PUNHO DE FERRO | Crítica Da 1ª Temporada

Pronto, é oficial: a Marvel fez merda.

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Pronto, é oficial: a Marvel fez merda. Depois de 9 anos a produzir conteúdo de cinema e televisão que elevou os padrões de escrita e realização, não só para adaptações de banda-desenhada, mas também para todo o cinema no geral, conseguindo consistentemente gerar produtos que variavam entre o bom e o fantástico, a Marvel quebrou o seu streak da pior maneira possível.

Punho de Ferro é mau. É mau, mau, mau, mau! Tem alguns momentos engraçados e algumas ideias muito boas lá pelo meio (de que eu vou falar mais à frente) mas o produto final é um arrastar lento e doloroso de cenas mal filmadas, diálogos aborrecidos e oportunidades perdidas. Punho de Ferro, produzido pela Marvel Television em parceria com a Netflix, integra-se no Universo Cinemático Marvel (MCU), e conta a história de Danny Rand, herdeiro da Corporação Rand, cujo avião se despenha algures nos Himalaias onde é criado por monges da cidade mística de K’Un-Lun e aprende Kung-Fu. Ao regressar a Nova Iorque não só tem de provar a sua identidade e ser aceite de novo na Corporação Rand, mas descobre que a organização criminosa Hand infiltrou a corporação para os seus próprios fins.

E nota que esta premissa é gira! Há aqui peças e elementos narrativos que poderiam ter funcionado muito bem para contar uma história fantástica. Infelizmente nenhuma dessas ideias é adequadamente explorada ou executada da melhor maneira. O enredo é confuso e desconjuntado. Há duas principais linhas narrativas: Danny Rand a lidar com o mundo sem-misericórdia da alta-finança e negócios escuros do corporativismo americano; e Danny Rand a lutar contra o secretismo místico e nefário da Hand. Nenhuma das duas funciona bem.

O enredo que envolve Danny no mundo real, com ele a tentar provar a sua identidade depois de 15 anos em que toda a gente pensava que ele tinha morrido, a sua integração na Corporação Rand, as suas decisões movidas por um moralismo quase ingénuo, as negociatas e jogos de influência escuros que acontecem nos bastidores do corporativismo, conseguem ser mais interessantes do que Danny a lutar contra ninjas, e isto diz muito da série toda. O enredo que envolve a Corporação Rand tem tanto, senão mais, tempo de antena do que o enredo a envolver a Hand, e isso é chato porque eu queria era ver uma série de super-heróis e não o Lobo de Wall Street cruzado com o Erin Brockovich. Mas nem isso consegue ser, porque só temos as partes chatas de filmes como esses, que são as reuniões, estratégias empresariais e longas conversas sobre margens de lucro.

O enredo que envolve o lado místico da história e a Hand é pior ainda. Nunca nos é explicado claramente quais são os poderes de Danny, o que é exactamente o Punho de Ferro, o que é que é K’un-Lun ou porque é que é tão importante protegê-lo. Nota que eu não queria as explicaçõezinhas todas, não queria todas as respostas de mão beijada, mas era preciso pelo menos algum contexto para as coisas fazerem sentido e terem peso narrativo. A própria Hand, que até agora tem vindo a ser construída como o Big Bad das séries da Netflix, está depressivamente sub-aproveitada. Para além de uma desculpa básica de quererem ganhar dinheiro à custa de vender heroína, nunca lhes é dado uma motivação forte para serem um vilão na série, nem nunca são mostrados como particularmente competentes.

Há um episódio em particular, que os produtores devem ter achado que ia funcionar como pico narrativo a meio da série, em que Danny é desafiado pela Hand para um torneio de luta, e que tem o potencial para acabar com a Hand, ou com o Danny, definitivamente. Há imensa pompa e circunstância e rituais místicos a fazerem build-up ao torneio, mas depois os oponentes de Danny são mal-caracterizados, desinteressantes, gimmicky, e as lutas nem sequer são entusiasmantes. No fim Danny não ganha nem deixa de ganhar, e o torneio acaba por não servir para nada. Parece uma sequência de Combate Mortal (1995), e mesmo esse filme era mais divertido do que Punho de Ferro.

Há imensos outros exemplos específicos de como a escrita é má, mas se fizesse uma lista compreensiva ia ficar deprimido. O enredo dá sempre dois passos atrás para cada passo em frente, nunca acontece nada de interessante, a maior parte das coisas acontece por inacção, a escrita e os diálogos estão sempre a andar para a frente e para trás sem desenvolverem. Os diálogos no geral são muito, muito fracos, desinteressantes, por vezes estúpidos. A maior parte das cenas da série resumem-se a pessoas paradas a falarem umas com as outras durante imenso tempo, com planos e contra-planos simples, sem música. É aborrecido, e esse é o único crime imperdoável neste tipo de produção.

