Partilha no Facebook
Partilha no Twitter

“South Will Rise Again”

Raios que esta série está a ficar cada vez melhor! Depois dos primeiros episódios que tiveram um ritmo muito lento e foram sobretudo expositivos, agora que estou mais dentro destas personagens e do mundo, estou a gostar cada vez mais.

Eu já vi muitos westerns na minha vida, clássicos e modernos, mas nunca tinha visto uma representação do far-west tão suja e desagradável como Ratwater. Vemos a mesma figura misteriosa do cowboy que no episódio anterior estava com a menina doente a chegar à cidade, e a ir ao apotecário pedir alguma coisa (um medicamento talvez). O padre da aldeia reconhece-o e acusa-o de ser um homem que gosta de matar (woooooo presságios!). As cenas que ele presencia no salloon, entre escalpes frescos a serem negociados, violações e violência gratuita incomodam-no o suficiente para ele voltar atrás e tentar fazer alguma coisa acerca disso. Leva sumariamente uma tareia, o que faz com que chegue tarde demais para salvar a menina e a sua mãe. E agora está zangado, e está a andar de volta a Ratwater. Não tenho a certeza do que é que ele vai fazer, mas provavelmente não vai ser nada de agradável.

preacher-5

Entretanto Cassidy está-se a fazer à Tulip. Cassidy parece menos simpático neste episódio porque sabemos que ela está interessada no Jesse, mas tanto quanto sabemos o Cassidy não sabe isso. Ainda assim a insistência dele é um bocadinho desconfortável. Tulip, apesar de resistir inicialmente, face às negas repetidas do Jesse acaba por ceder aos avanços de Cassidy. No fim vêmo-los a ter sexo no carro, e Tulip tem a cara mais deprimida, resignada e destroçada que eu poderia imaginar para alguém naquela posição. Portanto temos o Cassidy e a Tulip a “traírem” o Jesse (apesar de não o ser tecnicamente) o que gera ambiguidade em relação a estas personagens.

Cada vez gosto mais dos dois anjos. Ao início eram tão misteriosos e agressivos, e agora ao vê-los sentados na casa de banho a ensaiarem o que vão dizer ao Céu quando atenderem o telefone é simplesmente adorável. É uma representação tão específica e curiosa de “anjos”, que vai contra todas as minhas experiências passadas com histórias que metem anjos, onde são sempre etéreos e grandiosos. Aqui parecem dois parvalhões ineptos, e eu adoro isso.

Esta série é muito agressiva, e nem estou a falar da violência gráfica abundante, estou a falar das cenas e das emoções.

E aquela cena em que o Eugene descobre o graffitti no seu quarto com a frase “Finish the job” escrito em letras garrafais no tecto? E o revelar lento da seta a apontar para a caçadeira encostada à parede? Eu já tinha mencionado que esta série é agressiva? Esta série é muito agressiva, e nem estou a falar da violência gráfica abundante, estou a falar das cenas e das emoções. Toda esta cena, desde o build-up lento, à composição do plano, às interpretações dos actores, constrói uma tensão que depois é resolvida da maneira mais desagradável possível. Depois ao pequeno almoço aquela explosão do pai do Eugene, em que lhe diz que ele devia mesmo ter “finished the job“, e o Eugene simplesmente começa a limpar o prato partido? Raios que aquilo foi doloroso!

Eugene vai então ter com Jesse para ele ajudar não a ele mas ao pai, porque o pai não devia ter de sofrer com os seus pecados. Isto seria ridículo não fosse pela interpretação fantástica de Ian Colletti que, mesmo com a cara toda deformada e pouca expressão facial, consegue transmitir imensa emoção e convencer-me de quão trágica é esta personagem. Jesse leva então Eugene a casa da Tracy Roach, aquela miúda sem metade da cabeça, que se passa completamente e começa a destruir o carro de Jesse com o Eugene lá dentro. Isto dá-nos a entender que de alguma forma o Eugene terá sido responsável pelo acidente que magoou a Tracy, e que depois com a culpa ele tentou suicidar-se.

preacher-3

Jesse, que por essa altura já montou um consultório improvisado no diner onde resolve os problemas ás pessoas usando os seus poderes, comanda a mãe de Tracy a perdoar o Eugene. Esta cena é tão ambígua! Tão bem escrita! Conseguimos perceber a displicência e facilidade com que Jesse usa os seus poderes, quase sem se importar com as consequências que isso pode ter, e está a assobiar ao lado de alguém que nunca mais pode assobiar na vida. Percebemos a resistência que a mãe de Tracy tem antes de sucumbir ao comando. Percebemos a confusão em Eugene. O Jesse está a fazer uma coisa explicitamente boa, mas há tanta ambiguidade moral nas suas acções! Excelente!

