Mais do que qualquer outro ano, 2016 mostrou-nos aquilo que a indústria da banda desenhada é capaz de fazer e aquilo para o qual nos deveríamos preparar: as editoras têm cada vez mais como objectivo desafiar as expectativas! Quer seja com revelações controversas ou com a diversificação de títulos e personagens principais, cada vez mais é impossível afirmar que não existe um livro aos quadradinhos para cada tipo de pessoa.
Aqui no Cubo Geek não ficámos indiferentes a alguns dos magníficos títulos que foram lançados este ano. De super-heróis a adaptações de histórias reais, eis a nossa selecção dos 10 melhores títulos que o ano passado teve para nos oferecer.
10 – Paper Girls
Na década de ’80, quatro raparigas de 12 anos de idade que entregam jornais são ameaçadas por algo ainda mais estranho e malévolo que rapazes adolescentes. Este livro foi descrito como “uma mistura de Conta Comigo (Stand by Me) e A Guerra dos Mundos“, e talvez seja exactamente essa a melhor descrição existente do que esta história conta. Neste mistério de ficção cientifica, o escritor Brian K. Vaughan traz o coração e o charme de Saga a uma história sobre crianças que, no entanto, não as tem como público alvo principal. A arte de Cliff Chiang faz tudo para tornar este livro simplesmente maravilhoso e perfeito para partilhar com aqueles amigos que até nem gostam de ler banda desenhada. Com personagens que, embora falem como crianças, conseguem cativar os leitores adultos com alguma facilidade.
9 – The Legend of Wonder Woman
A DC, infelizmente, anunciou que esta belíssima história da Mulher Maravilha – que traça as origens da super-heroína e da sua infância na ilha idílica de Themyscira que eventualmente irá influenciar a escolha de se juntar ao mundo humano – foi cancelada, em Dezembro. Vamos perdê-la em 2017 mas, ainda assim, ficámos com um livro que teve coragem e coração para contar a história de Diana Prince como Mulher Maravilha, uma personagem por vezes mal interpretada e por vezes escrita de modo inconsistente. A dupla de escritora e artista de Legend of Wonder Woman, de Renae De Liz e Ray Dillon, inclina-se para a empatia e alegria da sua personagem principal e torna essas qualidades seus traços definidores, lembrando-nos de tudo o que a torna tão super.
8 – The Wicked + The Divine
Nos últimos dois anos o título da autoria criativa de Jamie McKelvie e Kieron Gillen tem surgido em temas de conversa sobre boas bandas desenhadas mais vezes do que poderíamos estar à espera. Mas não é à toa que os leitores continuam a desdobrar-se em elogios em relação a este livro quando, desde Novembro de 2014 até agora, ele continua a surpreender a cada um dos seus números.
Um livro que conta a história de 12 deuses que, a cada 90 anos, têm que viver entre os humanos durante 2 anos até que morram. Neste livro estes deuses optam por tomar o lugar de personalidades do mundo da pop, misturando assim dois mundos de uma forma incrivelmente inteligente. Com o mistério do primeiro arco resolvido, a história agora toma um rumo diferente: as divindades, personagens desta história, embora tenham desvendado um assassinato, enfrentam agora um novo mundo de incertezas mantendo esse mesmo segredo guardado.
The Wicked + The Divine parece-nos por vezes, tal qual os papéis que os deuses decidiram tomar, como cantores pop que após fecharem uma tour voltam para o estúdio e para o processo criativo de criar o seu novo álbum. E nós, como leitores e ouvintes, ficamos à espera que o próximo seja tão bom como o anterior.
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7 – Darth Vader
Esta banda desenhada, a partir do momento que foi anunciada, esteve sempre em terreno escorregadio. Quando se pega numa personagem tão épica do mundo de Star Wars e se decide fazer uma banda desenhada sobre eventos da sua vida que não foram antes contados nos filmes, temos a mistura perfeita para um dos dois extremos de recepção por parte dos leitores: épico ou horrível. Com o seu último número publicado no passado mês, este foi um triste adeus para, provavelmente, uma das melhores leituras que tivemos ao longo do ano.
O livro lançado pela Marvel com a equipa criativa de Kieron Gillen, Salvador Larroca e Edgar Delgado deu-nos uma visão mais profunda de Darth Vader sem nunca desacreditar a sua icónica e temível presença. Existem momentos incrivelmente emotivos e de grande relevância para a história que conhecemos desde Star Wars: Episódio IV – Uma Nova Esperança, nunca antes contados nos filmes, que adicionam ainda mais profundidade ao vilão mais adorado de sempre e, se possível, fazem-nos gostar ainda mais dele.
6 – Monstress
Poucas bandas desenhadas compõem mundos de aventura e fantasia visualmente tão apelativos e estranhos como o que a escritora Marjorie Liu e a artista Sana Takeda nos apresentam com Monstress. O seu livro é complexo, um desafio, mas a recompensa é uma história exuberante, onírica e cheia de personagens robustas. À superfície é a história de uma jovem mulher e um monstro que vive dentro dela, num universo onde as bruxas comem os pequenos seres mágicos. Mas em 2016 desdobrou as suas asas escuras numa história que trata de assuntos como a desigualdade, a política, e a raça – uma reflexão séria sobre os problemas do mundo real, examinados através da fantasia.
