Agent Carter tem sido, até agora, a ovelha negra da Marvel, sendo a sua série com menos ratings. Tanto Agents of SHIELD, como Daredevil e Jessica Jones foram sucessos, e tiveram rapidamente confirmadas as suas segundas e terceiras temporadas – e hoje temos a notícia de que Agents of SHIELD foi confirmado para uma quarta temporada.
Agent Carter, por outro lado, no fim da sua primeira temporada era incerto que viesse a ter uma segunda temporada, e agora no fim da segunda temporada, devido a piores ratings do que a primeira, e ao facto de a protagonista Hayley Atwell ter sido contratada para um piloto de outra série, deixam muito em dúvida se haverá uma terceira temporada de Agent Carter.
O que é uma pena, porque Agent Carter é uma série muito boa, apesar de não ser perfeita.
A primeira coisa excelente acerca de Agent Carter é que é uma série Marvel. Isso significa que todos os tropes de banda-desenhada, super-heróis e super-vilões estão lá e o ritmo é excelente.
Temos fontes de energia exóticas e misteriosas com o potencial para destruir o mundo, vilões megalomaníacos com super-poderes, uma equipa de heróis que tem de aprender a trabalhar junta, organizações conspiracionais de maus-da-fita que operam a partir das sombras, tecnologia e gadgets de ficção-científica.
Todos estes elementos estão presentes de forma clássica na série, que progride a um ritmo excelente durante 10 episódios. O conflito da série é exposto de forma clara ao início, as complicações surgem de forma lógica, as personagens principais têm desenvolvimento e arcos narrativos, e há um excelente build-up para a resolução. Não há episódios de filler, e cada um deles serve uma função muito clara de avançar com a narrativa para a frente ou desenvolver as personagens.
Os tropes de banda-desenhada e o excelente ritmo fazem com que a série seja muito divertida e nunca se torne aborrecida ou lenta.
A segunda coisa que está espectacularmente bem feita nesta temporada de Agent Carter é o tom e o ambiente.
Contrariamente à primeira temporada, que se passava nas ruas escuras e chuvosas de Nova Iorque, a segunda temporada passa-se em Hollywood, durante a época dourada do cinema de estúdios.
Não é que Nova Iorque não fosse um cenário adequado a uma história de espiões a lutarem contra forças misteriosas com tecnologia nazi, mas no ambiente luminoso colorido, e energético da Hollywood dos anos 40 permite à série realmente respirar e esticar as pernas de uma maneira que não tinha sido possível na primeira temporada.
A fotografia da série é excelente, os cenários são óptimos e as roupas estão todas extremamente bem escolhidas. Desde os vestidos da personagem principal Peggy Carter, até às calças demasiado altas e chapéus dos mafiosos, tudo está pensado para criar imersão naquele ambiente.
A série aproveita para passar muito do seu tempo em estúdios de cinema, em clubes exclusivos, e em instalações de investigação científica, de maneira a construir ainda mais o seu ambiente de época dourada do pós-guerra.
Como se não bastasse, a série até consegue introduzir um momento musical em que todas as personagens vestem os seus melhores fatos de lantejoulas e cantam e dançam coreografias num estúdio de cinema. Contrariamente ao que se poderia pensar, este momento resulta extremamente bem, não parece forçado nem ridículo e é um dos melhores momentos da série. Mostra o quão bem todo o ambiente da série foi construído até esse momento, e reforça de maneira maravilhosa o tom da série.
De igual forma as temáticas abordadas na série estão particularmente bem inseridas nessa época muito especial da história americana. Assuntos como o movimento dos direitos civis – emancipação das mulheres e conflitos raciais – a corrupção do governo por parte de industriais poderosos e mafiosos violentos, a corrida à energia atómica, e até o medo do comunismo e o McCarthyismo não só estão muito bem integrados na narrativa, como por várias vezes servem como ferramentas para fazer avançar a história.
A história está dividida em três sub-enredos que se vão cruzando e influenciando com maior ou menor sucesso. Apesar de em vários aspectos específicos a narrativa estar muito bem construída, tem alguns falhanços importantes que baixam a sua qualidade geral.
O enredo principal é o da personagem principal, Peggy Carter, a investigar um conjunto de crimes misteriosos, que a põem em conflito com um clube secreto de industrialistas ricos e poderosos, que andam a manipular o governo por detrás das cortinas.
Peggy Carter rapidamente descobre que as mortes suspeitas estão associadas a uma substância exótica, a Zero Matter, que absorve toda a energia e matéria à sua volta, e que parece originar de uma dimensão à qual se chega rebentando bombas atómicas.
