Quero começar por dizer duas coisas:
- Este filme não é uma comédia
- Eu não estava à espera deste filme
Eu não sabia quase nada deste filme. Quando me disseram que tinha de escrever a crítica, nem sequer reconheci o nome.
Fui à procura e vi o trailer, vi este poster:
O filme é publicitado como uma comédia! Uma comédia parva! O filme chama-se American Ultra – Agentes Improváveis!
Na realidade é um stoner-movie combinado com um spy-movie!
Um stoner movie conta sempre a história de um pedrado que se mete num enorme problema, e que depois tem de o resolver durante o seu estado de “pedradice” terminal. Hilarity ensues.
Os filmes de espionagem vêm em vários sabores, mas são sempre acerca de uma personagem badass com capacidades fantásticas para resolver problemas complicadíssimos, habitualmente envolvendo violência e explosões, mas sempre dando a aparência de que é completamente fácil e sem nunca se despentear.
Pontos extra se essa personagem começar como uma pessoa banal com quem o público se possa identificar, e que só depois descobre que afinal sempre foi badass!
Há anos que se fazem filmes sobre pessoas que são secretamente muito badass, e habitualmente nem sabem disso. As mães quarentonas tiveram um filme em que não sabiam que eram badass, os reformados tiveram um, os yuppies tiveram um, os adolescentes marginalizados tiveram um, até as pessoas genéricas e sem personalidade mereceram um, e desta vez é a vez dos pedrados terem um.
E esta é uma boa premissa para um filme! Combinar estes dois géneros de cinema, contar a história de um pedrado que tem de ser um super-espião, é uma ideia divertida, até é original! É um filme que eu quereria ver!
Era disso que eu estava à espera.
E a verdade é que todos esses elementos e tropes estão presentes no filme, só que o filme não é uma comédia.
Em vez disso o filme pega em todos estes tropes e desconstrói-os.
Neste filme, pedrado é uma coisa potencialmente má, com consequências negativas para a vida de uma pessoa. Subitamente começar a ter pessoas a quererem matar-nos é aterrorizante, o governo andar a brincar com a cabeça das pessoas destrói-lhes a vida e é imoral.
Os tropes que estariam presentes numa comédia stoner-spy, são apresentados com um realismo e com uma crueza quase agressivas.
O próprio filme representa uma violência física cheia de pormenores realistas desconfortáveis que não é habitual para este tipo de filmes, muito menos de comédias. A personagem principal vai ficando progressivamente com pior aspecto ao longo do filme, cada vez mais esmurrado e sangrento e em dor.
A relação entre as duas personagens principais é perfeitamente credível e por causa disso os problemas relacionais e as quebras de confiança que surgem são tão mais dolorosos de ver.
Outra coisa que achei interessante é que não há nunca um julgamento moral acerca do facto de ele ser um pedrado.
Mostra vários aspectos da cultura de consumo de cannabis americana, que agora está a popularizar-se, mas o filme nunca os mostra a serem abertamente criticados ou sequer elogiados. São simplesmente um aspecto da personagem, que a torna mais única e idiossincrática e curiosa, como o facto de o James Bond estar sempre a beber álcool.
E no entanto, apesar de ter toda esta violência física e emocional, apesar de ser um filme de desconstrução, nunca deixa de ser um stoner-spy movie!
A personagem principal fala como um pedrado, ele faz os erros típicos de um pedrado, ele faz piadas de pedrado, ele passa o filme inteiro pedrado. E essas cenas são muito cómicas, têm imensa piada!
Eu ri-me alto muitas vezes durante este filme, mas não porque o filme estivesse activamente a fazer piadas, simplesmente porque toda a construção da narrativa levou a cenas muito cómicas.
Mais ainda, como filme de acção/espionagem, o filme é óptimo! As sequências de acção estão muito bem coordenadas, são divertidas, entusiasmantes, transmitem mesmo a sensação de que ele é quase um super-herói imparável e muito muito fixe (ele no fim até está vestido como o James Bond e a ser um super-espião badass!).
O filme inclui outros aspectos típicos dos filmes de super-heróis, podendo quase ser entendido como uma história de origem, para além de o personagem central estar sempre a inventar personagens de banda desenhada, e a sequência final ser exactamente essas personagens de banda-desenhada a encenarem uma cena de acção do filme.
É bem possível que isso não seja por acaso, dado que o filme foi escrito por Max Landis, que já tinha escrito o filme de desconstrução de super-heróis, Crónica.
As interpretações do filme são excelentes, com Jesse Eisenberg a provar mais uma vez que consegue dar credibilidade e intensidade a qualquer personagem que lhe dêem para as mãos. O filme tem um elenco de famosos secundários entre os quais Topher Grace, John Leguizamo, Tony Hale e Bill Pullman.
Só a Kristen Stewart é que deixa a desejar. Não é que ela seja má actriz, ela sabe definitivamente dar intensidade à personagem, mas ao passo que todos os outros actores tornam as suas personagens memoráveis e vendem-nas muito bem, a personagem da Kristen Stewart é neutra e esquecível. Também pode ter a ver com a maneira como a personagem está escrita, mas não acho que seja.
A cinematografia do filme é muito boa, o ritmo da realização serve muito bem o tom do filme, e não me espanta que o realizador, Nima Nourizadeh, um estreante, antes disto andava a realizar anúncios para a Adidas misturando o Star Wars, os Daft Punk, o Jay Baruchel, o David Bekham e o Snoop Dogg.
Finalmente a banda sonora é óptima, e tem surpreendentemente muito Surf Rock.