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Esta crítica contém spoilers da terceira temporada.

Aaaah, eu lembro-me bem.

Estávamos em 2013, depois do sucesso fantástico e inesperado que tinha sido o Vingadores (2012) e soubémos da notícia que o Universo Cinemático Marvel (MCU) ia expandir-se para a televisão com uma série spin-off. Ia chamar-se Agents of S.H.I.E.L.D. e ia contar as aventuras dos agentes que tinham de ir resolver os problemas que não eram grandes o suficiente para justificar chamarem os Vingadores.

Toda a gente ficou de pé atrás, porque tinha tudo para correr mal. Os spin-offs raramente são bons, habitualmente servem para explorar uma base de fãs tão entusiasmada que vai consumir tudo, e as suas histórias e personagens estão demasiado presas ao material original para poderem realmente desenvolver-se. E aparentemente todos esses medos tinham razão de ser quando a primeira temporada de Agents of S.H.I.E.L.D. se revelou como tendo uma narrativa episódica pouco cativante, vilões da semana, personagens estereotipadas e um tom que não se conseguia decidir se queria ser sério ou cómico, acabando por não ser bem nenhum dos dois.

Imensa gente desistiu da série e condenou o universo televisivo da Marvel ao falhanço. Eu próprio desisti de Agents of S.H.I.E.L.D. depois dos primeiros episódios, sobretudo porque todas as personagens me irritavam.

Mas depois com a aproximação do Capitão América: Soldado do Inverno (2014) decidi dar uma segunda oportunidade à série. Voltei a ver todos os episódios desde o início, engolindo em seco durante aqueles primeiros episódios bem fraquinhos, e finalmente percebi. Percebi que apesar de nascer directamente a partir do MCU, Agents of S.H.I.E.L.D. não se limita a ser um mero spin-off. Quando os eventos dentro da série antecipam e reagem directamente aos acontecimentos dentro do Soldado do Inverno, Agents of S.H.I.E.L.D. estabelece uma inter-conectividade complexa e dinâmica entre televisão e cinema. Percebi nesse momento que esta série ia fazer algo que nunca tinha sido tentado até então, que era criar um verdadeiro universo expandido.

AoS

A terceira temporada vem mostrar que qualquer dúvida ou incerteza que pudéssemos ter tido no início da primeira temporada eram infundadas, porque entretanto todas as coisas de que nos queixávamos (personagens estereotipadas, narrativa episódica, vilões semanais) existiam dessa forma propositadamente para serem completamente subvertidas.

Esta temporada começa mais ou menos onde a segunda tinha acabado, com o fenómeno dos Inumanos a espalhar-se pelo mundo todo. Simultâneamente temos o Ward que continua a tentar recuperar o que resta da HYDRA. Simultâneamente temos também o desaparecimento da Simmons para dentro do monólito negro, o desenrolar da relação entre a Bobbi e o Hunter, a introdução de várias personagens inumanas, a introdução do vilão Lash cuja origem é inicialmente desconhecida, a introdução da ATCU e da personagem Rosalind Price, inicialmente antagonista do Coulson.

A série consegue construir um crescimento exponencial de tensão, transversal a quase todos os episódios, e continuo a ter dificuldade em compreender como é que os escritores a conseguem manter tão consiste. Todos os episódios conseguem transmitir uma sensação de urgência e perigo, conseguem fazer avançar imenso a narrativa e aumentar ainda mais as apostas e consequências de tudo. Em retrospectiva não me lembro de um único episódio que parecesse filler, ou que estivesse lá só para fazer tempo, o que por si só é impressionante dado que a série está rigorosamente coordenada com as estreias dos filmes no cinema.

O foco do enredo principal, o desenvolvimento da Daisy e a luta contra a Hydra que eventualmente se personifica no vilão Hive, é extremamente cativante e épica. A Daisy, fantasticamente interpretada por Chloe Bennet, é uma personagem complexa e que cresce e evolui imenso durante toda esta temporada. Desde o seu início em que ainda está a explorar os seus poderes e a lidar com a sua condição como Inumana, a sua relação complexa com a figura paterna que é o Phil Coulson e a sua figura materna/competidora Rosalind Price, o seu papel como líder dos Inumanos, a sua relação difícil com o interesse amoroso Lincoln, até à sua eventual possessão pelo Hive e eventual confronto épico com ele e tentativa de redenção. Daisy Johnson é uma das personagens mais interessantes, complexas, tridimensionais e emocionalmente profundas de todo o universo Marvel até agora, e a maneira como esta temporada termina deixa-me com imensa vontade de ver como ela vai continuar a evoluir e eventualmente se transformar na líder dos Secret Warriors sob o nome de código Quake.

AoS Quake

Grant Ward é a outra personagem central e trágica de todo o enredo, terminando o seu arco narrativo sendo eventualmente possuído pelo Inumano ancestral Hive, que é trazido de volta ao planeta terra pela Hydra. Fantasticamente interpretado por Brett Dalton, Ward/Hive mostra um enorme alcance emocional, desde o Ward auto-destrutivo seduzido pela possibilidade de se perder no controlo de uma entidade superior, até à frieza manipulativa e sem-misericórdia de Hive. Todo o enredo traduz uma sensação de enorme perigo e gravíssimas consequências para a humanidade, e as vitórias e fracassos de cada um dos lados antagonistas são conquistados com uma dificuldade que a série consegue vender extremamente bem. O fim de Hive, no espaço, finalmente aceitando o seu destino e até aparentemente abraçando a sua morte, é verdadeiramente profundo e emocionalmente intenso.

