“Monster Swamp”

Tenho boas notícias e boas notícias! Quais queres ouvir primeiro?

A boa notícia é que este episódio foi espetacular e mostra que a série sabe de facto o que está a fazer. A boa notícia é que eu finalmente compreendi esta série e posso explicar-te.

Imagina que o The Walking Dead, com a sua iconografia americana do xerife com chapéu de cowboy e do motoqueiro com casaco de cabedal que tem de pôr em causa os seus valores morais face a um mundo cruel, violento, agressivo e sujo, no qual as regras da sociedade se desfizeram no caos, sai num encontro com o Breaking Bad, também com a sua iconografia americana dos subúrbios americanos e do pai de família pacato que se vê corrompido pela doença e pela ganância numa espiral de auto-destruição e humor negro. No seu encontro, o The Walking Dead sente-se incompreensivelmente atraído pela higiene e aparente moralidade de Breaking Bad e é demasiado intenso nos seus avanços, quase tornando-se violento na sua frustração. O que o The Walking Dead não sabe é que o Breaking Bad está na realidade e manipulá-lo e pôs-lhe um comprimido na sua bebida para poder abusar dele. Dessa relação não-consensual nasce um filho que o The Walking Dead usa para chantagear o Breaking Bad a ficar com ele para sempre numa relação pouco saudável e prejudicial para todos, e sobretudo para esse filho que cresce para se tornar no Preacher.

Walking-Dead-Breaking-Bad

Preacher é uma exploração da imagética americana. É um retrato feio e muito desconfortável da América profunda, na qual os polícias são broncos e corruptos, as pessoas são egoístas e mesquinhas, as fábricas e indústrias são poderosas e intocáveis. A civilização e estrutura social de Breaking Bad estão presentes, mas em vez de termos uma suburbia limpinha que esconde um conflito entre o bem e o mal, temos uma cidade poeirenta com uma civilização já corrupta em que o conflito não é tão claro porque todas as personagens são desagradáveis e ambíguas. The Walking Dead mostra-nos que depois de um apocalipse de zombies a sociedade tornar-se-ia brutalizada, com cada um por si mesmo e a recorrer à violência para sobreviver. Preacher mostra-nos que mesmo antes dos zombies as pessoas já não eram lá grande coisa e que não é preciso um apocalipse para que a brutalidade e a violência ocorram.

Os conflitos entre as personagens de Preacher são tão pequeninos, mesquinhos e egoístas, que a violência que deles surge não pode senão ser tratada comicamente, porque seria demasiado trágico tratá-la realisticamente.

A cena em que Odin Quincannon está a dizer aos seus trabalhadores que não podem andar a caçar prostitutas à noite no meio do bosque com armas de paintball, porque senão ainda alguém se aleija ou cai num poço de fezes e morre, e diz às prostitutas que têm de ter mais cuidado onde põem os pés, é filmada de forma tão seca, a interpretação de Jackie Earle Haley é tão dona da verdade, que a nossa reacção face a tal insensibilidade e desrespeito não pode ser senão rirmo-nos do ridículo da situação. É neste meio termo entre a violência agressiva de The Walking Dead e o humor negro desconfortável de Breaking Bad que Preacher existe. Se The Walking Dead é óbvio como um tiro de caçadeira no peito, e Breaking Bad é subtil como um conflito emocional interno dilacerante, então Preacher está a enfiar o dedo numa ferida infectada com as suas unhas sujas.

Depois desta descrição desnecessariamente gráfica dos meus devaneios analíticos e pretensiosos, vamos falar de algumas cenas deste episódio que para mim mostram que quem está a fazer isto sabe perfeitamente o que é que está a fazer!

Preacher-Pro

Para começar acho que devíamos criar uma petição para substituir todas as sequências inicias de “Previously, on Preacher” pelo Cassidy sentado numa cadeira a falar com o espectador e a explicar o enredo até esse momento. Essa cena inicial do episódio é brilhante. Temos Cassidy muito ressacado a tentar explicar ao Jesse que há dois anjos que ele tentou matar duas vezes, de uma forma muito confusa e convoluta, num plano de sequência que os segue aos dois enquanto Jesse está a apanhar as suas coisas para sair de casa. O espectador já conhece a história que Cassidy está a tentar contar e sabe exactamente como é que acaba, mas é extremamente divertido vê-lo a tentar explicá-la a um Jesse que nem sequer lhe está a prestar atenção.

