Acho que não é segredo para ninguém que tenha estado a ler as discussões e os artigos que escrevi ao longo desta temporada que adoro A Guerra dos Tronos. Adoro os livros, adoro a série, e adoro o mundo que foi criado por George R. R. Martin, com todas as suas personagens, mesmo as mais retorcidas e grotescas. Tenho visto estes dez episódios através do véu de um entusiasmo crescente, que me fez adorar cada episódio mais que o anterior, mas isso não quer dizer que seja cega às inconsistências desta temporada.
Basicamente, a temporada mudou o tom da série. É algo que acontece por vezes quando uma obra inacabada cria um fandom tão extenso e energético à sua volta – a obra, a certo ponto, começa a parecer uma ficcionalização de si mesma. Parece que a obra se esforça para agradar aos fãs em vez de ser um trabalho independente e honesto. O facto de a série ter ultrapassado os livros exacerbou esta sensação. Apesar de sabermos que os livros e a série terão um final comum, e que, logo, os maiores acontecimentos desta temporada devem ser comuns a ambos, é difícil não sentir que os livros e a série são já duas obras completamente diferentes. Mesmo o facto de esta temporada ter sido tão focada na emancipação de personagens femininas, algo tão louvado pelos críticos (tanto os verdadeiros como os de Facebook), parece-me uma reacção forçada aos protestos da temporada passada.
A Guerra dos Tronos sempre mostrou as realidades por vezes terríveis de um mundo em guerra, e não me parece que a série devesse ter que pedir desculpas por isso, ou mudar seja o que for. Ao longo desta temporada, pareceu que as coisas eram demasiado previsíveis, que as personagens principais se tinham tornado de repente imortais. Não temi nem por um segundo pelas vidas de Jon e Sansa na Batalha dos Bastardos, nem pensei que Arya fosse morrer em Braavos quando foi brutalmente esfaqueada, ou que Bran fosse sucumbir ao ataque do Exército dos Mortos. Há muita mais esperança para o futuro das personagens agora, o que nos faz sentir muito mais felizes do que nos finais de temporadas anteriores, mas até que ponto afecta isto a coerência da série como um todo? A imprevisibilidade e a capacidade de chocar sempre foram duas constantes n’A Guerra dos Tronos, que me parecem ter sido algo quebradas nesta temporada.
A temporada deu-me também a sensação de estar com muita pressa. Duas regiões que são peças fulcrais para o desenvolvimento do clima político de Westeros (nomeadamente, as Ilhas de Ferro e Dorne) mal aparecem, e, quando aparecem, são mudadas, simplificadas, e, basicamente, “despachadas”. As personagens parecem teletransportar-se de uns locais para os outros, como se já não fosse necessário atravessar continentes inteiros a cavalo ou mesmo a pé para chegar, por exemplo, de Vaes Dothrak a Meereen, de Dorne a Meereen, etc. Os momentos intermédios, aqueles nos quais não acontece algum evento decisivo ou fulcral e que seriam dedicados normalmente a aprofundar as personagens e as relações entre elas, pareceram-me forçados e algo dolorosos de se ver (como grande exemplo, as “conversas” de Tyrion com Missandei e Grey Worm, ou o reatar de relações de Jon e Sansa no quarto episódio). A música foi fenomenal ao longo de toda a temporada, como de costume, mas achei um pouco estranha a música inicial do último episódio. De alguma maneira, pareceu-me que o piano não se encaixava bem na série; não me parece que tenhamos alguma vez visto ou ouvido este instrumento ser tocado antes.
A imprevisibilidade e a capacidade de chocar sempre foram duas constantes n’A Guerra dos Tronos, que me parecem ter sido algo quebradas nesta temporada.
Tendo coberto os pontos que para mim foram mais negativos e que me fizeram ver esta temporada de um ponto de vista diferente das anteriores, passemos aos pontos positivos – ou seja, quase tudo. Porque é óbvio que esta foi uma óptima temporada – tem tido, em média, os melhores ratings de toda a série, mantendo-se acima dos 7/10 em todos os episódios (com excepção do sexto, “Blood of my Blood”). É a única série da HBO com dois episódios com um rating de 10/10 (os últimos dois da temporada, “Battle of the Bastards” e “The Winds of Winter”) no IMDB. Apenas mais um episódio conseguiu esta cotação (“Ozymandias”, de Breaking Bad). Houve nesta temporada cenas de um génio indiscutível. Apostaria que duas grandes cenas no último episódio saíram directamente da boca de George R. R. Martin: a explosão do Septo de Baelor, que concretiza as ameaças de Aerys II Targaryen, e a refeição preparada para Lord Walder Frey por Arya Stark, que reencena uma antiga lenda do Norte, a lenda do Cozinheiro Rato. Houve muitos momentos absolutamente brilhantes, se bem que devastadores: a morte de Hodor, quando descobrimos a verdadeira extensão dos poderes do Bran; o plano magistral de Daenerys para conquistar a lealdade de um exército de Dothraki; as visões do passado que nos guiam em direcção ao conhecimento da verdadeira identidade e do destino de Jon Snow…
A caracterização das personagens continua a ser brilhante, como sempre, e os cenários são perfeitos. As localizações para as filmagens ao ar livre também são perfeitamente escolhidas – locais em Espanha para Oldtown, Braavos, Meereen e Dorne, na Islândia para as terras a norte da Muralha, na Croácia para Porto Real… Basicamente, viajamos por todo o mundo com esta série. Tudo isto denota um cuidado extremo em tornar este mundo o mais vívido e realista possível.
