Não há uma maneira fácil de descrever Superstition, a obra nascida do génio criativo de Mario Van Peebles e Joel Anderson Thompson, porque não existe nada com que possamos fazer uma comparação fiel. Digam o que disserem desta série, não há nada por aí como ela. A questão é – até que ponto é que isso é bom?
A história foca-se na família Hastings, que gere uma casa funerária na cidade americana de La Rochelle. Esta família ancestral luta desde sempre contra as forças demoníacas que parecem ter escolhido La Rochelle como o seu lar predilecto. Esta é uma família moderna que desafia os rótulos convencionais: para além de Isaac, o patriarca da família, e a sua poderosa esposa Bea, temos Calvin, a sua ex-namorada May e a filha de ambos, e Tilly, empregada pela família, mas que passou ao longo do tempo a ser parte integrante da mesma.
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A série abre quando Calvin regressa a casa do seu tempo no exército, ao qual se juntou após a morte trágica do irmão. Ao longo dos doze episódios da 1ª temporada, cada um com aproximadamente 45 minutos, vimos a descobrir os segredos dos Hastings, tanto sobre os eventos traumáticos do passado das personagens, a origem misteriosa dos seus poderes, e os métodos que têm para lutar contra os Infernais. É um conceito interessante, algo que apesar de nos relembrar de Buffy, Caçadora de Vampiros é inovador pela sua vertente familiar e em certos momentos histórica. Mas não parece assim tão fora do normal. Então, o que diferencia Superstition?
Superstition foi um triunfo em vários sentidos. Para começar, tem um elenco maioritariamente de raça negra – toda a família Hastings com excepção de Tilly, e também outras personagens mais ou menos recorrentes, incluindo um dos meus Infernais favoritos, um rapper brilhante pelo nome de Skinny Jenkins. Muitas vezes vemos nos filmes e séries do nosso tempo personagens de raças que não a caucasiana, mas raramente isso é demonstrado com a naturalidade da vida real. A maior parte das vezes, a personagem “diversa” é um toque de cor, uma maneira de fazer com que todos se sintam incluídos, incluídos mas não centrais. Quantas séries conheces em que nenhuma das personagens principais seja branca? E quantas conheces em que todas as personagens principais o são? Apresento-te Superstition.
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Mas não foi este o único triunfo. Conheces o teste de Bechdel? Este é um teste aplicável a obras de ficção, que as mesmas apenas passam se houver neles duas personagens femininas que tenham uma conversa que não seja sobre um homem. E na realidade há muitos filmes que não o passam, muitas séries também. Superstition passa com nota máxima. Existem aqui personagens femininas REAIS – não são ornamentos, coisas bonitas para se ver, não são aquela coisa que impulsiona a personagem masculina. Algo que se repara logo no início é a abismal falta de corpos femininos expostos; quantas vezes viste uma série e ficaste a pensar… A sério? Ela vai lutar contra o crime com o peito todo de fora? Era mesmo necessário que ela descesse a escada de minissaia filmada de baixo para percebermos o sentido da cena?
Mas aqui não – aqui as mulheres são, se é que tal coisa é imaginável, PESSOAS. Temos até uma chefe da polícia que veste a farda da polícia (inteira) e outras roupas sensatas que tais. O poder feminino, não só o poder paranormal mas o poder de decisão e de auto-expressão calma, forte e afirmativa, são explorados ao longo de toda a história. E se queres falar sobre o teste de Bechdel mais um bocadinho: Superstition tem uma cena fantástica em que quatro mulheres falam aberta e sinceramente sobre o aborto, da maneira em que as mulheres realmente falam quando estão sozinhas. E não é tudo rosas, não é tudo politicamente correcto – nunca é.
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Entre todas estas maravilhas, deves estar a olhar para a pontuação da crítica e a perguntar-te quando começam a vir as más notícias. É agora. Se bem que no final, e pelas razões supracitadas, me tenha sentido feliz por ter aguentado até ao fim, houve muitos momentos em que se não fosse pelas discussões para o Cubo Geek teria desistido de ver esta série. As minhas queixas são claras e berrantes. Para começar, existem demasiados pormenores supérfluos que são explorados na história, demasiados elementos apresentados que depois são abandonados e que não acrescentaram absolutamente nada de importante.
Houve também personagens que desapareciam e voltavam a aparecer, e até uma personagem extremamente complexa e elaborada (e ridícula) que não teve o mínimo propósito para além de nos ter deixado confusos. A palavra central para todas as minhas queixas é: ridículo. Se bem que compreendo que esta não é uma série 100% dramática e que procura sempre integrar algum humor, houve pormenores desnecessários que me fizeram sentir que os produtores estavam propositadamente a desperdiçar o meu tempo com algo que não era nem necessário à história nem minimamente apelativo.
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Para além deste grave problema, houve outro: os efeitos especiais. Aliás, chamemos-lhes apenas efeitos… São tão maus, tão baratos, tão claramente levados na brincadeira, que chegamos no fim à conclusão de que tudo isto é de propósito, e estou agora convencida disso. É uma escolha estilística feita pelos realizadores: manter tudo extremamente oldschool, como algo que poderia ter sido feito nos anos 80. Por uma criança. Tudo isto, imagino eu, para servir uma estética especial idealizada e para afastar a história do wow dos aspectos envolventes e focá-la novamente no conteúdo: nas personagens, na narrativa, nas emoções. É como aquilo que se fez durante algum tempo com Doctor Who.
Mas, sabes qual é a diferença? Em Doctor Who funciona especialmente porque é uma série com muita história, que data dos tempos em que os efeitos especiais tinham que ser mesmo assim, e que procura manter-se autêntica às suas origens. Superstition não tem o direito a tal legado, e acaba por quebrar excessivamente, na minha opinião, estes limites. A falta de credibilidade de elementos místicos e paranormais, para além dos cenários falsos e de baixo orçamento, acabam por muito ao contrário daquilo que possa ter sido pretendido, nos distrair das boas partes da escrita da série e nos afastar completamente da história. Houve muitos, mas mesmo muitos momentos em que não consegui levar Superstition a sério.
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Os actores principais foram no geral bastante bons, e as personagens também. Como tenho sempre dito, Tilly, interpretada por Tatiana Zappardino, foi para mim uma personagem muito honesta, real e representativa de muitas mulheres neste mundo. Bea já não foi pessoalmente das minhas pessoas favoritas, mas a interpretação de Robinne Lee é excelente e muito convincente. O casting da jovem Morgana Van Peebles no papel de Garvey, apesar de cheirar um pouco a nepotismo, acabou por ser também uma óptima escolha. O Mario Van Peebles também está muito bem no seu complexo papel. Já alguém de que não gostei tanto foi o Calvin do Brad James, uma personagem talvez demasiado pétrea e com um código moral demasiado aborrecido e rijo para deixar que qualquer interpretação pudesse brilhar através dela.
No fundo, o que achei desta série? Achei que teve alguns elementos fantásticos, muitos elementos medíocres, e alguns mesmo muito maus. Para mim, os bons acabaram por pesar mais que os maus, e sou da opinião de que vale a pena ver esta série pela sua originalidade e pela sua voz extremamente moderna e relevante para os nossos tempos, em que a representação que aceitamos ver do nosso mundo na ficção que consumimos se está a tornar cada vez mais exigentemente honesta. Isto dito, não a vejas com demasiadas expectativas em termos visuais.