O interessante desta narrativa é que inicialmente a Zero Matter é descartada pelos principais antagonistas, o Arena Club, apenas para ser reaproveitada por uma personagem que inicialmente é secundária, Whitney Frost, e que acaba por conseguir destronar os antagonistas principais e tornar-se ela própria a principal vilã.
Esta manipulação narrativa das expectativas da audiência, ao alterar os principais antagonistas da série, bem como a resolução dos mistérios envolvidos está muito bem conseguida.
É particularmente interessante notar os vários pontos de contacto que Agent Carter consegue ter com o resto do Marvel Cinematic Universe. A Zero Matter vem de um lugar chamado Dark Dimension, que é uma referência directa ao universo do Dr. Estranho, que estreia em Novembro, e o Arena Club é uma alusão muito clara à HYDRA.
Infelizmente há todo um sub-enredo romântico acerca do triângulo amoroso entre a personagem principal, Peggy Carter, Agente Daniel Sousa (Enver Gjokaj) e o cientista Jason Wilkes (Reggie Austin). Apesar de eu gostar imenso da Peggy Carter e desejar-lhe tudo de bom, as suas relações e conflitos amorosos com as outras personagens não funcionaram para mim. A relação dela com o Agente Sousa não tinha sido assim tão bem construída na temporada anterior para ser um problema tão grande nesta, ela apaixona-se com demasiada facilidade pelo Jason Wilkes e não têm realmente química entre si. Pior que isso, a narrativa romântica, e as emoções que as personagens supostamente sentem umas pelas outras, acabam por ter pouco ou nenhum impacto nas decisões que tomam no enredo principal. Por causa disso, sempre que a série interrompe completamente toda a narrativa para dar foco a estes problemas amorosos, eu senti-me aborrecido e só queria que essas cenas se despachassem a acabar para a história poder andar para a frente.
O que é uma pena, porque esta relação amorosa destoa completamente do trabalho fantástico que a série faz a construir as suas personagens e as relações que têm entre si.
Voltamos a ver Howard Stark, que simplesmente não aparece o suficiente, porque nunca me canso de ver o Dominic Cooper a fazer a única interpretação possível do pai de Tony Stark.
Dottie Underwood, que era uma das principais antagonistas na temporada anterior, volta a aparecer durante algum tempo, mas esse tempo é suficiente para que Bridget Regan consiga construir uma personagem ainda mais badass e complexa do que a conhecíamos.
James D’Arcy desta vez faz-se acompanhar por Lotte Verbeek, e ambos interpretam o casal Jarvis, eternos side-kicks para as aventuras e tropelias de Howard Stark e Peggy Carter, e que nesta temporada até merecem o seu próprio arco narrativo, mesmo que curtinho.. James D’Arcy traz uma fantástica interpretação de Edwin Jarvis, que consegue passar pela melhor comédia física de slapstick até à mais dolorosa expressão emocional de toda a série.
Mas o melhor mesmo desta nova temporada são as suas personagens femininas protagonistas, a Peggy Carter e a Whitney Frost.
Num comentário extremamente inteligente ao sexismo dos anos 40 e actual, cada uma das duas personagens representa uma abordagem diferente ao mesmo problema. Qualquer uma das duas na sua infância é confrontada com a pressão social de se acomodarem ao papel definido que as mulheres deviam ocupar naquela época. Enquanto que Peggy Carter recusa esse papel e acaba por se tornar numa heroína, Whitney Frost, em vez disso, aceita-o e descarta a sua verdadeira paixão pela ciência, e decide ganhar a vida à custa da sua aparência e beleza como actriz de cinema.
faz uma interpretação fantástica de Whitney Frost, que começa como uma personagem oprimida, abusada e profundamente frustrada com as limitações que lhe são impostas, e que ao longo da série, à medida que vai obtendo mais poder, evolui para uma das melhores e mais assustadoras vilãs do universo Marvel até agora.
É por isso que não perdoo à Marvel o fim preguiçoso que lhe dão. Depois de tanto excelente desenvolvimento de personagem e um build-up narrativo do seu poder e ameaça, a resolução final é muito fraquinha, anti-climática e nada satisfatória.
Apesar disso não nos podemos esquecer que isto das séries de televisão é mais acerca da viagem e não acerca do destino, e nesse aspecto Agent Carter dá-nos um fantástico tour de uma Hollywood muito colorida e cheia de aventuras, mistérios e super-vilões, dignos de uma banda-desenhada clássica.