Vou contar-te uma história. É uma história sobre heróis, rivais, monstros, aventuras, lutas épicas, amizade, superação, rivalidade e perda. É uma história que inventei agora mesmo, nada igual a qualquer outra história que já te tenham contado, no entanto interrompe-me se já a ouviste antes.
O Herói, bem parecido, super forte, quase um Deus, está aborrecido. Tem uma data de atitudes reprováveis, como andar a meter-se com as mulheres de outras pessoas, mas como é muito poderoso, ninguém o pode parar.
Até que aparece um Rival, igualmente poderoso, mas muito menos inteligente, que é convencido a ir dar uma lição ao Herói. Depois de uma luta épica entre os dois, onde não há nenhum vencedor claro, porque são os dois demasiado bons, põem as suas diferenças de lado, o Herói aprende uma lição, e tornam-se melhores amigos.
O par de melhores amigos vão em aventuras juntos. Numa aventura, o Herói é seduzido por uma Femme Fatale conhecida por matar os seus amantes. Quando o Herói a recusa, a Femme Fatale fica enraivecida e liberta um Monstro Terrível que vai destruir a cidade, e os dois Amigos têm de o derrotar.
No entanto, na batalha derradeira contra o Monstro, o Amigo do Herói morre! O Herói fica destroçado, e jura encontrar o segredo para a vida eterna. Então embarca numa última demanda para encontrar um artefacto que lhe dê a Imortalidade.
Faz-te lembrar alguma coisa?
O Herói que se comporta como um palhaço e anda sempre a seduzir as mulheres todas bem que podia ser o Tony Stark de Homem de Ferro. Ou então os rivais que se tornam amigos podiam ser o Woody e o Buzz de Toy Story: Os Rivais. A Dra. Elsa Schneider que seduz o Indiana Jones e o seu pai n’A Última Cruzada, e depois entrega-os aos nazis, encaixa perfeitamente na mulher vingativa que trai os seus amantes. O Capitão Jack Sparrow de Piratas das Caraíbas anda sempre à procura de algo que lhe dê imortalidade, seja Ouro Azteca ou a Fonte da Juventude.
Na realidade a história que eu contei é um resumo (muito) rápido da Epopeia de Gilgamesh, um poema épico escrito na Mesopotâmia no ano 2100 a.C..
Isto para mostrar que não há na realidade histórias novas. Todas as histórias são a mesma história, as estruturas narrativas e ferramentas de escrita são quase sempre as mesmas e repetem-se vezes sem fim de história para história, seja na literatura, no teatro, na banda-desenhada, nas óperas ou no cinema.
A Viagem do Herói, ou o Monomito, definido por Joseph Campbell em 1949, é uma estrutura narrativa que detalha as fases da aventura típica pela qual qualquer herói passa, desde o momento em que é chamado para a aventura, encontra um mentor, passa por tribulações, encontra o amor, é ajudado pelos seus amigos, é traído, defronta-se contra o seu maior obstáculo, e regressa ao seu mundo original. Esta estrutura narrativa está presente de uma forma ou de outra em quase todas as mitologias de povos primitivos, na história de Jesus Cristo, na aventura de Luke Skywalker em Star Wars, na de Neo em Matrix, Frodo Baggins em O Senhor dos Anéis, Harry Potter, etc, etc, etc.
O que isto nos prova é que a originalidade é sobrevalorizada. É verdade que gostamos de ver coisas novas e diferentes, mas desde que não sejam demasiado diferentes. De uma forma ou de outra acabamos sempre por reverter para as mesmas estruturas narrativas, para os mesmos arquétipos de personagem.
Tentativas de fugir a estes padrões existem, mas invariavelmente, quanto mais fogem menos populares são. Sim, é verdade que existe mérito artístico em fazer as coisas fora da caixa, mas não é difícil perceber porque é que o filme Empire de 1966 de Andy Warhol que consiste de um plano fixo de 8 horas do Empire State Building nunca se tornou um clássico.
Portanto, se gostamos todos das mesmas coisas, e as mesmas ferramentas narrativas que funcionam são usadas consistentemente, é inevitável que passado algum tempo as coisas comecem a parecer-se muito umas às outras. Isto não é uma coisa má, é simplesmente inevitável. Mais do que inevitável, se for bem utilizado, pode de facto contribuir imenso para uma obra. Se há imagens ou cenas ou elementos que funcionam muito bem numa obra, é provável que sendo reutilizadas noutra obra continuem a funcionar muito bem.
