Channel Zero tem sido desde o início uma das séries mais originais na televisão neste momento. Esta produção do SyFy é uma série de curtas temporadas adaptadas de ficção escrita – mas não de romances ou peças, e sim de histórias creepypasta publicadas (por vezes por usuários anónimos ou utilizando pseudónimos) na internet. As duas primeiras temporadas, “Candle Cove” e “No-End House“, surpreenderam-me pela sua originalidade e pela falta de medo com que apresentaram as suas ideias estranhas e chocantes. “Butcher’s Block”, a terceira temporada, não só não ficou atrás, como levou esta característica ao extremo.
Esta história foi baseada na série do Reddit, Search and Rescue Woods de Kerry Hammond, e inicialmente na creepypasta, Stairs do utilizador Jack. A característica arrepiante e bizarra destas suas origens foi passada na sua totalidade a esta temporada, que apesar de ter tido um início um pouco mais duvidoso teve uma reviravolta tão total que posso dizer que esteve ao mesmo nível de qualidade das anteriores.
“Butcher’s Block” é a história de duas irmãs, Alice e Zoe Woods. Alice e Zoe chegam à pequena cidade de Garrett à procura de um novo começo depois de a sua família ter sido devastada pela doença mental da mãe, que afecta também a irmã mais velha, Zoe (Holland Roden). Alice (Olivia Luccardi) escolheu esta pequena cidade decrépita e empobrecida de propósito, para começar lá o seu primeiro emprego como assistente social: há definitivamente imensas pessoas a precisarem de ajuda em Garrett, especialmente no bairro mais marginal, Butcher’s Block. Este bairro é assim conhecido pela antiga fábrica de processamento de carne da família Peach.
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Os Peaches eram uma família imensamente rica, mas tudo isto já foi há muitas décadas, e desde então todo o bairro tem sido deixado ao esquecimento, de tal modo que as autoridades preferem ignorar todos os desaparecimentos que lá ocorrem. Há um mistério obscuro sobre esta população, e Alice e Zoe, seguindo a boa tradição de protagonistas femininas de Channel Zero, enfiam-se mesmo no meio de todos os perigos. Estas duas actrizes foram excelentes e a qualidade do seu trabalho foi aquilo que realmente deu brilho e manteve “Butcher’s Block” como história intacto quando parecia que isso não poderia acontecer.
Impossível falar destas personagens típicas da cidadezinha pequena sem falar de Louise, interpretada por Krisha Fairchild. Esta matrona sem família é uma força da natureza, com hábitos pitorescos como o uso de animais empalhados como decorações para a casa. Fairchild é a escolha perfeita para esta personagem. Uma interpretação um pouco mais fraca foi a de Brandon Scott, o nosso agente Vanczyk, que não conseguiu trazer grande destaque a uma personagem de típico polícia bem intencionado de pequena localidade com alguns laivos de heroísmo mal calculado.
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Onde tivemos, sim, personagens absolutamente brilhantes, foi no… Digamos, outro lado. Não posso passar das primeiras frases deste parágrafo sem falar no Robert. Andreas Apergis é o nome do actor, um nome que foi bem difícil de encontrar pois não consta em qualquer lista de actores da série, mesmo na lista oficial do SyFy. Tenho a dizer que Apergis foi simplesmente brilhante e que foram dele os momentos simultaneamente mais divertidos e mais arrepiantes. Se nunca viste um canibal a dançar valsa, tens que ver esta temporada. O grande (enorme!) destaque em termos de actores tem que ir para Rutger Hauer, que interpretou a personagem de Joseph. Este veterano do ecrã fez-nos acreditar e duvidar até ao fim – é impossível estar contra o Joseph quando ele quer que estejamos do seu lado, e até agora não tenho a certeza de como me sinto em relação à personagem dele e a todas as decisões que tomou.
Esta foi uma temporada com um visual de um contraste e uma clareza impressionantes. O ambiente degradado e sujo de Garrett permeia tudo, e ficamos a conhecer personagens muito humanas e fascinantes. Ao mesmo tempo, as paisagens idílicas de flores amarelas e grandes casas impecáveis onde eventualmente vamos parar são igualmente exuberantes.
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O canibalismo é um assunto que permeia a história, e que é encarado de um modo muitas vezes nojento, às vezes hilariante, sempre perturbador. Se te queres tornar vegetariano, tens que ver “Butcher’s Block”, mas, aviso-te, não o vejas enquanto comes, nem que seja uma cenoura. Mais uma vez, Channel Zero não é tímida em relação a mostrar as acções das suas personagens em detalhes gráficos. Outros dois assuntos tão essenciais a esta temporada: a divisão entre as classes sociais, e a saúde mental. Enquanto que o tratamento da diferença entre ricos e pobres é visto da forma habitual – personagens de um lado, personagens de outro, e o óbvio desprezo das autoridades oficiais por aqueles de menos posses – aquilo que vimos em relação aos distúrbios das personagens que deles sofrem é completamente fora do normal. “Butcher’s Block” optou por representações visuais e auditivas das alucinações e sensações que são sofridas, representações estas que se tornam extremamente reais e horrorosas, coisas arrepiantes que jogam com o nosso subconsciente.
Foi esta característica, juntamente com a competência dos actores, a solidez da história e a qualidade das imagens e cenários, que fizeram de “Butcher’s Block” um sucesso. Está confirmada a quarta temporada, e apesar de ainda não termos mais nenhuma informação sobre ela, espera-se que seja lançada apenas em 2019. Depois de três óptimas temporadas, vou certamente estar ansiosamente à espera!