INHUMANS | Crítica Da 1ª Temporada

Inhumans deixa um mau sabor na boca. Um sabor a mediocridade e oportunidades perdidas.

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NÃOOOOOOOOO! Esqueci-me que ainda tinha de fazer a crítica. Porque é que eu tenho de sofrer desta maneira? Porque essa é a principal emoção que Inhumans me trouxe. Um longo, desconfortável, constrangedor sofrimento, 40 minutos de cada vez, durante 8 semanas. Tal é a vida de um fã que vê a sua produtora preferida produzir um produto de péssima qualidade.

Porque tens de compreender o hype e a expectativa para Inhumans. Para começar são uma das equipas de super-heróis menos conhecidas, mas mais curiosas dentro do universo Marvel. Têm um passado complexo e singular, personagens muito carismáticas, envolvem-se em enredos épicos e óperas espaciais, e que já tinham à partida uma pequena base de fãs dedicada. Primeiro Inhumans era para ser um filme, depois o filme foi atrasado, depois foi atrasado outra vez, depois foi cancelado, depois foi anunciado que seria transformado numa série. Depois descobrimos que ia ser produzida em parceria com a IMAX, e que os dois primeiros episódios iam ser exibidos no cinema, com os restantes a passarem na televisão. E isto é inédito. É história de televisão a ser feita à nossa frente, e aqui o parvo entusiasmou-se imenso e começou a criar teorias sobre como isto era um sinal da evolução do entretenimento e uma hibridização da experiência do cinema e da televisão.

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Para clarificar, os Inumanos são uma raça de híbridos Humano-Kree, inventada por Jack Kirby e Stan Lee, e aparecem pela primeira vez em Fantastic Four #45, em 1965. Os Kree encontraram a espécie humana quando ainda éramos todos homens das cavernas e fizeram experiências genéticas com o objectivo de criar uma raça de super-soldados geneticamente modificados para os ajudar na sua guerra contra os Skrull. Quando uma profecia impele os Kree a abandonarem a sua experiência, os Inumanos ficam sozinhos na Lua onde desenvolvem uma sociedade extremamente avançada tecnologicamente, que está rigidamente organizada em castas de acordo com as habilidades de cada Inumano.

A série de televisão Inhumans segue a história da Família Real, composta pelo seu Rei Raio Negro (Anson Mount), a Rainha Medusa (Serinda Swan), o irmão intriguista do Rei Maximus (Iwan Rheon), a irmã da Rainha Crystal (Isabelle Cornish), o conselheiro Karnak (Ken Leung) e o chefe de segurança Gorgon (Eme Ikwuakor), à medida que esta sofre um golpe de estado, e tem de se refugiar na Terra para recuperar o seu reino.

Com Reis, Rainhas, sociedades secretas, divisão de classes, irmãos conspiradores, toda a gente estava à espera de um enredo Shakespereano, cheio de traições e intrigas ao género de Guerra dos Tronos. Com a co-produção da IMAX estávamos à espera de cenários fantásticos e valores de produção excelentes. Com a introdução de toda uma nova franquia da Marvel, com capacidade para se sustentar durante anos, levar o universo Marvel para novos lugares, e ter inúmeras interacções com todas as outras equipas já existentes. Estávamos à espera de uma primeira temporada sólida, que sustentasse tudo o que viesse a seguir. O que tivemos foi muito diferente.

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Honestamente nem sei por onde começar; a escrita de Inhumans comete todos os erros do manual. De uma forma global, a estrutura narrativa está completamente desorganizada e falha completamente em dar uma sensação de progressão coerente. Há imensos sub-enredos supérfluos, desinteressantes, que contribuem pouco ou nada para o avançar do enredo principal, que nem sequer caracterizam as personagens de maneira inteligente, e que não têm nenhum impacto na resolução final. Há imensas (mesmo muitas) complicações e peripécias que surgem de maneira completamente aleatória, que servem só para atrasar a história, fazer tangentes à narrativa, e no geral encher chouriços. Há todo um sub-enredo sobre traficantes de droga que acaba por não resultar em nada, por exemplo, e vários ameaços à exploração do sistema de castas dos Inumanos que nunca acaba por ser realmente abordado.

A maior parte das cenas não serve propósitos claros, estão cheias de pormenores desnecessários, e estão escritas sem ritmo nenhum. A resolução final da temporada não é particularmente satisfatória, há premissas para essa resolução que são estabelecidas no próprio episódio final, e os ganchos para uma segunda temporada são metidos à força no. Para piorar ainda mais as coisas, os diálogos são frequentemente fraquinhos, e há imensos discursos e monólogos que se arrastam demasiado tempo e raramente dizem alguma coisa de interessante. Há de facto um ou outro momento (posso contá-los com os dedos de uma mão) que não são horríveis e até carregam algum peso dramático, mas são tão poucos e dispersos que parecem mais acidentais do que outra coisa. O resultado disto tudo é que a série é extremamente aborrecida. O ritmo é lento e desorganizado, as cenas nunca criam um crescimento de tensão, os enredos não se resolvem satisfatoriamente, tornando de facto difícil ver a temporada do princípio ao fim.

