foi um senador e general do exército romano, e muitos dos hábitos dos druidas e dos celtas retratados são autênticos. A série não é inteiramente ficção, mas também não é inteiramente facto, e juntamente com um elemento de fantasia que se faz sentir na (aparente?) magia utilizada pelos druidas, a combinação é na minha opinião mais intrigante do que o seria uma série que fosse inteiramente uma coisa ou a outra.
Esta é uma história sobre a invasão romana da Bretanha no ano 43 d.C.. Os exércitos romanos estavam reticentes, tinham dúvidas sobre cruzar a fronteira do mundo conhecido e entrar numa terra que acreditavam ser dominada pelos mortos, e a sua confiança no seu general começava a vacilar. Mas Aulus Plautius demonstra-se desde as primeiras cenas do primeiro episódio mais do que capaz de lidar com estes temores com uma mão de ferro. O actor David Morrissey é excelente neste papel e faz-nos acreditar nas suas palavras: ele é Roma, e onde os seus pés se apoiarem, também é Roma.
A representação do acampamento romano e das coloridas personagens que o populavam esteve correcta o suficiente, e ilustrou bem as maquinações internas da política romana. Um grande destaque de entre os soldados e oficiais romanos para mim foi a personagem de Philo, interpretada por Zaqi Ismail, que nos providenciou os momentos mais engraçados e curiosamente também um dos momentos mais intelectualmente profundos da temporada. Personagens como o Lucius do Hugo Speer caíram já dentro da normalidade do que esperaríamos de uma interpretação de um oficial romano, e não surpreenderam demasiado.
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No campo dos celtas, há imenso para dizer. Duas tribos são retratadas ao longo da série, em que as suas rivalidades e os seus costumes são postos em destaque: os Cantii e os Regni. O enorme contraste entre o modo de vida deste povo e o dos romanos é um dos elementos que torna a série tão colorida: vemos rituais sagrados do povo e rituais sanguinários dos druidas, juntamente com as danças e os ornamentos próprios; ficamos a conhecer em parte o funcionamento das suas sociedades, desde a corte real até às aldeias.
Uma das personagens principais desta série é uma jovem rapariga cuja aldeia sofre às mãos dos romanos (como todas as aldeias em todos os sítios por onde eles passavam!) – a actriz Eleanor Worthington-Cox tem apenas dezasseis anos, mas faz um papel impressionante, com um repertório de emoções que torna muito mais pungente uma linha narrativa que poderia ter sido alienante de outro modo. A personagem de Divis, interpretada por Nikolaj Lie Kaas, é a de um génio louco expulso pelos druidas, e é a fonte de muita da magia e dos truques que vemos – ele sabe manipular as mentes das pessoas com que se encontra, ou será mesmo um dom dado pelos deuses?
Algo que não falta nesta Bretanha é uma selecção de personagens femininas fortes e com capacidades de liderança, para o bem ou para o mal. Temos duas mulheres de sangue real: Antedia dos Regni (Zoe Wanamaker) e Kerra dos Cantii (Kelly Reilly), que são o oposto absoluto uma da outra em relação às suas convicções, mas que comandam uma autoridade assustadora. Ao seu lado, os pais, irmãos e filhos que as acompanham parecem de certo modo… Emasculados. Este género de personagens, que fornecem um contraste importante com os generais ultra-masculinos do exército sitiante, foram um dos elementos distintivos.
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Algo de que gostei em Britannia: toda a gente tem a idade que tem. Há uma tendência na ficção televisiva a ter personagens principais todas entre os vinte e os trinta, todas atraentes, e isto torna-se um bocado suspeito ao longo do tempo, para não dizer aborrecido. Em Britannia, a personagem que era uma criança foi interpretada por uma criança de dezasseis anos, não por uma pessoa na casa dos vinte a tentar passar por adolescente (como em todas as séries sobre escolas secundárias que já viste). Kelly Reilly é uma mulher lindíssima, que tem quarenta anos, e a série não tenta nem por um momento esconder as marcas da sua idade. Zoe Wanamaker, que faz um papel muito importante, tem sessenta e oito anos. Este tipo de diversidade em papéis de liderança é algo raro de se encontrar, especialmente em papéis femininos.
Não se pode falar em Britannia sem se falar na música escolhida para ser a sua theme song: “Hurdy Gurdy Man” de Donovan, é um exemplo de rock moderno céltico, e esta música moderna aliada ao enquadramento histórico faz um efeito lindíssimo. Gostaria de ter visto músicas modernas a serem utilizadas ao longo da série, mas a banda sonora em geral foi algo que quase não se notou.
A primeira temporada de Britannia surpreendeu-me e encantou-me, cuja qualidade, tanto em termos de actores, cenários e vestuário, como de argumento, foi impressionante, especialmente tendo em conta o orçamento relativamente baixo. Se as temáticas gerais te atraem, aconselho-te vivamente a lhe dares uma hipótese! Eu estou à espera de ouvir notícias definitivas sobre a segunda temporada que penso que terá que vir; não consigo imaginar qualquer argumento em contra. Se ela vier, cá estarei ansiosamente à espera para ficar a saber o destino tanto de bretões como de romanos!