Ernest Cline – raros são os Portugueses conhecem o seu nome, e no entanto este é um dos maiores e famosos geeks de sempre.
E não custou muito para conseguir este estatuto, pois Cline só tem dois livros publicados – e nenhum deles infelizmente saiu em Portugal.
O primeiro, Ready Player One, conta a jornada de um adolescente sem dinheiro pelo ciberespaço para encontrar tesouros escondidos e salvar o mundo de uma corporação maléfica. Muitos livros e filmes invocam pop culture com um aceno e um picar de olho, mas de vez em quando aparece uma história que leva as coisas mais longe – uma história que é literalmente estruturada à volta de totens de nostalgia. Ready Player One é exatamente assim, muitas vezes enchendo uma parede de texto com referências dos anos 80 – por exemplo, a certa altura o protagonista tem que tocar o terceiro segmento do álbum 2112 da banda Rush para abrir um portão, noutras alturas diferentes foi obrigado a recitar por completo as falas dos filmes Jogos de Guerra e Monty Python e o Cálice Sagrado, e são raras as páginas que não falem num qualquer jogo da Atari ou de arcadas.
O segundo livro de Cline chama-se Armada, que também segue um adolescente com o poder de salvar o mundo – Zack Lightman é recrutado pelo governo devido à sua habilidade para jogar videojogos para parar uma invasão alienígena. Parece um rip-off do filme O Último Guerreiro do Espaço, mas a diferença é que Zack viu esse filme uma dúzia de vezes, tal como Cline. Num filme de zombies nunca ninguém viu um filme de zombies, tal como num filme com uma invasão alienígena nenhuma personagem viu o Dia da Independência ou A Invasão dos Violadores, ou jogaram Wing Commander ou Half-Life, mas em Armada as personagens estão todas conscientes de quão os extraterrestres estão embutidos na cultura popular mundial.
Mas Cline não faz uma lista das referências que quer enfiar nos seus livros antes de começar a escrever, apesar de muitos leitores acharem que é esse o seu processo criativo – ele simplesmente usa cultura popular organicamente, uma linha de diálogo de Top Gun – Ases Indomáveis ou Senhor dos Anéis surge porque ele escreve como fala com um grupo de amigos sobre os seus filmes, séries, canções e videojogos preferidos.
No entanto pode uma referência ser demasiado obscura? Para os leitores de Ready Player One e Armada que não alcançaram de imediato as referências todas, tornou-se uma espécie de caça ao tesouro, vendo os filmes mencionados nos livros, ou procurando na Internet as capas das revistas referidas e gameplays dos videojogos que as personagens adoram – a verdade é que não existem referências obscuras na era dos hiperlinks.
Heróis Fora de Órbita é uma paródia a Star Trek e é uma das muitas inspirações de Cline – ele adora em particular o mega fã da série Galaxy Quest (interpretado por um jovem Justin Long) que é repetidamente rejeitado pelo Capitão (Tim Allen) na primeira parte do filme, mas mais tarde a situação inverte-se quando o Capitão precisa dos conhecimentos do fanboy para poder deslocar-se pela nave espacial que foi reconstruida a partir dos planos da velha série de televisão. E pegar num detrito cultural que parece inútil e torná-lo na chave para resolver um problema é exatamente o que Cline adora fazer – em Ready Player One saber-se de cor um filme leva a uma vasta fortuna e controlo de um mundo virtual, e em Armada o videojogo preferido da personagem principal tinha sido feito pelo governo para treinar jogadores para controlarem drones para combater alienígenas. Para qualquer pessoa que tem uma certa habilidade que os outros gozam ou a cabeça cheia de coisas a que chamam de inúteis, é uma fantasia normal querer que isso tudo seja afinal valioso.
Os conhecimentos de Cline sobre ficção-cientifica e pop culture dos anos 80 são então lendários e essenciais para as suas obras, e é algo que vem desde que o autor era pequeno – ele cresceu obcecado com videojogos e filmes, e teve imensos brinquedos de Star Wars; quando chegou à adolescência os seus interesses passaram para Dungeons & Dragons e filmes de John Hughes. Cline ensinou-se a si próprio a ser guionista ao ler todos os guiões de Hughes do início ao fim e depois comparando-os às versões finais de cada filme.
