Salsicha Party é um filme que parte para os cinemas com, pelo menos, um nome sui generis que, devidamente enquadrado na linha rude que faz questão de assumir, chamará a atenção de todos aqueles que gostam de cinema de comédia e que sentem um especial gozo em narrativas construídas sobre bases indecentes e alienadas.
O fator animação é, claramente, uma injeção de esteróides no tom de gozo com que o filme se reveste do início ao fim e que, por distração de algumas pessoas, levou o trailer deste Salsicha Party a ser apresentado, em cinemas norte-americanos, antes de alguns filmes de animação infantis, perante o olhar confuso das crianças e a admiração dos pais enquanto viam uma salsicha a querer saltar para a cueca de uma pão de cachorro. (Admira-te, então, com o facto das entidades suecas terem rotulado o filme como adequado para +11 anos… Ah, mentes modernas!).
Bom, mas então, estamos perante que tipo de filme?
Basicamente, um mix animado de sexo, comida, violência e provocações. Dito assim pode parecer demasiado leviano mas deixou-te, certamente, a pulga atrás da orelha.
Ora, comecemos pelo início:
Frank, uma salsicha que partilha o pacote (entenda-se, local onde se encontra hermeticamente fechado) com mais uns companheiros similares, vive embeiçado por Brenda, uma pão de cachorro quente com o ar mais vaginal possível. Ambos estão lado a lado na prateleira de supermercado à espera de serem escolhidos pelos humanos e levados para um além paradisíaco, desejo que, aliás, é partilhado por todos os objetos passíveis de compra naquele espaço comercial. Porém, com o regresso de um jarro de mel mostarda – após uma devolução de quem o comprou – a verdade começa a ser descoberta e, aos poucos, todos descobrem o que nós, humanos, fazemos a todos aqueles desgraçados: comemo-los brutal e violentamente!
Gera-se, assim, o motivo de revolta e tentativa de sobrevivência que traz à tela uma chuva de estereótipos e clichés propositados e que nos são esfregados descaradamente na cara, com cenas deliciosa e estranhamente violentas que nos fazem rir com regularidade, culminando numa orgia alimentar descomunal (literalmente).
Talvez, ver este filme com mais espírito intelectualóide do que merece pode fazer a diferença entre gostar imenso ou achá-lo uma alarvidade.
Salsicha party é um bacanal de irreverência onde não passam ao lado as críticas políticas, troças à indústria de animação, alfinetadas religiosas e gozo aos padrões morais do bem parecer. Consegue fazer isso tudo de forma positiva? Talvez não mas, honestamente, ao contrário de algumas críticas internacionais, não me parece que os seus criadores quisessem ser pretensiosos demais e serem capazes de criar aqui algo mais do que as suas limitações lho permitem ser. Se, por outro lado, queriam ter aqui um elemento ativista contra os pecados sociais modernos (o que não me parece, repito)… Então, creio que não conseguiram chegar lá.
A título de exemplo, como um filme típico de animação, depois de toda a tempestade vem a bonança e tudo fica bem – aqui, o tal bacanal, já enunciado atrás, é a representação desse “felizes para sempre” que aqui soa mais a uma troça dos seus pares sérios do que, como alguns críticos interpretaram, uma representação do que deviam ser a génese dos conflitos humanos: todos nos darmos bem, promovendo a paz e o amor sem usurpações morais, sociais ou culturais. Ah, utopia…
Sejamos fácticos, estamos perante uma história com o seu quê de criatividade e que resulta. O sentido satírico é evidente, mas dele se movem muitas comédias de referência no cinema que não tem maior objetivo do que o de entreter eficazmente. A esse ponto – e com o espírito certo – não vejo que o filme possa falhar em muitos aspetos. A dada altura podemos sentir um certo saturar de sabores no palato cinéfilo, dada a dose imersiva de uma estrutura de sabores apalermados mas, no meu caso, não me provocou qualquer indigestão. Sim, a nível técnico não há nada de brilhante, mas comparar esses aspetos com outros trabalhos animados, no caso concreto, não me parece fazer sentido. Não foi isso que os autores do filme pretenderam.
Eventualmente essa ligeireza que se inspira desde o início leva-nos a perdoar várias gralhas – afinal, reitero, há aqui uma aparente dose de experimentalismo que deve ser tomada de nota de rodapé – caso contrário, correríamos o risco de sentenciar facilmente o projeto por não ter capacidade de ser considerado algo realmente sério.
Refira-se que, Salsicha Party, é fruto de dez anos de trabalho de Seth Rogen (que contou com ajuda de Evan Goldberg e Jonah Hill na criação da história), conhecido maioritariamente por papéis igualmente aparvalhados, e que aqui conseguiu criar uma animação que, no mínimo, é uma lufada de ar fresco nos últimos tempos. Goste-se ou não.
No Box Office americano já conta com um encaixe superior a 90 milhões de dólares, valores muito bons para um filme que custou cerca de 12 milhões de dólares a fazer. O público tem reagido bem (a crítica, essa, tem opiniões díspares) e Rogen parece estar tão satisfeito que já fala na possibilidade de vir aí uma sequela.
Não é, de todo, um filme de topo de tabelas, de explosões emocionais, de excitação da sétima arte, mas não invalida que não lhe reconheçamos o mérito de ser diferente e injetar boa disposição. E, num período em que o cinema (fundamentalmente o norte-americano) parece preferir a reutilização exaustiva de receitas inumeravelmente mastigadas, Salsicha Party é um filme muito bem vindo.