A Lagosta
The Lobster
Comédia, Drama, Romance
M/16
19 Maio 2016
EUA | 2016
118 min
A Lagosta é uma história de amor passada num futuro distópico, no qual todas as pessoas solteiras, segundo as regras da cidade, são presas e transferidas para um hotel, onde têm a obrigação de encontrar um parceiro em 45 dias. Quem falhar é transformado num animal à sua escolha e libertado na floresta. Um homem desesperado foge do hotel para a floresta onde os solitários vivem, e apaixona-se, embora seja contra as regras impostas por estes.
Yorgos Lanthimos
Yorgos Lanthimos, Efthymis Filippou
Colin Farrell, Rachel Weisz, Léa Seydoux, John C. Reilly, Olivia Colman
Com A Lagosta, Yorgos Lanthimos conta a história de David (Colin Ferrell), um recém viúvo que tem que cumprir as regras de uma sociedade meticulosamente castradora e automática, e cujo principal mote estrutural é a proibição da solidão. Ou seja, no mundo de A Lagosta é proibido não ter companheiro(a).
Todos os homens e mulheres que se deparam com essa condição são levados para um hotel onde ficam com a possibilidade de, em 45 dias, encontrar o par ideal – imperativamente o par verdadeiramente ideal. Se assim não for, a gerência do hotel descobrirá e punirá os falsos casais.
Para promover a ideologia, há a possibilidade dos residentes aumentarem a sua estadia no hotel e, dessa forma, ganharem a possibilidade de ter mais tempo para descobrir o parceiro indicado. Para isso, só têm que caçar os solteirões que se escondem nas matas.
E o que acontece se não se encontrar o cúmplice do amor perfeito? Simples: o fracassado transforma-se num animal, que escolhe no momento em que chega ao hotel. David opta pela lagosta – daí o nome do filme – por ser um animal que vive mais de cem anos, tem sangue azul (aristocrata) e são férteis toda a vida.
Durante 45 dias (pelo menos), a rotina do hotel vira uma inambulação cartesiana, onde o hóspede (e o espectador) é mergulhado numa realidade taciturna, com propaganda às vantagens da vida em casal e proibições de acções que rompem com os valores que a sociedade impõe.
A Lagosta tem sido um sucesso da crítica (vejamos à frente porquê), mas não será um filme fácil para a maioria do público. É lento, cinzento, com representações mecânicas, com uma narrativa fria e uma narração fleumática. Aqui, nem os actores estão abrilhantados com corpos cuidados e maquilhagens deslumbrantes. Então, se assim é, como é que o filme tem tão boas críticas?
A questão é que, como em todos os filmes, há um objectivo, e A Lagosta atinge o seu de forma estrondosamente bem conseguida. Técnica e narrativamente estamos perante uma obra cinematográfica que é um dos mais aguçados e sagazes veículos de crítica social dos últimos tempos, no que à temática “relações humanas” diz respeito.
Os “defeitos” que muita gente do público generalista pode apontar (e que referi, como potenciais possibilidades, atrás) são exactamente os trunfos deste filme, uma vez que o seu sentido intencional transmite um desconforto autêntico ao vermos cenas de clara provocação visual e intelectual, como a insensibilidade perante o sofrimento humano, a apatia perante os critérios de exclusão e castigo, a indiferença face aos gemidos de uma mulher após uma tentativa falhada de suicídio, um cão morto ou dois coelhos ensanguentados.
A nível psicológico e visual somos constantemente colocados à prova e todo o ar macambúzio, mecânico e pouco emotivo serve de contraste para nos guiarmos pela linha crítica do realizador.
Há, claramente, a mensagem de que a realidade em que, de facto, vivemos é feita de preconceitos e juízos morais de quem opta por viver fora da bolha tradicionalista. Tanto é que, quer o sistema quer o anti-sistema, vivem de uma condição despótica que ignora os interesses e a felicidade real dos seres humanos.
David conhece uma mulher, com quem sente afinidade, que procura romper com certas regras e, aí, percebemos quão estranho é ver a normalidade e romper pela aberração cultivada pela efemeridade, hipoteca sentimental e a intolerância.
O filme, de resto, passa-se num futuro próximo, envolto em ambientes do passado, evidenciado a metáfora para o presente: uma sociedade individualizada que encontra na formatação do indivíduo o caminho certo para a humanidade.
A nível de desenvolvimento, o filme sofre uma ligeira queda de ritmo no período das últimas narrações, que se torna mais visível aquando comparada com o seu início, mas não incomoda por aí além.
As representações são muito sólidas e de acordo com a linha não natura do filme, simbolizando exactamente a estranheza de não sermos naturais, espontâneos, sonhadores.
Certo é que, como a história nos ensina, o controlo evita riscos e desalinhos… mas terá isso assim tanto interesse?
É, assumidamente, um filme diferente, estranho para muitos, admirado por outros – tem 14 prémios e 21 nomeações no seu currículo -, que merece ser visto com a consciência que, às vezes, o cinema é mais do que uma forma de entretenimento.
Em que animal te transformarias tu?
A inteligência crítica e o domínio técnico e narrativo
Não será um filme para todos
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Silva snake