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É obsceno que Terry Pratchett não seja mais publicado em Portugal. Pode-se contar pelos dedos de uma mão o número de obras suas que foram traduzidas em português. E nenhuma da massiva saga Discworld.

Os leitores portugueses não sabem então o que estão a perder – o que é, discutivelmente, os melhores livros que o género da Fantasia tem para oferecer.

É bastante complicado descrever Pratchett para quem não o conhece – as suas obras passam-se maioritariamente num mundo em forma de disco, suportado nas costas de quatro elefantes que por sua vez se equilibram na carapaça de uma tartaruga gigante, Great A’Tuin, e as suas histórias apesar de cheias de fadas, elfos e duendes, têm a tendência a ser mistérios sobre homicídios ou thrillers, misturados com uma boa dose de sátira sobre a condição humana. E tal como acontece com as melhores obras de Fantasia, uma viagem com trolls, bruxas, e rabugentos guardas das muralhas, provoca uma inspeção do nosso próprio mundo. Mas o que outros autores realizam isso com leves alusões, Discworld fá-lo com um martelo. E com leves alusões, também. E depois rouba-vos a carteira.

Os livros da série de Discworld têm história, humor e filosofia – em mais lado nenhum se pode rir até doer a barriga e ter lágrimas nos olhos enquanto se é obrigado a pensar tanto, tudo enquanto se recebe um excelente enredo. O autor mais parecido com Pratchett é só mesmo Shakespeare.

Porque Terry Pratchett não era apenas engraçado, ele era transcendente. Existem muitos escritores com piada, alguns até hilariantes mesmo, e alguns até conseguem fazer pensar ao mesmo tempo. Mas a maior parte dos humoristas, mesmo que sejam geniais, têm problemas no que toca a história. E quando se para de ler um desses livros, mesmo que tenham havido imensas gargalhadas, não se sente uma enorme vontade de regressar, pois não possuem o apelo de um bom enredo e não fazem o leitor às três da manhã pensar que precisa de ler mais um capítulo, como acontece com qualquer dos 41 livros da série Discworld.

Acontece que Pratchett tinha a habilidade para criar uma excelente urgência narrativa capaz de provocar insónias, mas também adicionava às suas histórias um nível de inteligência hilariante. E se isso não fosse suficiente, ele agredia o leitor com momentos de mordaz comentário – inesperado, desenvergonhado, e maravilhoso.

A série tem tudo o que a grande literatura precisa – exceto que também faz o leitor rir.

Terry Pratchett Portrait Shoot

Mas Terry Pratchett não era subvalorizado – foi traduzido em 37 línguas e vendeu 85 milhões de cópias, ele tinha multidões de fãs, e não se pode esquecer que era um Cavaleiro ordenado pela Rainha.

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Então porque não possuía mais prémios de literatura de alto nível? Já recebera um British SF Award, um Locus Award, mas nada de prémios Hugos, Nebulas, ou World Fantasy – por muitos considerados os maiores prémios para escritores de Ficção-científica e Fantasia – e muito menos prémios mais convencionais.

Será o humor? Talvez a maquilhagem de palhaço distraia, fazendo sorrir e afastando a atenção para longe das majestosas feições que estão por baixo? É sabedoria em Hollywood que até as melhores comédias não recebem os melhores prémios – se queres fazer dinheiro faz as pessoas rir; se queres ganhar prémios fá-las chorar.

Mas talvez tudo se resuma a que nunca ninguém vai concordar completamente no que é preciso para ser grande literatura. No entanto, é preciso admitir que há algumas coisas que os melhores autores têm em comum – e estas não faltavam a Terry Pratchett.

Uma delas é o uso consciente da linguagem. E cada palavra de Pratchett era escolhida com precisão, intencional e perfeita.

No que toca ao uso de alusão literária, ele era também um génio, e em vez de aludir apenas a épicos Gregos como a maior parte dos outros autores do género, Pratchett fazia alusões à cultura popular e história mais recente.

Outra medida de uma grande escrita é grandes personagens. E apesar de leitores mais distraídos poderem ignorar Pratchett neste aspeto devido às muitas caricaturas que povoam o Discworld, esses não são os principais nas suas histórias – os seus protagonistas têm coração, emoção, vontade própria, e acima de tudo, crescem.

Mas não interessa as razões, porque quem o conhece e já leu as suas obras sabe que ele no futuro será tão apreciado como Twain ou Dickens, e no fim só isso realmente importa.

E quando ele anunciou que sofria de Alzheimer em 2007, os seus fãs começaram logo a sofrer, culminando num luto geral quando faleceu em Março deste ano, aos 66, deixando para trás sem dúvida uma comunidade literária mais pobre na sua ausência. 

Muitas figuras públicas homenagearam o autor depois da sua morte – incluindo o Primeiro Ministro David Cameron, Terry Brooks, George R.R. Martin e Neil Gaiman –, e foi imortalizado com um grafitti em East London, pois Pratchett era um conhecido apreciador da arte de rua.

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Obrigado por todas as palavras, Sir Terrence.

Descansa em paz.

Já conhecias? Gostavas que esta saga fosse publicada em Portugal?
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  • Aléxio Da Luz Rodrigues

    Artigo inspirador. Tinha ouvido falar no videojogo (https://en.wikipedia.org/wiki/Discworld_%28video_game%29) mas desconhecia que era uma colecção de livros. Agora fiquei com o bichinho para ir dar uma olhadela 😉

    • Pedro Miguel Antunes

      É realmente uma saga épica. 41 livros e mais short stories? Se estiveres com medo de entrar em algo assim tão grande consegues facilmente encontrar online guias de leitura. Bom leitura 🙂