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Primeiras Impressões | Mayoiga

Ainda na cena do Odin Quincannon a falar aos seus empregados, há aquele pormenor fantástico dele a subir para uma caixa de maçãs e a falar através de um megafone velho com os cabos enredados. É um detalhezinho de nada, se não estivesse lá nada mudava, mas que naquele momento contribui para a sensação de desconforto e ridículo da situação. Igualmente, essa cena podia perfeitamente ter acabado com o plano que abre para mostrar a escavadora ao lado do buraco e as pessoas a irem-se embora, mas não, a série faz questão de mostrar o corpo morto pendurado na escavadora a ser lavado com uma mangueira. É outro pormenor que não acrescenta nada ao enredo, mas que transmite com imensa força a desumanidade e o desconforto presente na série.

Cada vez gosto mais dos dois anjos. Enquanto que ao início eram ameaçadores no seu silêncio, agora vejo a sua inexpressividade como uma falta de habilidades sociais para lidar com o mundo mortal. Parecem-me tolos e desajeitados, quase vulneráveis. Adorei ver o anjo louro e alto a comer Doritos, aparentemente pela primeira vez.

Tivemos também as primeiras cenas que nos mostram algo da infância de Jesse, com o seu pai numa igreja idílica. A cena em que o pai de Jesse lhe bate com o cinto para lhe ensinar uma lição acerca de dar um exemplo aos outros foi tão mais difícil de ver pela naturalidade com que aconteceu.

Preacher-Emily

Estou a adorar a personagem da Emily, a rapariga que ajuda Jesse na igreja, interpretada pela Lucy Griffiths. É uma personagem muito serena, muito contida, quase monocórdica, mas Lucy Griffiths consegue dar-lhe um peso enorme por baixo de toda aquela contrição cristã. A cena em que ela está na cozinha e entra o Mayor também está fantasticamente escrita. Inicialmente ficamos na dúvida sobre se ele é o marido dela, mas depois percebemos que não, que ele está só a ajudá-la a tomar conta das crianças, mas depois está a tentar seduzi-la e voltamos a ficar de pé atrás com ele, depois ela subitamente e friamente pergunta-lhe se ele sabe que ela nunca vai ficar com ele, transmitindo-nos a impressão que isto é uma coisa que já acontece há muito tempo e voltamos a ficar um bocadinho do lado dele, e depois ela levanta-se e sugere-lhe que tenham sexo, e ele vai atrás dela, e tudo o que pensávamos acerca da Emily desfaz-se. É uma cena com tantas camadas, com tantos passos emocionais para a frente e para trás, com imensa subtileza no diálogo e nas interpretações, e que constrói esta personagem dando-lhe profundidade e tridimensionalidade de uma forma (como sempre) quase desconfortável.

A cena entre o Odin Quincannon e o Mayor da cidade demonstra mais uma vez a enorme ameaça e agressividade que está debaixo da superfície. Odin Quincannon é extremamente perigoso e mal posso esperar por vê-lo explodir.

“He just took care of them. Didn’t ask, didn’t warn, didn’t get angry. He just did what needed doing”

Adorei ver o Cassidy como um rei, rodeado de drogas e a receber um felácio. Melhor representação do hedonismo de sempre.

Preacher-Cassidy

A Tulip também começa a ter uma representação mais complexa, e vê-mo-la a tentar ensinar alguma moralidade aos homens e mulheres na casa das prostitutas, e toda a gente a ignorá-la. É um afastamento da personagem da Tulip na banda-desenhada que, apesar de ser uma personagem feminina forte, acabava a maior parte das vezes por ter pouca agência e por ir atrás das aventuras do Jesse e do Cassidy. Aqui aprece-me que vai ter mais iniciativa.

A cena final na igreja é extremamente poderosa também. Depois de conseguir atrair toda a gente à igreja com a promessa de uma televisão gigante, Jesse faz um sermão em que destrói e insulta toda a gente, apenas para no fim tentar converter o mais inconvertível deles todos, o próprio Odin Quincannon. No fim, ele acaba a usar o seu poder para obrigar o Quincannon a fazer o que quer, e não faço ideia nenhuma de para onde é que isto vai!

Este para mim foi o melhor episódio até agora. A série está finalmente a avançar para a frente, a narrativa está a tornar-se mais coesa, e agora com um telefonema directamente vindo do Céu, estou extremamente entusiasmado para ver o próximo episódio.

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Qual foi a tua cena preferida deste episódio?