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Uma pessoa esquece-se de que há televisão assim tão boa. Não me interpretes mal, este ano houve muitas coisas boas, discutivelmente melhores do que o cinema. Mas depois cai uma série como Stranger Things, e sou relembrado do que realmente é possível em termos de televisão.

A primeira temporada de Stranger Things foi fantástica, brilhante, pouco menos que perfeita, foi ovacionada pela crítica e tornou-se um clássico de culto imediato. Como seguir um sucesso destes? Como é que uma sequela de uma obra de televisão tão perfeita como a primeira temporada de Stranger Things poderia ser atingida? Eu tinha esperança que a segunda temporada de Stranger Things fosse tão boa como a primeira temporada, mas honestamente não estava à espera de quão melhor acabou por ser.

A segunda temporada de Stranger Things leva-nos de volta à cidade de Hawkins, onde na primeira temporada a Eleven abriu um portal para a dimensão do Upside Down, onde há uma versão tenebrosa do nosso mundo e onde habitam criaturas aterrorizantes. Cerca de um ano depois dos eventos da primeira temporada, coisas estranhas continuam a acontecer. Há relatos de uma rapariga misteriosa que aparece pelos campos a roubar comida, o filho da Nancy Byers não está a recuperar bem depois do que lhe aconteceu no ano anterior, e há uma estranha doença a matar as abóboras dos agricultores locais, mesmo antes do Halloween.

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Tal como na primeira temporada, a nostalgia dos anos 80 é transversal a todos os aspectos desta segunda temporada. Cada centímetro quadrado desta série foi pensado com propósito e premeditação para que o tom dos nos 80 instila tudo; desde o aspecto da película, a iluminação, a música, as roupas, a decoração das casas, as referências, tudo! Os anos 80 não são meramente o cenário desta história, são a sua textura! E essa atenção ao detalhe não se limita aos aspectos visuais da história, mas mesmo à maneira como está filmada e contada.

Há inúmeras sequências e cenas que estão filmadas e montadas como era hábito fazer-se nos anos 80, dando um aspecto deliciosamente anacrónico a toda a temporada. As referências da série continuam perfeitas e há para todos os gostos, mais ou menos óbvias. E.T. – O Extra-Terrestre (1982) e Os Goonies (1985) continuam a ser o principal esqueleto da série, tal como na primeira temporada, mas agora temos referências a Caça-Fantasmas (1984), Aliens – O Recontro Final (1986), Sexta Feira 13 (1980), Gremlins (1984), Veio do Outro Mundo (1984), O Exorcista (1973), entre muitas, muitas outras.

Stranger Things é uma obra-prima de televisão

Mas reduzir o interesse desta série à sua nostalgia e referências é um erro, e sobre essas fundações dos anos 80, temos uma história confiantemente construída. Tal como na primeira temporada, o enredo e narrativa são imensamente interessantes e entusiasmantes. Para começar, sentimos verdadeiramente que há consequências dos eventos da primeira temporada. Hawkins não é a mesma cidade pacata, e todas as personagens estão mudadas de uma maneira ou de outra, a lidarem com o que aconteceu à sua própria maneira.

Os cientistas no laboratório estão a tentar resolver os problemas deixados pelos anteriores, toda a gente ainda está a tentar conformar-se com o desaparecimento da Barbara, os rapazes sentem a falta da Eleven. Outra coisa que esta segunda temporada nos traz é uma expansão do mundo de Stranger Things. Compreendemos mais do que se está a passar, e são introduzidos novos elementos que expandem os horizontes da narrativa. Não só nos são apresentadas novas personagens (já falo delas mais à frente), como novas localizações geográficas, e até novos monstros e vilões do Upside Down, que constroem este mundo bizarro e que levantam mais perguntas do que as que respondem.

O enredo continua tão cativante e misterioso como era na primeira temporada, e continua a explorar o que é o Upside Down, o que é que realmente aconteceu ao Will, onde é que anda a Eleven, e o que raio é que se está a passar na realidade. Todas as personagens vão contribuindo à sua maneira para continuar a desvender a intriga, que é sempre incrivelmente apelativa. Tal como na temporada anterior, aqui a narrativa é dividida em três sub-enredos distintos protagonizados pelas crianças, pelos adolescentes, e pelos adultos, que no fim confluem todos numa resolução que é incrivelmente satisfatória. De uma maneira brilhante os The Duffer Brothers conseguem que cada uma dessas linhas narrativas consiga ter o seu próprio tom, referências e temáticas específicas.