E por falar em intenso, a cena em que o Donnie se desfaz em lágrimas com a mulher foi muito intensa. O sofrimento emocional do homem é palpável, e senti que ele estava mesmo prestes a desmoronar-se por dentro. Que voltas que esta série consegue dar às personagens. Ao início detestávamos o Donnie porque ele batia na mulher, e tínhamos pena da mulher. Agora não só percebemos a fragilidade emocional com que o Donnie ficou depois de o Jesse ter usado o poder nele, como começamos a ter a sensação que a mulher é muito mais ameaçadora do que parecia.

A Emily continua aparentemente interessada no Jesse, e não percebe que não é por dobrar-lhe as roupas e urinar na casa de banho dele que isso vai acontecer. A confrontação dela com a Tulip que lá aparece é mais uma vez um exercício em desconforto e ambiguidade. A Tulip apanha-a literalmente com as calças em baixo, extremamente vulnerável, e isso é simultâneamente assustador e ridículo.

preacher-2

Os dois anjos, depois de muito ensaiarem e finalmente não conseguirem atender o telefonema, vão também eles confrontar o Jesse e explicam-lhe que o poder que ele tem não só não deve ser abusado, como afinal não vem de Deus! Isto torna a coisa muito mais interessante, e dá toda uma nova dimensão aos comandos que ele andou a espalhar pela cidade.

A última cena do episódio é incrivelmente brutal e inesperada, com Odin Quincannon no seu modo “tocado por Deus” a falar com os membros da Green Acres, e depois subitamente a pegar numa caçadeira e a matá-los. Fiquei extremamente surpreendido com isto! Não estava nada à espera, e mais uma vez a construção da cena é perfeita, porque nada indicava que isso fosse acontecer. Não há build-up, ele simplesmente mata os outros. A reacção do mayor, que fica especado em choque sem saber como reagir, espelha perfeitamente a da audiência.

Em última análise, não fosse pelo facto de ter lido a banda-desenhada, estaria completamente perdido na narrativa da série. Isso, no entanto, não só parece ser completamente propositado por parte dos escritores, como eu acho que contribui imenso para o tom e qualidade geral da série. A incerteza e o desconforto são aspectos muito importantes do tom que a série está a construir, e esta sensação de não fazer ideia nenhuma do que se está a passar complementa essa ambiguidade emocional que sentimos perante as personagens e o mundo. Como nada é particularmente claro, como as motivações das personagens ainda não foram explicitadas e falta-nos imenso backstory, temos menos por onde nos agarrar para julgarmos as personagens, e isso obriga-nos a formar opiniões que sabemos que podem estar erradas e que provavelmente vão ser desmontadas mais para a frente na série. Esta incerteza, associada à geral bizarria e violência da série, permite um crescendo enorme de tensão pelas revelações que certamente vão acontecer, e aumenta a nossa antecipação e curiosidade pela natureza específica dessas revelações que podemos antecipar como sendo ainda mais bizarras e violentas.

É uma forma muito arriscada mas inteligente de escrever, e mesmo tendo já lido a banda-desenhada não consigo deixar de estar entusiasmado por ver essas revelações.

Qual é a resolução que mais queres ver?

  • LÊ MAIS SOBRE
  • Preacher
  • Ian Colletti
Partilha no Facebook
Partilha no Twitter
DIZ ALGO SOBRE ISTO!
Este espaço é disponibilizado para comentários sobre o tema apresentado nesta publicação. Respeita a opinião dos outros e mantém a discussão saudável.
Os comentários são moderados de acordo com os Termos de Uso.
É possível deixar um comentário em anónimo. Basta clicar no campo de texto "Nome" e seleccionar a opção "Publicar comentário sem iniciar sessão".