A evolução das personagens tem continuado estável, a fazer a progressão natural que já vinha de temporadas anteriores. Como já mencionei, esta temporada focou-se maioritariamente nas personagens femininas, sendo que as evoluções de Cersei e de Arya me pareceram as mais marcantes. Cersei perdeu já todos os seus filhos, e, enquanto que a morte de Myrcella quase a destruiu, o suicídio de Tommen pareceu apenas torná-la mais fria e distante. Já não tem um objectivo em mente para além do poder e da vingança. Arya já não tem muito a ver com a criança que fugiu de Porto Real. O seu treino como assassina profissional na Casa do Preto e do Branco funcionou (apesar de não ser bem clara como nem a partir de quando), e tornou-se numa assassina capaz de mudar de aparência, mas sem ter perdido o seu nome. Uma rapariga, afinal, é Arya Stark, e vai vingar a sua família. Margaery também sofrera alterações consideráveis, mantendo-nos na incerteza sobre a veracidade da sua religiosidade e penitência – agora, suponho que nunca saberemos qual era na realidade o plano dela.
A personagem de Jon também evoluiu – talvez não em termos da sua personalidade, mas o estado da sua vida mudou completamente. Apesar de o facto de ter ressuscitado não lhe parecer trazer mais emoções que uma ligeira irritação, vemo-lo a fazer escolhas pensando primeiro na sua família e apenas depois na sua honra. Apesar de não ser um estratega brilhante, consegue vencer e apoderar-se de Winterfell e, surpreendentemente, do trono do Norte. Sansa torna-se mais forte e autoritária a cada dia. Parece ter ultrapassado, na medida do possível, a tortura sofrida às mãos de Ramsay. Endureceu e aprendeu a lutar por aquilo que quer, sem depender de ajuda. Foi, de resto, a personagem com a qual fiquei mais impressionada nesta temporada. Brienne, uma guerreira que claramente nasceu para servir, encontrou em Sansa a sua Senhora ideal, e cumprir as suas ordens parece trazer-lhe imensa paz interior. Jaime, lamentavelmente, parece ter abandonado muito do aparente progresso pessoal do passado, e ter voltado ao seu estado Lannister habitual, de fazer tudo o necessário para estar com Cersei independentemente de ser a escolha correcta ou não.
Daenerys é já uma verdadeira Targaryen. Vemos pouco conflito interior nesta personagem, não assistimos às suas magicações – ela tem sempre um plano. Tyrion, por seu lado, está constantemente cheio de conflito interior, mas faz o seu melhor por servir Dany fielmente, e acaba por ser recompensado (pela primeira vez na sua vida). Bran foi a personagem que mais me desapontou nesta temporada. Parece ter feito literalmente zero progresso pessoal e mental, e a sua infantilidade levou à morte de imensas pessoas. Basicamente, a presença do Bran apenas serviu para podermos ter acesso às suas visões do passado, e para descobrirmos o destino de Benjen Stark – que também foi muito pobremente explorado.
(Mas a personagem que evidenciou o maior crescimento pessoal foi, claro, Drogon, o dragão preto de Daenerys. Amadureceu o suficiente para se deixar controlar pela mãe e liderar os irmãos!)
Basicamente, esta temporada levou-nos muito rapidamente ao ponto no qual precisamos de estar para que os eventos fulcrais desta série, que têm estado a ser preparados e anunciados desde o primeiro episódio da primeira temporada, tenham lugar. Esquecemos tudo o que é supérfluo ou desnecessário. Estas são, afinal, e por mais que a série se afaste dos livros, as Crónicas de Gelo e Fogo – bem, temos uma rainha Targaryen a caminho de Westeros com dragões treinados, um Rei no Norte, um exército dos mortos, os Stark a caminho de estarem todos reunidos, e é, finalmente, inverno. Já estamos preparados para o acto final: a Reconquista, a Guerra do Bem contra o Mal, o Grande Inverno. Sabemos que a sétima temporada terá apenas sete episódios, e a oitava, se tudo continuar segundo o planeado, seis, o que quer dizer que estes eventos cataclísmicos estão para breve.