O tráfico e a dependência de estupefacientes têm oferecido uma fonte aparentemente inesgotável para documentários e argumentos de filmes e séries de TV. Vou enumerar alguns dos meus favoritos (a ordem não reflecte qualquer preferência) – Narcos, Scarface – A Força do Poder, Erva, Pulp Fiction, Ruptura Total, The Departed – Entre Inimigos, Ozark, Trainspotting, etc…
Gringo tem quase todos os ingredientes que um filme sobre a produção e tráfico de droga poderia ter – a DEA e os cartéis (EUA vs México), a violência, o dinheiro a rodos, a crueldade – mas concentra-se num tema ainda não muito explorado: a participação do mundo empresarial, mais especificamente das grandes farmacêuticas, em ilegalidades. Para além disso, uma das questões a ser constantemente colocada ao longo do filme é sobre a dualidade moral entre quem dá à sua vida um cunho de honestidade e rectidão e entre quem venderia a mãe num piscar de olhos para aumentar o bónus de fim de ano.
Harold Soyinka representa o cidadão modelo, nascido na Nigéria e educado com fortes valores morais, veio para os EUA atrás do sonho americano. Trabalha para uma farmacêutica, é casado e a sua vida parece estar a seguir o rumo certo. O que ele ainda não descobriu é que o seu amigo e patrão, Richard Rusk, é um verme, sem qualquer pingo de vergonha e que está a conduzir a empresa para o abismo, colocando em risco o emprego de Harold. Pelo caminho, e para sair do buraco financeiro para o qual a empresa está a ser sugada, Rusk decide fazer negócio no México com um cartel, vendendo-lhes produto fabricado na fábrica da empresa situada do lado de lá da fronteira. É por causa destas e outras que o actual presidente anda obcecado com muros…
Como seria de esperar, a partir do momento em que um cartel mexicano entra na equação do argumento, o resultado começa a ser inundado por violência , loucura e salpicos de sangue. Há três actores principais em Gringo, cuja interpretação só por si faz este filme valer a pena. David Oyelowo, no papel do honesto Harold Soyinka, consegue representar de uma forma clara e honesta a descida aos infernos da sua personagem. A passagem de profissional eticamente irrepreensível e marido extremoso para um homem que já não tem nada a perder é formidável. Oyelowo consegue pôr-te a torcer por ele, sem dares por isso. Uma interpretação verdadeiramente inesquecível.
Joel Edgerton é absolutamente nojento na sua representação do moralmente abjecto Richard Rusk (digo isto, obviamente como um elogio). O director da farmacêutica parece ter tido um acidente neurológico, que o tornou num sociopata, capaz das atitudes e decisões mais inumanas que possas imaginar. Será esta a receita certa para o sucesso no mundo empresarial? E finalmente, Charlize Theron em mais uma caricatura maravilhosamente construída. É um prazer ver a actriz neste filme – e não me estou a restringir ao seu físico, que continua invejável para uma quarentona -, representando Elaine Markinson, a parceira de Richard Rusk no ramo das trafulhices empresariais. Theron faz uma representação perfeita de uma mulher fria, calculista, habituada a subir a escada do sucesso empresarial numa posição horizontal (para ser sincero, em todas as posições que possas imaginar – a moral não mora ali).
O argumento do filme é imparável, uma história bem contada, com uma energia que não deixa lugar para recuperar o fôlego. A história de Gringo é como um rio que corre seguro e imparável na direcção do mar. O filme tem acção, humor extremamente negro, tem crime e consegue com toda esta mistura explosiva arranjar espaço para deixar-te a pensar em questões morais – o que é ser um ser humano decente? O sucesso é medido pelo nosso código de honra ou pelo saldo da nossa conta bancária? É possível sermos pessoas “boas” e ainda assim sermos respeitados pelos outros, ou o respeito só se ganha quando mostramos as garras e inspiramos medo à nossa volta? Estou certo que depois de veres Gringo, vais ter mais algumas questões para juntar a esta lista.