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As personagens não são melhores. À excepção do Maximus, todas as outras personagens principais são completamente unidimensionais. O Raio Negro para além de querer voltar para o seu reino e reencontrar-se com a sua mulher não tem rigorosamente mais nenhuma emoção ou sequer motivação, e não tem nenhum tipo de crescimento ou aprendizagem. A Interpretação de Anson Mount é inadvertidamente hilariante, e as suas sobrancelhas deviam ganhar um prémio de overacting. A Medusa, interpretada pela Serinda Swan, também nunca abandona o registo de “tenho de proteger toda a gente”, e os seus cabelos enquanto duram não têm nada de especial. Mais do que serem unidimensionais, as caracterizações e arcos de personagem estão reduzidos aos seus aspectos mais caricaturais.

O Karnak (Ken Leung) é sempre muito muito esperto até que deixa de ser e depois tem de aprender uma lição valiosa sobre não ter a certeza acerca de tudo. O Gorgon (Eme Ikwuakor) é muito forte e estúpido até ter de aprender uma lição valiosa sobre parar para pensar. A Crystal (Isabelle Cornish) é muito adolescente e estúpida até ter de aprender uma lição valiosa sobre como ser uma adolescente estúpida não tem consequências nenhumas.

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O Maximus, que é supostamente a personagem principal, talvez (?), é o único que demonstra algum tipo de arco minimamente interessante e algum tipo de crescimento. No entanto a caracterização da personagem e as suas motivações mudam imenso de episódio para episódio. A escrita nunca se decide se ele é suposto ser um salvador honestamente enganado, um narcíssico auto-destrutivo, ou um egoísta manipulador, e portanto as suas acções e decisões são sempre incoerentes ao ponto de retirar qualquer tipo de investimento que pudéssemos ter na personagem. Iwan Rheon, que interpreta uma das personagens mais carismáticas de A Guerra dos Tronos, aqui parece incrivelmente aborrecido em todas as cenas que aparece, e claramente estava-se a cagar para toda a produção. Não só ele, aliás, todos os actores estão a esforçar-se o mínimo possível. Há uma data de personagens secundárias que são completamente esquecíveis e quase completamente irrelevantes para o enredo.

Pensar-se-ia que uma série co-produzida pela IMAX e filmada no Hawaii exactamente para tirar partido das câmaras seria bonita de se ver, mas não, nem isso. A maior parte da temporada passa-se em salas quase vazias, cinzentas, e apartamentos absolutamente genéricos. E quem raio é que achou que a melhor decisão para a arquitectura de Attilan, a cidade Inumana na Lua, era o estilo Brutalista, famoso exactamente por ser extremamente feio? Mas não acaba aí, há imensas cenas onde se nota que os cenários foram feitos com o menor orçamento possível. Armazéns vazios com três mesas e um ecrã servem de centro de controlo espacial; lonas brancas e duas marquesas servem de sala de autópsias, por exemplo.

Mas o amadorismo e o rápido e barato não acabam aí. Há imensos exemplos de erros técnicos de filmagem, com ângulos mal planeados, focos mal feitos, iluminações mal conseguidas, erros de montagem de som, efeitos especiais muito baratos, mau CGI, más escolhas musicais.

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Inhumans é um fracasso a todos os níveis, e quaisquer pequenos aspectos positivos que pudessem ser apontados nunca seriam suficientes para resgatar este contentor de lixo a arder. É impressionante como a máquina de produção da Marvel, que até agora tem conseguido, quase sem excepções, produzir filmes e séries que variam entre o bom e o muito bom, deita cá para fora um produto tão mau e inacabado. Como disse numa das discussões, o Scott Buck, o showrunner da série, é a personificação de toda esta incompetência, e se quiseres queimar alguém em efígie é ele que podes escolher.

No entanto um fracasso destes não acontece sozinho, e há pistas para porque é que as coisas acabaram desta maneira. A série foi anunciada menos de um ano antes de estrear, porque tinha de sair e acabar antes da 5ª temporada de Agents of S.H.I.E.L.D. com a qual está ligada, começou a ser filmada menos de 4 meses depois de ser anunciada, e as filmagens duraram apenas 3 meses. Portanto uma série que devia ter tido todo o cuidado na sua produção, para permitir uma introdução sólida a personagens que deviam durar anos, foi produzida à pressa, com um baixo orçamento, por um incompetente. Como também já disse antes, não só quero que o Scott Buck seja despedido, quero que a pessoa que o contratou seja despedida.

Inhumans deixa um mau sabor na boca. Um sabor a mediocridade e oportunidades perdidas.

Há algum aspecto redentor em Inhumans?