War & Peace é uma série de televisão britânica histórica e drama de época da BBC, transmitida entre Janeiro e Fevereiro deste ano na RTP1 em Portugal, com apenas uma semana de desfasamento da emissão no Reino Unido. A série é uma adaptação de seis partes do romance clássico Guerra e Paz do autor russo Leo Tolstoy, escrita por Andrew Davies (House of Cards) e dirigida por Tom Harper.
A história começa na Rússia, entre 1805 e 1820, e alterna essencialmente entre São Petersburgo e Moscovo. Quando Pierre Bezukhov (Paul Dano), Natasha Rostova (Lily James) e Andrei Bolkonsky (James Norton) são apresentados pela primeira vez, a sua ambição juvenil, apesar das suas circunstâncias privilegiadas, é encontrar significado para as suas vidas. Pierre é filho ilegítimo e herdeiro do homem mais rico da Rússia (o conde Kirill Vladimirovich Bezukhov, às portas da morte no primeiro episódio), na política apoia abertamente o imperador francês Napoleão Bonaparte (uma visão nada bem acolhida pela sociedade como devem imaginar, se é quem está a invadir a Rússia e a provocar a guerra), e quer mudar o mundo para melhor. Natasha, amiga de Pierre, é uma menina bonita, alegre e pensativa que está à procura de amor verdadeiro e do seu lugar na sociedade, enquanto Andrei, também amigo próximo de Pierre, procura glória e progressão no exército do czar na oposição a Napoleão.
O exército francês de Napoleão Bonaparte invadiu a Áustria e agora ameaça a própria Rússia. Com a guerra, a vida dos três jovens, das suas famílias, e da sociedade em geral, está prestes a mudar para sempre.
Confesso que não li nada de Leo Tolstoy, mas tinha uma ideia formada sobre ele a sua vida, de ler e ouvir falar sobre o assunto. Também já vi pelo menos duas adaptações cinematográficas de outra das suas obras, Anna Karenina, que adorei por diversos motivos, e que foi escrito na mesma época de Guerra e Paz, que pensei que era um “romance”, e acabei por perceber que era muito mais que isso. Mas também não se resume à descrição das relações franco-russas. São-nos apresentados, e com grande detalhe, imensas personagens, na maioria da nobreza, e também os temas que com certeza preocupavam o autor e a sociedade da época, como as sociedades secretas.
Foi muito interessante e algo surpreendente reconhecer nas falas das personagens algumas das suas ideias, como se estivessem a citar o livro donde nasceram. A certa altura era quase um jogo, no meio dos diálogos de guerra, romances e traições, “apanhar” mais uma deixa de Tolstoy.
Apesar das descrições falarem sempre das três personagens principais, acho que o Pierre claramente se destaca. É com ele que o primeiro grande drama começa, e é ele que seguimos do início ao fim, nas suas viagens físicas e psicológicas. Apesar dos 3 jovens todos terem traços e ideias de Tolstoy, acho que Pierre é o que o retrata mais profundamente: o desagrado pelo ambiente hipócrita da alta sociedade da época, o desejo de viver uma vida simples mas não conseguir devido aos luxos e riquezas da sua família, a bebida, as prostitutas, e ainda que Pierre nunca se tenha alistado no exército, a certa altura também tem vontade e curiosidade de ter essa experiência na prática e age em conformidade (sem entrar em spoilers).
Isto tudo para dizer que foi mesmo surpreendente para mim aprender mais sobre o escritor através das suas personagens, principalmente estas três principais, que são construídas psicologicamente como acho que é raro em televisão. Sabia que a série era adaptada da sua obra, mas não estava à espera da profundidade filosófica que encontrei. Pensei que era só “mais uma série histórica que ia adorar”. Foi mais um ponto a favor, pronto.
E se sobre estas três personagens já escrevi tanto, imaginem com mais umas dezenas delas, com imensos príncipes, princesas, condes e condessas à mistura. As 10 da imagem lá em cima são apenas os “principais jovens”. Ao início é mesmo um pouco confuso não confundirmos os nomes (ainda por cima tudo russo) e histórias e famílias com tanta gente por todo o lado. E acho que o livro tem mesmo centenas, não imagino o que seja acompanhar a vida de tanta gente ao mesmo tempo.
Não fosse o livro um romance, os romances também proliferam. Romances não correspondidos, romances adiados pela guerra, romances incestuosos, uns mais inocentes, outros menos, muita nudez, há para todos os gostos. Neste capítulo divertiu-me particularmente a personagem Boris Drubetskoy, interpretada por Aneurin Barnard (actor que – mesmo – só por acaso eu adoro), um soldado de aparência muito correcta, ar misterioso, e com carreira diplomática promissora, por quem muitos se calhar não davam nada, mas que afinal anda enrolado com a mulher do conde (só a mulher mais rica da Rússia), e depois, para agradar à mãe que está sempre a tentar meter cunhas para o promover ou arranjar uma mulher rica, consegue convencer uma dessas mulheres ricas solteiras, com uma série de truques, de que estava apaixonado por ela, só para se fazer à sua fortuna. Essa manipulação dos sentimentos da rapariga, ainda que nada nobre, é muito cómica. E caso para dizer, já naquela época os homens eram todos iguais!
Eu sei que falo sempre nestas coisas, mas é impossível ignorar a beleza dos cenários nesta série. Desde os interiores riquíssimos (estamos nos tempos dos czares!!), tudo dourado e ornamentado até aos olhos transbordarem, até aos exteriores, ora campos verdejantes, ora quilómetros cobertos com metros de neve onde tudo o que conhecem com rodas passa a ser trenó (carroças-trenó, cadeiras-de-rodas-trenó, tudo! Muito giro!), e depois os cenários dos campos de batalha, com lama, cadáveres, e sangue por todo o lado. Quase que dá para fazer um paralelo entre estes contrastes de todos estes locais e os contrastes das situações que as personagens vivem, ora festas cintilantes e alegres, ora doença, depressão e terror!
E na mesma linha… o guarda-roupa (tinha de ser)! Há tanto para apontar, as roupas de rico e as roupas de pobre, desde as fardas dos soldados, com todas as variantes entre regimentos e rankings – e imensos detalhes que pensamos serem desnecessários para se andarem a sujar nas batalhas -, aos vestidos, desde os mais virginais aos mais provocantes que quase parecem roupa interior. A variedade de cores utilizada complementa os cenários e ajuda a construir o mood das cenas como, aliás, acredito que seja a sua função!
Concluindo, a produção da série envolveu 2,72 milhões de euros por episódio, um valor que é extraordinariamente elevado para uma produção europeia, mas vão perceber o quanto foram bem empregues quando a virem, e esta se tornar muito mais memorável do que podiam esperar!