Ele passou os anos seguintes a trabalhar num cubículo e à espera da estreia de Star Wars: Episódio I – A Ameaça Fantasma. Quando a sua mãe morreu de cancro, um renovado sentido de mortalidade levou-o a sofrer uma crise – dominada pela sua obsessão por Star Wars. E se ele morresse antes de ver o filme que esperou toda a sua vida para ver? Isto foi então a base para o seu guião chamado Loucos e Fãs, em que cinco amigos arrombam o Skywalker Ranch para verem o Episódio I antes de um deles morrer de cancro.
Quando a filmagens começaram, Cline usou a sua coleção de Star Wars para decorar o quarto da personagem principal, e graças a Kevin Spacey – que era produtor do filme e tinha falado com George Lucas no set do Super-Homem: O Regresso –, Cline pôde misturar o som de Loucos e Fãs no próprio Skywalker Ranch – Lucas deu acesso à equipa de Cline a biblioteca inteira de efeitos sonoros de Star Wars, por isso todos os sons ouvidos no filme eram oficiais. O sonho de Cline então tinha-se tornado verdade – ele conseguiu entrar no Skywalker Ranch e estava a fazer o filme sobre uma coming-of-age que sempre quis fazer.
Mas ele já tinha outra ideia pronta, uma que andava às voltas na sua cabeça há anos, e passou oito anos a escrever Ready Player One antes de este ser impresso em Agosto de 2011. E aqui pôde afastar-se de Star Wars e criar um mundo original só seu, e enchê-lo completamente de todas as coisas que adora e com as quais é obcecado, e repetiu esta fórmula de sucesso em Armada.
Ready Player One foi comprado pela Crown Publishing Group e tornou-se um bestseller da New York Times, e os direitos para o adaptarem para filme foram comprados logo no dia seguinte pela Warner Bros., ainda antes de o livro ser publicado. Agora sabe-se que o filme vai ser realizado por Steven Spielberg – cujas obras são regularmente mencionadas em Ready Player One – e tem data marcada para 2017.
O segundo livro de Ernest Cline foi encomendado pela Crown Publishing por uma figura desconhecida com 7 dígitos – o que significa que foi no mínimo um milhão de dólares –, estreou em quarto lugar na lista bestsellers de ficção do New York Times, e foi vendido por mais uma quantia de 7 dígitos à Universal Pictures para fazerem o filme.
E assim, com apenas um guião para um filme e dois livros publicados, Ernest Cline é um geek multimilionário com tudo que alguma vez desejou numa manhã de Natal quando era criança – entrou em vários documentários sobre jogos e filmes; guia um DeLorean igual ao do Regresso ao Futuro; tem uma enorme coleção de jogos clássicos e merchandize de imensos filmes e livros; é amigo de outros geeks famosos como Will Wheaton e George R.R. Martin e possui o respeito do próprio George Lucas.
Mas apesar de isso tudo, Cline não soa convencido quando menciona as suas conquistas e está sempre disposto a deixar os seus fãs guiarem o seu DeLorean. E quando fala sobre colaborar com os seus heróis como Billy Dee Williams e Peter Mayhew, ele chama-lhes Lando e Chewie. Ele é o mais bem-sucedido fanboy de sempre, mas ainda assim continua a ser um fanboy.
Contudo, mesmo com todo este sucesso, sem dúvida que Ernest Cline ainda vai até ao seu quintal de vez em quando e olha desejoso para o pôr-do-sol, à espera de encontrar um E.T. no seu barracão, ou rezando para que um dia Obi-Wan Kenobi lhe toque no ombro e lhe pergunte se está pronto para salvar a galáxia.
Lê mais sobre Ready Player One.
Depois de conhecerem este espantoso homem ficaram ansiosos para que os seus livros sejam publicados finalmente em Portugal?
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Daniel Álvares
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Pedro Miguel Antunes
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