Ok, pronto, agora que já toda a gente viu o Batman v Super-Homem: O Despertar da Justiça, vamos falar do filme sem andarmos com medo de pisar em spoilers. Porque este filme é muito polarizante! Basta verem na crítica que eu escrevi a semana passada, na qual eu dou uma pontuação de 4/10 e a média das pontuações dos fãs está em 9/10. Isto é uma diferença demasiado grande para não ser significativa. Portanto o meu objectivo com estas discussões é verbalizar as minhas reacções emocionais ao filme enquanto o via e nos dias seguintes enquanto pensava nele.
Depois de ter discutido o Batman, vamos falar do Super-Homem.
Eu gosto do Henry Cavill como Super-Homem. Ele tem a cara e o físico para o papel, e mesmo que não seja o melhor actor de sempre, é mais do que competente para interpretar o Escuteiro Azul. Dito isso, não achei nada de especial a interpretação dele neste filme. Provavelmente porque não lhe dão diálogo ou material suficiente com que ele trabalhar. Infelizmente, o que lhe dão, também não é grande coisa.
Há várias imagens muito engraçadas e bem construídas do Super-Homem a fazer uma lista de compras de coisas heróicas, como a salvar uma família numa enxurrada ou um foguetão cheio de astronautas que explode, mas infelizmente estas imagens aparecem sem continuidade ou fluxo narrativo entre elas. São mesmo só cenas soltas que aparecem sem grande contexto. Há inclusive uma imagem particularmente poderosa de um grupo de pessoas a adorarem o Super-Homem como se ele fosse um Deus. Porque o Super-Homem é um Deus, é essa a piada da personagem. E quando temos um Deus indestrutível e ultra-poderoso os únicos conflitos que lhe restam são os conflitos emocionais, morais e ideológicos.
E os escritores tentam. Isso é notório. Eles esforçaram-se por dar conflitos morais ao Super-Homem, e tentaram mostrá-lo a lutar internamente com a decisão de intervir ou não, mas a maior parte desses momentos resume-se ao Henry Cavill a apertar a boca como se estivesse obstipado, conversas unilaterais que ele tem com a mãe e a uma cena completamente despropositada em que ele vai para o topo de uma montanha falar com o fantasma do pai. Mais uma vez, nenhuma destas cenas está particularmente bem inserida na narrativa ou decorre fluidamente das cenas circundantes.
Apesar de ser um Deus, há uma grande parte da população que está contra ele, e justificadamente depois da destruição que ele causou em Metropolis. Adoro que este filme pegue nas consequências dessa destruição, e adoro que demonstre que a ideia de um ser indestrutível e todo poderoso deixa toda a gente insegura. Acho brilhante que o Super-Homem seja pressionado a aparecer perante um tribunal para dar o seu depoimento e ser obrigado a confrontar-se legalmente com as consequências das suas acções. É posto em questão se ele é mais prejudicial do que benéfico e paradoxalmente se é ético impedir que ele ajude. É posto em questão se o Super-Homem devia estar sob a supervisão de alguma entidade humana. Gostei muito da personagem da Holly Hunter, como representante de uma população humana que se atreve a pedir contas a um Deus. Ela chega a perguntar “Should there be a Superman?” e esta é uma excelente pergunta! É uma pergunta fantástica cuja resposta daria um filme muito inteligente e profundo.
Mas, como em muitas outras coisas neste filme, esta oportunidade para contar esta história fascinante é completamente desaproveitada. O Super-Homem não chega a dizer nada, NADA, durante o julgamento! Rebenta uma bomba, e pronto, está despachada essa narrativa.
BvS poderia ter sido um filme fascinante acerca da desconstrução dos tropes dos super-heróis, com toda a ideia do Super-Homem a ser questionada e os cinzentos morais da sua existência a serem explorados narrativamente e tematicamente. “The Trial of Superman” até podia incluir o Batman, para complicar ainda mais a discussão acerca do que é um super-herói e quais deveriam ser os seus limites.
Depois há todo o problema de porque é que o Batman discorda do Super-Homem. Sim, sim, eu sei que há aquela sequência muito boa no início do Batman a ver a destruição provocada pelo Super-Homem, e que o Batman não gosta da ideia de um ser todo-poderoso que basicamente tem a Terra refém, mas saltar directamente daí para a decisão de matar o Super-Homem? Parece-me um bocadinho exagerado, ou, no mínimo, não está bem fundamentado ou desenvolvido a um ponto em que eu acredite nisso. E eu sei que possivelmente tem a ver com o facto de este ser um Batman traumatizado e que perdeu o rumo, mas mais uma vez isso não está presente o suficiente para eu o engolir como motivação.
E é um problema ainda maior o porquê do Super-Homem discordar do Batman. Porque neste caso a única coisa que nos dão é uma explicação tangencial sobre o Batman ser um vigilante que se acha acima da lei. E não vou dizer que “Ah, o Super-Homem é hipócrita porque faz exactamente a mesma coisa” porque o problema não é esse. O problema é que como não dão mais explicação nenhuma para o conflito, essa é a única ideia que resta na cabeça do espectador. Depois o Lex Luthor rapta a mãe do Super-Homem para o manipular a lutar contra o Batman, e essa é só a ferramenta narrativa mais velha do livro, e porque é que o Super-Homem não começa logo por explicar o problema ao Batman?
Maior problema ainda é que, por causa destes dois problemas de nem o Batman nem o Super-Homem terem grandes motivações para andar à porrada, eu não me importo realmente qual dos dois ganha! Não sinto grande empatia com nenhum dos dois, não tenho nenhum investimento emocional com o que cada um representa, portanto tenho pouco mais do que uma curiosidade superficial em saber qual dos dois é que ganha. Não estou preocupado com nenhum.
E mais alguém sentiu que a luta deles, que é o que dá o nome ao filme inteiro, é demasiado curta? É impressionante e muito divertida de se ver, mas passa demasiado depressa. Despacham-na num instante. É uma pena.
E por amor de Deus. De um momento para o outro eles ficam amigos porque descobrem que as suas mães têm as duas o nome Martha? Eles até fazem um flashback à cena em que vemos a campa da Martha, para ter a certeza que o público estúpido percebe do que é que eles estão a falar. E não me interessa se isso acontece para mostrar que nesse momento o Batman se revê no assassino dos seus pais, ou para humanizar o Super-Homem aos olhos do Batman, a execução está muito fraquinha e é só lamechas. Acho que foi nesse momento que eu desisti do filme.
BvS poderia ter sido um excelente filme de desenvolvimento de personagens, com uma caracterização interessante do Batman e do Super-Homem, mostrando-os aos dois como vigilantes nocturnos que empatizam um com o outro, mas que por motivos ideológicos ou crenças morais vão ficando cada vez mais afastados um do outro. Podiam mostrar como as falhas pessoais de cada um impede o diálogo e de como nenhum deles quer realmente confrontar o outro, mas que as circunstâncias os vão obrigando a defrontarem-se. No fim, depois de uma luta satisfatoriamente longa em que víamos a esperteza do Batman mas o poder absoluto do Super-Homem fazia com que vencesse, percebíamos que a luta tinha sido orquestrada pelo Batman desde o início para dar um Herói a ambas as cidades e para o Batman poder continuar a lutar nas sombras, ou coisa do género.