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Ao iniciar um novo jogo a primeira coisa que ouvimos é a voz do narrador sobre um ecrã preto. Logo de seguida vemos o “miúdo”, o nosso herói, deitado no chão. O narrador descreve a situação e cala-­se, uma nota tensa como música de fundo. E nada mais acontece. Até que o jogador estranha e carrega em algum botão, o miúdo acorda, o narrador recomeça a narrativa, a música torna-­se uma batida energética e o mundo desenrola-se à nossa frente.

Este desenrolar é literal, até porque esta é a assinatura artística de Bastion. À medida que movimentamos o miúdo, o caminho e os objectos vão surgindo à nossa frente onde antes apenas havia o vazio. A verdade é que os níveis consistem apenas num conjunto de corredores e salas bastante limitadoras, mas a maneira como o mundo nos é apresentado retira-nos essa noção e cria uma sensação de exploração e descoberta. Alia-se a isto um estilo visual bem conseguido, consistente e original e o resultado é um dos maiores pontos fortes do jogo.

Bastion-Combate

O mundo vai surgindo e com ele armas e inimigos, claro. Swampweeds, windbags, pincushions, stinkeyes, lunkheads, rattletails. Os nomes e descrições dos inimigos atribuem personalidade ao mundo que nem se vê muito, mas que transparece ao longo de todo o jogo. Vai surgindo no ecrã qual o botão para utilizar as armas adquiridas, o narrador faz um comentário sarcástico e estamos por nossa conta.

A jogabilidade não é interrompida para te dizer que o escudo reflecte as balas de canhão de volta para os inimigos, para te explicar que se bloqueares uma investida o adversário fica atordoado, para te contar que se largares a corda no momento exacto a flecha sai com extra força e perfura vários inimigos. O jogador é incentivado a aprender jogando, sem interromper o ritmo de jogo. O único reconhecimento de que algo de novo foi feito são os comentários do narrador. E também neste ponto Bastion cria uma sensação de descoberta e exploração que outros jogos insistem em destruir com tutoriais obrigatórios e invasivos.

Por vezes há secções sem acção onde nos limitamos a explorar e a ver o mundo surgir à nossa volta. O narrador narra o mundo e a nossa interacção com o mundo dá material ao narrador. É uma simbiose.

À medida que avançamos e nos deparamos com novos cenários e acontecimentos a narrativa acompanha cada descoberta. É através dela que vamos compreendendo o que se passou no mundo de Bastion, as culturas e conflitos envolvidos, os sentimentos e motivações das personagens. Há um livro escondido nas entranhas de Bastion que transpira cá para fora através da voz do narrador ao comentar o ambiente, as nossas acções, os inimigos, a nossa utilização das ferramentas ao nosso dispor, a nossa interacção com as outras personagens. Toda a mecânica de jogo está coberta por uma camada de enquadramento no mundo que enriquece ambas as partes. De certo modo Bastion é um livro lindamente ilustrado com uma história contada de forma simples, mas envolvente e até complexa, que foi transformado em jogo. Por vezes há secções sem acção onde nos limitamos a explorar e a ver o mundo surgir à nossa volta. O narrador narra o mundo e a nossa interacção com o mundo dá material ao narrador. É uma simbiose.

Bastion-Explorar

A música adapta-­se ao ambiente e ao nível de acção do momento de forma orgânica, há momentos em que ela muda e nos tornamos conscientes dela onde o jogo de repente ganha uma dimensão extra. O estilo varia entre simples som ambiente, country instrumental, percussão acompanhada de instrumentos clássicos, e guitarra clássica com vocais.

Se tentarmos apressar demasiado um nível vamos ser punidos com combinações de inimigos cujas habilidades e posicionamento requerem alguma estratégia, mas o jogo tem poucos momentos que podem ser considerados lentos. A jogabilidade é simples, responsiva, e acomoda diferentes abordagens através das várias combinações de armas disponíveis, tal como as várias alterações que podemos fazer a cada uma delas.

Também a dificuldade é customizável através de um sistema que nos permite atribuir a todos os inimigos melhores estatísticas e novas habilidades em troca de mais pontos de experiência ao derrotá-los. Toda esta profundidade é completamente opcional mas possibilita uma jogabilidade verdadeiramente variada a quem esteja interessado em explorar este aspecto e conquistar os desafios opcionais que o jogo nos propõe.

Bastion-Concluir

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Dito tudo isto, Bastion não é ausente de defeitos se os quisermos encontrar. Se olharmos através da excelente apresentação a estrutura das várias zonas é realmente limitada e até linear. Teria sido óptimo se o aspecto artístico fosse um acréscimo a um bom level design em vez de uma capa que, embora muito boa, se limita a disfarçar o medíocre. E já que estamos a separar cabelos, Bastion comete também o crime de permitir que andar constantemente às cambalhotas seja mais rápido do que simplesmente andar. O que é suposto ser uma ferramenta de mobilidade em batalha torna-se um meio de transporte.

Em Julho de 2011, dois anos depois de Braid ter colocado a comunidade de jogos indie na ribalta e um ano depois de Super Meat Boy provar que ainda há espaço para experiências puras e cruas, Bastion mostrou-­nos que não precisamos de pagar 50­€ a 60€ por uma experiência da mais alta qualidade numa industria cheia de vícios (como todas as outras).

É tudo o que um videojogo deve ser. Não é perfeito, mas tem um balanço ideal entre todos os seus componentes: narrativa, apresentação, som e jogabilidade. Se um dia alguém que não joga te perguntar o que torna o gaming um meio artístico legítimo, oferece-­lhe esta obra.

Bastion foi desenvolvido pela Supergiant Games (o seu primeiro título, por sinal), está disponível para PC, Xbox 360, Playstation 4 e Playstation Vita.

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Gosto de coisas e gosto de explicar às pessoas o porquê das coisas que eu gosto serem boas. Também gosto de explicar o porquê das coisas que elas gostam serem más. É mais ou menos isso que ando aqui a fazer.