Já falámos ao longo desta série de artigos de várias religiões que existem no mundo d’A Guerra dos Tronos – a fé de R’hllor, a fé dos Sete, a religião do Deus Afogado… Mas há outra grande seita que, apesar de não ter grande número de seguidores presentes na série, tem uma reputação muito forte. Os adoradores do Deus das Muitas Faces, conhecidos por aqueles exteriores ao culto como Homens Sem Rosto, estão sediados em Braavos, na Casa do Preto e do Branco. Como se referem estes Homens Sem Rosto a si mesmos? Não se referem, porque não são ninguém.
Os Homens Sem Rosto são famosos em todo o mundo conhecido, tanto em Westeros como em Essos, por serem os melhores assassinos que é possível contratar. Pelo preço certo, os Homens Sem Rosto matarão a pessoa indicada pelo comprador de um modo discreto, limpo, que seja impossível de relacionar à pessoa que fez o pedido. Porém, não são apenas simples assassinos. Eles veneram o seu Deus, o Deus das Muitas Faces, que é alternativamente conhecido como o Deus da Morte. Acreditam que ele é o único Deus que existe verdadeiramente. Os primórdios desta religião remontam à civilização perdida de Valyria, que era sustentada pelo trabalho escravo. Diz-se que o primeiro Homem Sem Rosto compreendeu que todos os escravos das minas pediam a libertação ao mesmo Deus da morte, invocando-o por diferentes nomes. Assim, este Deus da Morte está presente em todas as grandes religiões, recebendo sempre diferentes “faces”. Em Westeros, por exemplo, é o Estranho, um dos Sete Deuses.
O preço pedido para levar a cabo um assassínio altera-se de acordo com muitas variáveis. Uma viúva pobre que quer mandar matar o banqueiro que a defraudou poderá pagar apenas um preço simbólico, que lhe seja acessível, enquanto um nobre que deseje matar alguém por ganância ou despeito poderá pagar uma pequena fortuna. Por vezes, o preço pode nem sequer ser monetário: para cometer um assassínio, os Homens Sem Rosto podem exigir a morte de outra pessoa. Por exemplo, se um senhor poderoso os contratasse para matarem o filho do seu maior inimigo, eles poderiam em troca exigir a vida do seu próprio filho. Se o preço for recusado, o contrato não se levará a cabo. Quando Arya salvou a vida de Jaqen H’ghar (este, obviamente, seria um nome falso, tal como o rosto que a personagem usa será falso) e dos dois outros prisioneiros que se encontravam com ele na carroça que seguia para a Muralha, Jaqen ofereceu-lhe a morte de três pessoas, porque “só a morte pode pagar pela vida”.
Os seguidores deste Deus acreditam que a morte é um fim desejável, o único modo de acabar com o sofrimento. Eles existem para oferecer esta dádiva aos outros mortais. Podem oferecê-la a quem a procura: por exemplo, recordemos a cena na série na qual um pai leva a sua filha doente para a Casa do Preto e Branco, para que os Homens Sem Rosto ponham fim ao seu sofrimento; Arya dá-lhe a beber do poço que existe no meio da sala principal da Casa, cujas águas negras estão envenenadas. Este obscuro santuário está aberto a todos aqueles que estão em sofrimento e procuram a libertação final, sejam eles quem forem, adorem os Deuses que adorarem. A dádiva pode também ser oferecida àqueles que os Homens são contratados para assassinar. Mas como pode isto ser um modo de adoração divina? Os Homens Sem Rosto acreditam que o facto de terem sido contratados para assassinar uma pessoa é uma prova de que o destino reserva a morte a essa pessoa, de que o Deus o escolheu para morrer. Nada acontece por acaso, e aquilo que pode parecer uma decisão daquele que paga aos assassinos é na realidade a vontade do Deus a manifestar-se através dos humanos. Mas então, porque não podem decidir eles quem deve morrer? Porque não pode o Deus manifestar-se através das decisões deles? Porque eles não são ninguém, e uma entidade não existente não pode tomar decisões.
De modo a tornarem-se perfeitos instrumentos do Deus e a garantirem que a sua tarefa divina não é interrompida pelas suas próprias vontades ou preferências, os Homens Sem Rosto devem, ao longo do seu treino, prescindir da sua identidade. Através desta abnegação total e absoluta, eles podem tornar-se merecedores de saber os segredos deste culto do Deus da Morte, que incluem as suas maneiras secretas e sigilosas de matar e os meios mágicos através dos quais podem utilizar as caras que guardam no Salão das Faces. Este Salão é a divisão na qual são armazenadas (dispostas em colunas que preenchem o espaço até onde os olhos alcançam) as faces daqueles que morrem dentro da Casa do Preto e do Branco. Não é sabido se apenas aqueles que morrem de forma voluntária são acrescentados ao Salão, ou se todas as vítimas cujos corpos é possível surripiar passam a integrar nesta sinistra colecção. Talvez também os corpos de mendigos ou indigentes mortos de causas naturais (logo, reclamados pelo Deus) possam ser colectados para este propósito.
O culto do Deus das Muitas Faces não tem nenhuma prece que seja conhecida. Eles têm, porém, duas frases em Valiriano que repetem muitas vezes, e que se tornaram conhecidas como o seu lema: “Valar Morghulis” (todos os homens têm que morrer), e “Valar Dohaeris” (todos os homens devem servir).