As personagens não são melhores. Danny Rand, interpretado por Finn Jones, é o titular Punho de Ferro. Arma Imortal, protector dos portões de K’Un-Lun, mestre em todas as artes do Kung-Fu e possuidor do temível poder do Punho de Ferro, com o qual derrotou o mítico dragão Shou-Lao em batalha. Infelizmente, Danny Rand só parece uma criança embirrenta durante a série toda. Eu percebo que eles quiseram caracterizá-lo como ingénuo, sem saber usar bem os seus poderes, ao mesmo tempo que lida com o stress Ppós-traumático do acidente que mata os seus pais, mas a personagem está simplesmente mal escrita. Quase não há um arco narrativo da personagem, não há grande resolução aos seus conflitos.

Os seus diálogos e cenas nunca lhe mostram grande amplitude de emoções ou atitudes, nunca transparecem um verdadeiro conflito interno, nunca lhe são explicadas motivações compreensíveis, quanto mais credíveis, e por isso ele acaba por transparecer como uma personagem superficial e impulsiva. Qualquer empatia pela personagem criada pela sua história de peixe-fora-de-água dos primeiros episódios desvanece-se completamente ao longo da série, e no fim eu não me importava nada com Danny Rand. A culpa disto não é de Finn Jones, que não se chega a perceber se faz uma boa interpretação ou não, porque aquilo que lhe é dado com que trabalhar simplesmente não presta.

Colleen Wing, interpretada por Jessica Henwick, é professora de artes-marciais e interesse romântico de Danny Rand. O seu arco narrativo também é uma trapalhada, com premissas que nunca são realmente exploradas ou têm consequências, atitudes passivas ou que não fazem sentido. Jessica Stroup interpreta Joy Meachum, amiga de infância de Danny Rand, que nunca se define bem como personagem, andando sempre para a frente e para trás entre defender a Corporação ou defender o Danny, e sem grande coisa de interesse para dizer.

Até aquele que é suposto ser o grande vilão da série, Harold Meachum, passa mais de dois terços da temporada fechado numa sala sem fazer grande coisa, e no fim é despachado sem grande espectáculo. É interpretado por David Wenham que faz uma interpretação surpreendentemente carismática com o pouco que lhe é dado para fazer. Pelo meio da série são introduzidas outras duas personagens que eu só menciono porque são tão mal escritas e descontextualizadas e desinteressantes quanto estão mal interpretadas por Ramon Rodriguez e Sacha Dhawan, que são dois erros de casting brutais que eu espero nunca mais ter de ver a actuar.

A única personagem remotamente interessante é Ward Meachum, filho de Harold, irmão de Joy e amigo de infância de Danny. Ward Meachum, muito bem interpretado por Tom Pelphrey, é a única personagem com um arco narrativo com pés e cabeça, que toma decisões interessantes e a quem acontecem coisas interessantes. É só pena que ele seja uma personagem secundária, quase terciária, e que não seja um super-herói que foi o que eu vim ver. Não surpreendentemente, as únicas outras personagens interessantes e bem escritas são as que não foram escritas para esta série: Rosario Dawson interpreta a sempre pragmática Claire Temple, a enfermeira da noite, que continua a funcionar como substituta da audiência; Carrie-Anne Moss mantém-se incensurável e divertidamente cínica como Jeri Hogarth; Wai Ching Ho continua ameaçadora e inescrutável como Madame Gao.

Infelizmente os falhanços desta série não acabam aqui. Um dos aspectos onde esta série tinha toda a obrigação de ser excelente era nas cenas de luta. Quer dizer, por amor de todos os santinhos dos geeks, isto é suposto ser uma série sobre um mestre de Kung-Fu portanto esperaríamos ver Kung-Fu do bom e do melhor. Em vez disso as cenas de luta são poucas e más. Na maior parte do tempo Danny Rand só parece incompetente, está sempre a levar porrada de toda a gente, as suas lutas são pouco impressionantes, muito curtas, anti-climáticas na maior parte das vezes. Nem sequer estão bem filmadas, sendo que a maior parte delas se passam no escuro não permitindo ver os golpes, e são filmadas com imensos cortes, impedindo qualquer tipo de fluidez.

