“Pilot”
Esta série é a MELHOR série- não, não! Calma! Série diferente!
Estou a ver Preacher!
Eu li Preacher há uns anos, na altura em que ainda tinha tempo para ler banda-desenhada e estava a tentar absorver tanto quanto conseguia, e acabei por tropeçar nesta obra de Garth Ennis e Steve Dillon. Fiquei preso. Preacher era uma mistura extremamente interessante de western, ficção científica, religião e humor incrivelmente negro que me cativou durante alguns meses enquanto eu lia obsessivamente os 75 issues da BD. As personagens eram invulgarmente específicas, o tom era negro e o ambiente era frequentemente bizarro, com discussões surpreendentemente profundas sobre amor, Deus e destino.
Eu acredito que uma obra deve sempre ser analisada independentemente do seu material original, e é o que vou tentar fazer ao discutir contigo a adaptação da AMC de Preacher, mas é apenas justo assumir que as minhas expectativas para esta série são muito muito grandes depois de ter lido a BD. O facto de a série estar a ser escrita pelo autor da banda desenhada, Garth Ennis, e realizada por Seth Rogen, conhecido pelo seu entusiasmo por bandas-desenhadas, é encorajador.
Apesar de ser uma banda-desenhada com um enredo espectacular (há momentos brilhantemente chocantes e aterrorizantes que eu tenho imensa curiosidade em ver como eles recriam, se de todo, em televisão) no seu centro estão personagens muito complexas e muito bem escritas.
Jesse Custer, interpretado por Dominic Cooper, tem tudo para ser uma personagem extremamente interessante. Neste primeiro episódio é-nos mostrado como um padre numa terreola do Texas com pouca motivação para de facto pregar ás pessoas e um passado misterioso e violento.
Gostei particularmente da cena em que Jesse está a falar com o miúdo que lhe vai dizer que o pai bate na mãe, e começa num monólogo acerca de como a violência tende a escalar, completamente dentro da sua cabeça, provavelmente revivendo alguma experiência do passado. É também particularmente forte a cena quando Jesse vai falar com a mãe desse mesmo miúdo e percebe que ela gosta de levar porrada! É uma cena muito muito ambígua, porque nem Jesse nem nós ficamos com a certeza se aquela mulher está a mentir para proteger o marido, se se convenceu a si mesma de que levar porrada é normal, ou se de facto obtém algum prazer (insinuadamente sexual) de levar porrada. A confusão e repulsa de Jesse ecoam a do espectador, e isso é sempre uma excelente maneira de criar relacionabilidade para uma personagem. O terceiro momento de construção de personagem é quando ele dá uma tareia ao pai do miúdo. Naquele momento em que pensamos que ele está só a fazer-se de fraco e vai ficar no chão para não deixar escalar a violência, ele de facto levanta-se e escala a violência a um nível impressionante. A série faz questão de nos mostrar que ele não só é extremamente competente a dar um tareão àquela gente toda, como GOSTA disso.
Portanto temos um Jesse Custer perdido na vida, alcoólico, preso numa terrinha cheia de rednecks, onde apesar de tudo ainda vai tentando fazer o seu melhor, onde toda a gente desconfia dele, e está pronto para desistir de ser Padre.
É-nos apresentada a Tulip, interpretada por Ruth Negga, que aparece literalmente do nada, numa cena em que já está a dar porrada a dois tipos que estão no carro com ela, imediatamente seguida dela a construir uma bazuca com duas crianças. Noutra cena a seguir (não) vemos a Tulip a destruir um helicóptero, enquanto as duas crianças estão na cave. Não nos é apresentada nenhuma explicação para porque é que estas coisas acontecem (não que uma seja necessária), porque o que importa é percebermos o quão competente, badass e fixe é a Tulip.
Também nos é apresentado Cassidy, o vampiro irlandês, interpretado por Joseph Gilgun. Cassidy é talvez das três personagens a que até agora aparenta ter menos profundidade emocional, com as suas cenas a serem apenas ele a fazer estragos, mas isso é compensado pela qualidade dos estragos. Todas as suas cenas são extremamente divertidas e a personagem é apresentada de forma igualmente engraçada. Espero que eles se embrenhem no seu passado tanto quanto na BD.
Tivemos também um pequeno vislumbre de Ian Coletti, como Arseface. Arseface será provavelmente uma das personagens secundárias mais importantes na série, apesar de neste primeiro episódio termos apenas uma cena com ele. Adorei a sua caracterização e a forma como em nenhum momento a sua deformação facial é mencionada directamente. Toda a cena dele com Jesse é desconfortável de várias maneiras diferentes. Tenho imensa curiosidade em saber como a sua história se vai desenrolar.
Há muitas outras personagens secundárias na BD que ainda não apareceram, e que são incrivelmente espectaculares, mas tenho esperança que ainda venham a aparecer.
Para além das personagens fiquei também impressionado com a qualidade da realização. Há cenas que quebram o formato típico deste tipo de séries (a cena de apresentação do Cassidy), cenas muito inteligentemente construídas (a destruição off-screen do helicóptero pela Tulip para nos deixar curiosos e impressionados ao mesmo tempo), e cenas de luta muito bem coreografadas e filmadas (o Jesse a dar um tareão a uma data de gente). Gostei muito do nível de violência da série, não porque goste particularmente de violência, mas porque a violência destas personagens é uma característica que as define, e terem evitado isso seria mau para a escrita.
O enredo até agora está muito muito no início, o que faz sentido para primeiro episódio da série cujo objectivo é apresentar as personagens. Tanto quanto sabemos há qualquer coisa vinda do espaço (naquele início deliciosamente anos ’80) que andou pelo mundo a experimentar vários padres de várias religiões e a fazê-los rebentar, até aterrar no Jesse Custer, que por algum motivo não rebenta. Aparentemente esta coisa deu-lhe o poder de fazer com que aquele tipo chato que se estava sempre a queixar da mãe levasse as suas instruções literalmente, e acabasse a arrancar o próprio coração. Ao mesmo tempo há duas pessoas disfarçadas de polícias que andam a perseguir essa coisa que veio do espaço! Eu sei o que é, porque li a BD, mas ainda assim fico muito muito curioso para descobrir como é que vão apresentar a coisa.
Em conclusão.
Este é um primeiro episódio lento, não acontece muita coisa, mas não era esperado que acontecesse. O objectivo é apresentar as personagens e isso foi extremamente bem feito. Gosto imenso destas personagens. São rudes, têm defeitos, não é imediatamente fácil simpatizar com elas. Gostei muito da realização, e o enredo parece ser divertido e curioso.
Sobretudo, gostei do tom da série. Nada é confortável, tudo tem uma sensação subjacente de bizarria. Há coisas vindas do espaço, padres alcoólicos, vampiros e badass chicks.
Esta série tem tudo para correr bem!