Em parceria com o Shortcutz Faro, o Cubo Geek faz críticas às curtas-metragens apresentadas a concurso. Esta é uma crítica à curta-metragem Sintoma de Ausência, com realização de Carlos Melim e argumento de Vitor Pereira e Nelson Ferreira.
Estares só e sentires-te só são coisas bem diferentes. A solidão é um sentimento que identificamos com sofrimento e que te pode assolar numa sala repleta de gente. A palavra “ausência” tem a mesma conotação negativa. Estejas sozinho ou acompanhado, a ausência remete para algo que te falta, algo que te foi tirado ou que perdeste. Mais uma vez, o sofrimento, esse elo de ligação entre toda a humanidade não está ausente da ausência.
Sintoma de Ausência podia ser um filme sobre dependência de substâncias. Foi esse o meu entendimento quando vi a protagonista debruçada sobre uma sanita, a lidar o melhor que podia com uma crise de vómitos. Rapidamente percebes que este não é um caso de ressaca, mas antes de gravidez – algo que muitas mentes ainda lidam como se de uma doença se tratasse…
Através de uma fotografia cinzenta, com planos por vezes desfocados, perfeitamente de acordo com a visão desconcertante que a vida agora oferece à protagonista, somos levados através do habitual caminho que seguem tantas mulheres confrontadas com uma gravidez não planeada. A ida à farmácia, o teste de gravidez, a esperança de um resultado que não é possível controlar, um autêntico calvário que acontece diariamente em todos os cantos do mundo e que nunca será descrito em nenhum livro sagrado. Tudo isto porque não há um homem a partilhar este caminho, de modo a poder mais tarde testemunhar sobre o que realmente aconteceu.
Todo o argumento do filme está envolto numa uma solidão desoladora, a solidão das mulheres grávidas obrigadas a lidar sozinhas com um dos momentos cruciais da sua existência como seres humanos. Como homem, senti-me envergonhado pelo papel que o nosso género tem neste filme. O homem está literalmente ausente de todos as cenas. O mais que conseguimos saber dele ecoa através da sua voz ao telefone ou de referências na terceira pessoa. Sim, neste filme a substância ausente é o amor e a compaixão dos homens pelas companheiras com quem têm ou tiveram um relacionamento amoroso.
Mia Tomé consegue mostrar no seu papel a solidão e o desespero da sua situação, mas sem nunca cair na vitimização. A protagonista demonstra uma força que só é possível ter em situações verdadeiramente dramáticas. A força de quem sabe que o que podia ser um dos momentos mais felizes da sua vida é agora um trauma onde apenas tem uma amiga como testemunha.
Não considero Sintoma de Ausência um filme feminista. Nem sei com certeza o que é ser feminista. O filme é mais descritivo do que acusador. A história deixa para os espectadores o papel da acusação. Este não é um filme para pessoas sensíveis pois tem cenas de uma enorme crueza. Mas este assunto merece ser tratado de uma forma honesta e directa. Porque a vida é muito mais cruel do que a ficção.