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Mas mais importante que tudo isto é a maneira como esta temporada nos dá uma evolução inteligentíssima do que tinha sido estabelecido na temporada anterior. A maneira mais simples de explicar isto é dizer-te para pensares em Alien – O Oitavo Passageiro (1979) que é uma referência muito forte da primeira temporada, e a maneira como evolui e cresce para Aliens – O Recontro Final (1986), que por sua vez é uma referência fortíssima da segunda temporada. O nosso grupo de miúdos agora está a entrar no território minado da puberdade e do romance; os adolescentes têm de começar a lidar com mais responsabilidade e com uma transição difícil para a idade adulta; os adultos que na temporada anterior tiveram o problema da criança desaparecida, agora lidam com a criança perturbada/doente.

De igual forma a ameaça do Upside Down e do novo vilão que nos é apresentado é ainda maior do que era antes; mais perigoso, tenebroso e assustador. As consequências e o perigo cresceram imenso nesta temporada, que é muito mais violenta e assustadora do que a primeira. De igual forma, também os momentos de amor, amizade e ternura estão mais vincados e ainda mais merecidos, criando um ambiente emocional extremamente intenso e tocante. Não contentes com tudo isto, os The Duffer Brothers não só pegam e executam todos esses tropes dos anos 80 como ferramentas de escrita, como no fim acabam por subvertê-los. As crianças resolvem os problemas não por crescerem e se tornarem mais maduras, mas recorrendo exactamente aquilo que as define como crianças, os adolescentes ultrapassam os seus problemas emocionais e agem efectivamente no mundo adulto, os adultos são vulneráveis e precisam de ajuda, e os vilões afinal podem não ser assim tão vilões como isso.

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Tudo isto não só funciona tão bem como acaba por funcionar por causa das personagens e das suas interpretações. As crianças actores que conhecemos na primeira temporada estão agora mais maduras e dão-nos performances ainda mais impressionantes. Millie Bobby Brown, como Eleven, é ainda mais perfeita e badass do que na temporada anterior. Noah Schnapp, que faz de Will Byers, e que acabámos por não ver muito durante a primeira temporada, surpreende imenso, dando-nos uma interpretação assustadoramente intensa e multi-facetada. Finn Wolfhard (Mike), Caleb Maclaughlin (Lucas), e Gaten Matarazzo (Dustin) continuam a ser os miúdos perfeitos, e são todos actores fortíssimos, com um senso de tempo de comédia e intensidade dramática impressionantes. Natalia Dyer, Charlie Heaton, e Joe Keery mostram muito mais confiança e transmitem perfeitamente a ideia de adolescentes que sabem que têm de fazer alguma coisa e sabem que se estão a meter em coisas maiores que eles. Wynona Ryder e David Harbour continuam incensuráveis.

Temos a introdução de algumas personagens novas absolutamente fantásticas. Eu adorei, absolutamente adorei, a interpretação de Sean Astin, que aqui interpreta Bob Newby, o novo interesse romântico da Joyce. Sean Astin não só é um dos actores de Os Goonies (1982), como nos dá a interpretação de um geek adulto, que nunca se impôs contra os bullies, que nunca deixa de ter medo e de se sentir inseguro, mas que ainda assim ganha o dia recorrendo à sua inteligência e esperteza. Há também Paul Reiser, famoso pelo seu papel como representante moralmente ambíguo de uma organização em Aliens – O Recontro Final (1986), que aqui interpreta o Dr. Owen, representante moralmente ambíguo de uma organização suspeita.

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Temos Sadie Sink como Max, a nova amiga dos rapazes, que subverte todas as expectativas para o tipo de personagem feminina que esperaríamos encontrar neste conjunto, e o seu irmão Billy, interpretado da maneira mais eficientemente irritante por Dacre Montgomery.

A realização e a fotografia continuam brilhantes, com ambas a contribuírem e complementarem-se perfeitamente para o tom do enredo e da narrativa. As sequências de terror desta temporada estão fantasticamente construídas, sendo verdadeiramente assustadoras e de pôr os cabelos em pé. Por várias vezes enquanto via a série dei por mim a agarrar as almofadas do sofá de tão tenso que estava. Voltamos a ser presenteados com sequências artísticas lindíssimas, planos de sequência impressionantes e montagens extremamente bem editadas e poderosas. A fotografia é lindíssima, cheia de tons fortíssimos de vermelhos, azuis, amarelos, sempre a criar um ambiente que é simultâneamente único, e indefinivelmente reminiscente do cinema dos anos 80. A música, tanto a banda sonora original, como as escolhas de temas dos anos 80 são fantásticas, e ajudam imenso à imersão neste mundo fantástico que nos é criado.

A segunda temporada de Stranger Things é uma obra-prima de televisão, e vai para sempre ser lembrada como uma das séries mais marcantes desta década. Quase inacreditavelmente, consegue ser ainda melhor do que sua primeira temporada, e os The Duffer Brothers mostram uma maturidade e confiança na sua escrita que é palpável em cada cena ou linha de diálogo. A segunda temporada de Stranger Things é para mim a melhor temporada do ano, e sem dúvida nenhuma a minha série preferida de sempre!