A reutilização também permite que esses elementos ou cenas sejam alteradas de maneira a subverter, inverter, exagerar, desafiar, invocar, ou explorar o efeito original. Para além disso, há uma satisfaçãozinha especial em estar a ver um filme ou a ler um livro e reconhecer uma cena ou passagem como sendo uma referência a outra coisa que já existe antes. Sentimo-nos espertalhões e cinéfilos conhecedores e experientes.
É famosa a recriação da cena do carrinho de bebé a cair pelas escadas a baixo do filme O Couraçado Potemkin de 1925 pelo filme Os Intocáveis de 1987.
Outra muito engraçada é a cena do filme de animação Rango de 2011, que faz uma referência clara ao filme Delírio em Las Vegas de 1998.
Como também já falámos, a série Stranger Things é uma enorme colecção de referências a filmes de ficção científica e terror dos anos ’70 e ’80. Mas sabias que a cena de Shining, de 1980, em que a personagem do Jack Nicholson parte uma porta à machadada, que é referenciada em Stranger Things, já é por sua vez uma referência ao filme O Carro Fantasma de 1921?
Estas referências, pela sua utilização criativa e, sobretudo, obscuridade, são consideradas homenagens. São aplaudidas como exemplos de um realizador ou escritor que é culto e experiente. Há realizadores que fazem vida disso, e são largamente reconhecidos como criadores que usam a homenagem como ferramenta narrativa para construir grandes filmes. Quentin Tarantino fez uma carreira a partir disso.
Podes ir à Internet e passar horas a ver listas e listas infindáveis de filmes ou livros ou BDs com referências a outras obras. Mas o que é que acontece se se começar a abusar das referências e das homenagens? O que é que acontece quando a homenagem é tão grande, que se começa a parecer demasiado com a obra original?
Existe toda uma indústria de cinema que vive à custa das “homenagens” que fazem. São habitualmente cópias baratas de baixo orçamento de filmes populares, que são lançadas em tempo recorde para capitalizarem num público distraído que se deixe confundir por títulos e posters semelhantes.
Existem tantos filmes assim, que chegam mesmo a constituir um género cinematográfico, habitualmente denominado de mockbusters. Existem vários estúdios que fazem negócio exclusivamente a produzir filmes deste género, nomeadamente o famoso estúdio The Asylum, responsável por títulos como Atlantic Rim, Abraham Lincoln VS Zombies, Snakes on a Train, Paranormal Entity e Alien VS Hunter.
E desengana-te se pensas que isto é um fenómeno recente, porque desde que existe cinema que existem cópias baratas. Basta ver o clássico The Monster of Piedras Blancas, inspirado em O Monstro da Lagoa Negra.
Obviamente que estou a falar de extremos. Existe uma diferença entre homenagear uma cena e copiar um filme inteiro. Gostamos de uma e criticamos a outra por ser um plágio. Mas onde é que definimos essa diferença? Porque claramente gostamos de referências, mas se forem demais já começamos a torcer o nariz. Uma sequência de alguns segundos, mesmo que seja uma cópia directa gostamos, mas se for mais comprida já achamos que é uma cópia barata.
Todas as histórias são a mesma história
Do que é que gostamos ou não gostamos então? Gostamos que as coisas sejam parecidas, mas não demais? Se a cópia for demasiado boa já não gostamos? Isso significa que gostamos de cópias más?
Quando Sergio Leone copia flagrantemente o enredo do filme Yojimbo, o Invencível de 1961, de Akira Kurosawa, mas transforma os samurais em cowboys em Por Um Punhado de Dólares de 1964, achamos que ele é um génio. Por outro lado quando James Cameron copia flagrantemente o enredo do filme Pocahontas de 1995, mas em vez de índios usa alienígenas em Avatar de 2009, achamos que ele é um escritor barato e pouco original.
Não há uma resposta definitiva, obviamente. Não há uma fina linha vermelha que possamos traçar para distinguir uma cópia de uma homenagem. Não há um conjunto de critérios para definirmos quando é que uma coisa já é diferente o suficiente daquela que está a referenciar para ser boa. Tudo isto é complicado pelo facto de que não há nada de realmente original, e todas as obras podem ser consideradas derivações umas das outras.
A minha sugestão é a seguinte: se gostaste da referência, diz que é uma homenagem, se não gostaste diz que é uma cópia!