Finn Jones já veio dizer em entrevistas que na maior parte das vezes estava a aprender as coreografias das lutas 15 ou 20 minutos antes de as cenas serem filmadas, e isso nota-se. Nem sequer a porra do Punho de Ferro que é suposto ser todo o propósito da personagem e o raio do nome da série consegue ser impressionante. O punho de Danny Rand acende-se de amarelo e de vez em quando dá uns murros um bocadinho mais fortes, mas à excepção de uma única cena, o seu poder nunca é explorado, quanto mais mostrado de forma interessante.

Poderás por esta altura estar a pensar que eu estou a ser demasiado duro e exigente com Punho de Ferro, e admito que isso possa ser possível. Infelizmente Punho de Ferro saiu exactamente a meio de Legion, e a comparação entre as duas séries torna-se inevitável, e torna ainda mais óbvio como Punho de Ferro falha a todos os níveis. A maior parte do tempo eu estava a esforçar-me por acabar de ver Punho de Ferro, e a maior parte dos episódios era só eu a esperar que acontecesse alguma coisa de interessante. Para ser justo, no entanto, é preciso fazer notar que eu sinto exactamente a mesma coisa quando vejo The Walking Dead, que continua a ser um dos maiores sucessos televisivos de sempre.

Punho de Ferro é medíocre, mas não mais do que a maior parte dos programas médios de televisão (The Walking Dead incluído). O problema é que inevitavelmente é comparado a outros produtos da Marvel e dessa maneira a sua falta de qualidade é flagrante. É particularmente triste porque Punho de Ferro não falha sozinho. Punho de Ferro é uma peça numa longa narrativa que já tem vindo a ser construída com Demolidor, Jessica Jones e Luke Cage, e devia ter funcionado como último acto antes do final épico, em Os Defensores. A Hand devia ter sido construída como um antagonista sério e assustador para todos eles juntos combaterem em Os Defensores, e Danny Rand devia ser uma adição entusiasmante e interessante ao grupo de heróis.

Desta maneira o meu entusiasmo por ver Os Defensores diminuiu, e fico com medo que venha a ser outra porcaria como esta. Apesar de tudo isto, e como disse ao início, Punho de Ferro tem algumas ideias muito boas perdidas lá pelo meio. O problema é que foram tão mal aproveitadas que se tornam irrelevantes para o produto final, mas a verdade é que estão lá, se soubermos reparar nelas. Isto só me causa ainda mais pena porque Punho de Ferro poderia ter sido extremamente bom se ao menos alguém tivesse aproveitado bem estes elementos, sem sequer ter de acrescentar mais coisas.

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A maior parte da fotografia da série é muito, muito bonita, e há cenas com composições lindíssimas. Teria sido extremamente interessante ver o desenvolvimento de uma personagem que sofre um evento traumático aos 10 anos, e que vai para um mosteiro místico perdido, onde em vez de lidar com a perda dos pais é obrigado a aprender Kung-Fu. Teria sido extremamente interessante ver Danny Rand como uma espécie de hippy Hare-Krishna, a levar demasiado a sério todo o seu mumbo-jumbo espiritual budista flower-power, em quem ninguém acredita, e depois de vez em quando a desancar 20 ninjas da Hand sem sequer transpirar. Teria sido extremamente interessante vê-lo lentamente a perceber que nunca tinha lidado com os seus traumas do passado, e a perceber que se calhar estava a ser manipulado e usado pelos monges de K’Un-Lun.

O mundo sanguinário da alta-finança americana que nos é apresentado é muito reminiscente de American Psycho (2000) e teria sido extremamente interessante ver a maneira como Danny Rand operava incompetentemente nesse mundo, por contraste ao mundo de fantasia espiritual onde é extremamente competente a dar porrada. À semelhança de Luke Cage, Punho de Ferro devia ter aproveitado imenso o rap e o hip-hop dos anos ’90 para servir de fundo à maioria das cenas e sequências de acção, funcionando como um contraste brilhante entre a espiritualidade do Kung-Fu e a urbanidade austera e fria de Nova Iorque.

As cenas de Kung-Fu poderiam ter sido espectaculares, com tantos, mas tantos, filmes de Kung-Fu de onde buscar inspiração, recorrendo à excelente fotografia e composição para criar sequências oníricas de luta Wuxia. Os poderes de Danny Rand deviam ter sido extremamente impressionantes, com o titular Punho de Ferro a ser uma verdadeira arma de destruição. O mundo de Punho de Ferro podia ter sido explorado, e aberto ainda mais os horizontes do MCU, integrando os elementos de magia de Dr. Estranho com as técnicas de luta de K’Un-Lun, que por sua vez devia ter tido uma representação clara, e a sua importância devidamente estabelecida.

*SUSPIRO*

É uma pena.

Depois de Punho de Ferro ainda estás entusiasmado com Os Defensores?