Quando se dá oportunidade à mente criativa e completamente caótica e insana de Nuno Markl (reconhecido como um dos maiores geeks nacionais, homem da rádio e compilador desse almanaque do disparate chamado O Homem que Mordeu o Cão) para escrever o argumento de um filme, é expectável que nasça uma história completamente inesperada, como é o caso de Refrigerantes e Canções de Amor.
Na antestreia do filme, Nuno Markl explicou-nos que a ideia base de Refrigerantes e Canções de Amor surgiu-lhe em 2007, após o término do seu primeiro casamento, quando se dirigiu ao supermercado pela primeira vez na condição de divorciado e começou a deprimir. Obviamente, de um evento tão sensaborão, a mente de Nuno Markl criou uma história alucinada.
Assim nasceu a história de amor entre um homem (interpretado por Ivo Canelas) de nome Lucas, cuja carreira musical está a ir pelo esgoto, e uma dinossaura cor-de-rosa. Calma, não se trata mesmo de um bicho, mas de uma rapariga (interpretada por Victoria Guerra) escondida dentro de um fato de dinossaura, para não ser reconhecida por ter inadvertidamente aparecido num filme pornográfico caseiro, com o sugestivo nome de Portuguesa Boa na Cama. Pelo meio, temos o Pedro (papel atribuído a João Tempera), ex-parceiro profissional de Lucas, e a Carla (desempenhada por Lúcia Moniz), esposa de Lucas que o está a trair com Pedro.
Se tudo isto não fosse já estranho o suficiente, temos o já referido Pedro, cuja carreira musical vai de vento em popa, mas que vive absolutamente obcecado em atingir um estatuto de estrelado mítico. Tal obsessão leva-o a que esteja disposto a fingir a própria morte ou a levar um tiro que o ferisse bastante, mas não o deixasse em coma. Temos ainda Jorge Palma (sim, o único e original) a desempenhar o difícil papel de fazer de si mesmo a fazer compras num supermercado e de si mesmo enquanto alucinação do Lucas, Sérgio Godinho a representar um assassino a soldo com o sugestivo nome de Navalhas (de facto a sua arma de eleição é a pistola, Navalhas é o nome de família), a arte da carrinhologia, ou seja, a prática de engatar senhoras no supermercado procurando compatibilidades nos produtos comprados e, como cereja no topo do bolo, temos Gregório Duvivier a levar umas cacetadas do Ivo Canelas.
A realização do filme foi entregue a Luís Galvão Teles que começou a sua carreira nos anos ’70 com filmes de grande intervenção social como A Cooperativa Agrícola da Torre Bela, mas ultimamente tem-se dedicado à realização de comédias (Dot.com e Tudo Isto é Fado).
Só a mente de Nuno Markl poderia trazer-nos uma história de amor entre um homem e uma dinossaura cor-de-rosa.
Refrigerantes e Canções de Amor é um filme entretido e que permite algumas gargalhadas, mas ficamos sempre com aquela sensação de comédia romântica lamechas embrulhada num conjunto de músicas que ficam no ouvido (algumas da autoria dos próprios Jorge Palma e Sérgio Godinho). O modelo é o da comédia romântica clássica: rapaz conhece rapariga, desenvolve-se uma relação amorosa, algo sucede que os divide, termina com um acto de amor capaz de ultrapassar todas as dificuldades que os separava anteriormente e vivem felizes para sempre. A diferença não está na forma, mas no conteúdo, pois deve ser a primeira vez que um homem apaixona-se por uma dinossaura cor-de-rosa (não meto as minhas mãos no fogo de que não existe já um filme obscuro sobre o mesmo tema, afinal existem aqueles tipos que gostam de vestir-se de bonecos e andar no regabofe).
A narrativa de Lucas e a Dinossaura cor-de-rosa tem momentos divertidos, sobretudo os mais simples, mas também tem piadas francamente más. A tentativa de equilibrar o filme com as cenas de Pedro e a sua busca louca por tornar-se ainda mais famoso consegue juntar algumas piadas extra. No entanto, cria uma sensação de estarmos a assistir a duas histórias só muito levemente relacionadas com a passagem de uma narrativa para a outra a quebrar o ritmo do filme. O próprio genérico final é algo estranho com uma dança interpretativa das personagens que é capaz de suscitar no espectador as sensações surgidas ao longo de todo o filme: divertimento acompanhado por uma sensação de estranheza.
Ter monstros da música portuguesa como Jorge Palma e Sérgio Godinho a entrar numa comédia é sempre um bom golpe publicitário e ambos estão bastante bem, embora eu para músicos imaginários prefira o António Feio a fazer de Jim Morrison no Filme da Treta. Enquanto que, as breves aparições do David Carreira e do Manuel Moura dos Santos servem somente para agradar ao público e vender mais alguns bilhetes, mas sem nenhuma acrescento qualitativo ao filme.
Em conclusão, Refrigerantes e Canções de Amor é um filme com mais bons momentos do que maus e serve para passar uma hora e tal divertida, mas sem qualquer obrigação de ser visto no cinema. Cumpre as expectativas criadas, infelizmente sempre bastante baixas no público quando se trata de cinema português. Basicamente diverte, mas não encanta e não empolga.