AoS Ward IT

Todas as outras personagens são igualmente interessantes e têm arcos narrativos fabulosos que não vou analisar em detalhe, todas elas com um cast de actores excelentes, demasiados para estar a enumerar, mas que nos dão interpretações fortíssimas.

Temos o duo romântico eternamente conflituoso da Bobbie e do Hunter cuja competência e bad-assery só serve para pontuar a força emocional do momento em que se decidem sacrificar e abandonar a equipa para os proteger. Temos a relação trágica entre Coulson e Rosalind, cuja morte põe Coulson num trajecto de raiva e vingança que o ameaça destruir. Temos o Mack, eterno céptico de tudo o que seja Inumano a debater-se com o facto de os seus melhores amigos e eventualmente interesse romântico serem Inumanos. Temos a Agente May a debater-se com o facto de o seu ex-marido Andrew se ter tornado num Inumano assassino, e a perder o seu papel numa equipa de pessoas com verdadeiros super-poderes. Temos a evolução do vilão Gideon Malick, e a forma como acaba por se redimir, no seu conflito constante com Coulson. Temos o par de amores desencontrados de Fitz e Simmons, cujas evoluções os levam de ratinhos de laboratório assustados até personagens extremamente competentes e confiantes em si mesmas. Temos a introdução de vários novos Inumanos, cada um deles único, com personalidades interessantes e poderes curiosos, que expandem imenso a escala e o mundo da série.

AoS Fitz Simmons

O que mais me impressionou foi que todas estas narrativas inicialmente díspares conseguem acabar por se influenciar umas ás outras e acabar por se unir de forma orgânica num fantástico final de meia-temporada. Na segunda metade da temporada o enredo é mais focado, e com um crescimento exponencial de tensão que culmina num final épico. Pelo meio consegue ainda construir toda uma discussão paralela aos direitos e responsabilidades de pessoas com super-poderes que reflecte a do Capitão América: Guerra Civil, e no fim ainda mostrar as consequências dos eventos desse filme.

Dito isto, e apesar de a série conseguir manter um ritmo frenético ao mesmo tempo que faz malabarismo com 5 ou 6 enredos simultâneamente, há definitivamente momentos em que vemos atalhos narrativos e momentos em que os escritores simplesmente saltam ou ignoram pontos de enredo que seriam demasiado complicados para explicar adequadamente. A série tenta fazer imenso ao mesmo tempo, e consegue fazer isso 9 vezes em cada 10, mas mesmo assim essas falhas existem.

AoS ship

Para além disso fiquei com a impressão que nunca consegue ir a fundo com a narrativa. Apesar de todo o fogo de vista que é, assumidamente, muito muito divertido e cativante, se quisermos ser picuinhas e pretensiosos (e é parcialmente para isso que aqui estamos) é justo dizer que as coisas nunca deixam de ser algo superficiais. Isto é particularmente óbvio quando comparamos a série com as outras propriedades Marvel na televisão como Demolidor ou Jessica Jones, que conseguem uma intensidade narrativa e profundidade de análise de personagens e tema brutais.

Naturalmente que isto acontece porque Agents of S.H.I.E.L.D. não está a tentar fazer a mesma coisa que as séries da Netflix, e a comparação é algo injusta, mas mesmo assim esta diferença existe e merece ser apontada. Ainda assim, e como se a excelente escrita da série, e a escala que pretende atingir (e consegue a maior parte do tempo) não fossem suficientes para te convencer de que vale a pena vê-la, a realização também é excelente.

AoS Hive5

Para além da montagem impecável que contribui imenso para o ritmo de cada episódio, a realização consegue ser sempre dinâmica, muito fluída e com imensa sensação de movimento em cada cena. Raramente há momentos estáticos de plano/contra-plano típicos das narrativas novelescas. A coreografia e a realização das várias cenas de luta espectaculares ao longo do filme são também fantásticas. A série por vezes, não muitas, até se arrisca a quebrar o seu próprio formato e aventurar-se por digressões mais artísticas, especialmente no episódio 4,722 Hours. Os efeitos especiais e o CGI também pareceram dar um salto nesta temporada em relação às anteriores, sendo que os efeitos especiais usados para criar a cara do Hive estavam particularmente bons.

Em suma, é uma série extremamente bem escrita, com um ritmo impressionantemente rápido, que consegue construir uma das melhores personagens do MCU até agora, e ao mesmo tempo servir como contraponto e tecido conjuntivo a todo o universo Marvel. Acho que uma das melhores coisas que posso dizer da série é que me deixou extremamente curioso e entusiasmado para saber o que acontece na próxima temporada, sobretudo agora que os Acordos de Sokovia entraram em vigor, e que, enquanto que no passado tudo o que eu queria era ver referências nos filmes a Agents of S.H.I.E.L.D., agora até já prefiro que continuem a construir a sua própria narrativa, mantendo apenas alguns pontos de intersecção subtis aqui e ali.

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