5 – March Book Three
O congressista John Lewis, Andrew Aydin e Nate Powell concluem a viagem autobiográfica da jornada de Lewis pelo Movimento dos Direitos Civis, e a importância deste livro não pode ser exagerada. Lewis desempenhou um papel fundamental no combate à desigualdade racial ao longo dos anos ’60 (e além), e esta banda desenhada captou habilmente aquela batalha, seja contra a legislação de Jim Crow ou até mesmo as autoridades estatais que tentaram bloquear a campanha de votação do movimento no Alabama. Este foi um trabalho que contou de modo versátil, emocional e poderoso um dos momentos mais marcantes da história americana.
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4 – Moon Knight
A tomada radical de Jeff Lemire e Greg Smallwood no Punho de Khonsu é uma visão singular e desorientadora. Lemire – que abordou doenças mentais em outros livros como Bloodshot e The Underwater Welder – toma as rédeas de uma personagem que já foi um mercenário salvo pelo Deus egípcio da lua. Este homem, desde então, vestiu-se como um vigilante chamado Moon Knight, protegendo aqueles que viajam pela noite. Lemire pergunta o que a maioria dos leitores talvez já se tenham perguntado antes: é esse um comportamento normal, mesmo para os padrões dos super-heróis? Adicionemos a isso a nota de rodapé histórica que o termo “lunático” traduz-se como “lua doente”, e Lemire e Smallwood têm a personagem perfeita para dissecar a doença mental de uma perspectiva original. Este foi um livro que, por vezes, conseguiu levar o próprio leitor a duvidar da sanidade e da realidade que Marc Spector teima em aceitar.
3 – Bitch Planet
O conceito de Bitch Planet tipo filme grindhouse onde mulheres “non-compliant” vão para uma prisão interplanetária e têm que depois competir numa batalha estilo Jogos da Fome até à morte parece ser bastante divertido. E a verdade é que é. Até para além das expectativas.
Os melhores momentos deste livro estão, no entanto, nos detalhes e na atenção dada a cada prisioneira desta prisão. Kelly Sue DeConnick já se destacou bastante com o seu trabalho para a Marvel com Capitã América mas neste livro temos, de longe, o seu melhor trabalho até à data em colaboração com o artista Valentine de Landro. Este ano, os dois deram-nos uma perspectiva profunda sobre a relação pai-filha na história da reclusa Meiko Maki, uma bela e devastadora narrativa que pede aos leitores que considerem como a raça, sexismo e violência formam cada um de nós. Esta é uma banda desenhada que abraça o seu conceito de modo corajoso e raramente nos dá as respostas satisfatórias e confortáveis que estamos habituados como leitores. É uma história que exige dos seus leitores perguntas após a conclusão de cada número.
2 – Black Panther
Uma das grandes lutas que as editoras têm enfrentado nos últimos tempos tem sido a inclusão de várias raças e etnias em números de banda desenhada, quer se trate da personagem principal da história ou até mesmo da própria equipa criativa por detrás dela. Black Panther gerou muita emoção por esse motivo quando foi anunciado que Ta-Nehisi Coates tomaria a liderança narrativa desta banda desenhada. Mas os louros desta banda desenhada não pertencem apenas à escolha da equipa criativa, mas também à história em si.
Com momentos e personagens secundárias tão cativantes que, por vezes, pareciam rivalizar T’Challa no seu papel principal, a narrativa de Black Panther foi mais uma das surpresas positivas do ano de 2016 em relação a histórias de super-heróis. Apesar de não se reservar de momentos típicos do género, este livro conseguiu ter um equilíbrio perfeito ao colocar temas intrigantes como política e discussão social à mistura. O peso da expectativa poderia ter esmagado até a mais brilhante das séries, mas Black Panther deixou orgulhosos todos aqueles que tiveram o prazer de mergulhar na sua história.
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1 – Vision
Já falámos em desafiar expectativas, não foi? Surge, então, o melhor exemplo disso mesmo, lançado pela Marvel no final de 2015 mas cujo auge aconteceu neste ano que passou.
Vision deixou de parte a ideia que adquirimos com a personagem que foi introduzida no mundo cinematográfico em Vingadores: A Era de Ultron e em vez disso surpreendeu com uma história trágica e sombria sobre humanidade e família. Um verdadeiro épico shakespeariano em 12 partes, Vision conseguiu enlaçar o seu publico, não só pela arte brutal mas também pelo ritmo quase sufocante que tornava cada virar de página um acto assustador mas, ainda assim, impossível de evitar.
O conflito entre a natureza robótica das personagens e o ambiente doméstico suburbano em que elas estão inseridas permitiu que Vision cavasse profundos poços de emoção, que transbordaram várias vezes ao longo da execução do livro. É um exemplo extremamente positivo sobre o que as bandas desenhadas de super-heróis ainda nos podem oferecer e como agarrar um leitor do inicio ao fim da série inteira.