Todos conhecem o Joker e o Duende Verde, Doomsday e o Thanos – mas nem todos vocês conhecem o maior vilão das bandas-desenhadas.
O seu nome é Dr. Frederic Werthman.
Werthman era um famoso psiquiatra que lutou avidamente contra os alegados efeitos prejudiciais que as imagens violentas nos meios de comunicação e histórias aos quadradinhos tinham no desenvolvimento das crianças. Esta sua cruzada para censurar as bandas-desenhadas teve um impacto terrível e duradouro que ainda afectam a indústria hoje em dia.
Foi isto que aconteceu:
Quando a popularidade das bandas-desenhadas explodiu com introdução ao público de Super-Homem, surgiram imediatamente opositores, alguns bem conhecidos e poderosos, desde críticos a profissionais de saúde mental.
Aqui está uma crítica publicada em 8 de Maio de 1940, na Chicago Daily News:
Mal desenhada, mal escrita, e mal impressa – uma mancha nos olhos jovens e nos sistemas nervosos jovens – os efeitos destes pesadelos em papel é um de violência estimulante. Os seus crudes pretos e vermelhos estragam o sentido de cor natural da criança; a sua injecção hipodérmica de sexo e homicídio fazem a criança impaciente com histórias melhores, mas mais calmas. A não ser que queiramos uma futura geração mais feroz do que a presente, pais e professores por toda a América devem-se juntar para quebrar a revista.
Este tipo de críticas duras fizeram a DC Comics – a maior editora na altura – a juntar em 1941 uma equipa para regular o conteúdo das suas bandas-desenhadas, com o objectivo de mostrar aos preocupados cidadãos que as suas publicações passavam os padrões pretendidos. Esta equipa era constituída por psiquiatras, especialistas do bem-estar das crianças, e alguns famosos e bem respeitados cidadãos. Esta acção funcionou por uns tempos, e ajudou a afastar algumas das críticas que as BDs andavam a sofrer, mas não durou.
Apenas cinco anos depois surgiu o Dr. Frederic Werthman, montando uma clínica para os pouco privilegiados. E logo em 1948, o Dr. Werthman publicamente demonstrou a sua oposição às bandas-desenhadas, numa entrevista na Collier’s Magazine, dando início ao seu estudo de sete anos nos efeitos que elas tinham nas crianças.
O número de bandas desenhadas ‘boas’ não vale a pena discutir, mas o grande número que estão mascaradas de ‘boas’ certamente merece um exame minucioso.
Umas semanas depois houve um simpósio em Nova Iorque chamado “A Psicopatologia das Bandas-Desenhadas”, no qual o Dr. Werthman falou, e a reacção às suas palavras foi imediata e clamorosa.
Em cidades, vilas e municípios por todo o país, os legisladores esforçaram-se para apaziguar o tormento irado que fora libertado. Leis e comités de legislação foram criados à pressa numa tentativa de confundir os editores e vendedores e censurar as bandas-desenhadas – livros foram banidos, eventualmente levando a queimadas em massa de bandas-desenhadas publicamente em várias comunidades.
Parece uma piada mas a queima de BDs realmente aconteceu – a revista Time publicou em 20 de Dezembro de 1948 fotografias dos residentes de Binghamton, em Nova Iorque, a queimarem os livros aos quadradinhos depois de uma recolha porta a porta.
Mas algumas pessoas possuíam opiniões ainda mais extremas contra as bandas-desenhadas – Gershon Legman publicou o livro Love and Death em 1949 onde dizia que os miúdos estavam a ser treinados como animais pelo que liam, acrescentando que as imagens desenhadas de violência e sangue lhes davam uma visão distorcida da vida.
Em 1950 as coisas pioraram e ficaram ainda mais ridículas quando o próprio Governo Federal dos Estados Unidos se juntou à discussão. Um comité do Senado dos E.U.A. estava a fazer uma profunda investigação no crime organizado e começaram então a averiguar os efeitos provocados pelas bandas-desenhadas que representavam crimes e investigações. Um dos juízes no comité garantiu ter visto crimes cometidos por jovens que copiavam crimes publicados nos livros que liam – e assim surgiu o trunfo perfeito para se safarem da cadeia, os jovens diziam que as BDs os tinham obrigado e recebiam clemência.
Por esta altura inúmeras pessoas nos meios de comunicação social demonstravam as suas críticas às bandas-desenhadas, mas foi sem sombra de dúvida o livro Sedução dos Inocentes de Frederic Werthman, publicado em 1954, que teve os efeitos mais devastadores na indústria.
No seu livro Dr. Werthman declarava que as bandas-desenhadas transformavam os jovens em delinquentes – embora isto fosse um caso de culpa por associação, pois todos os jovens na altura liam histórias aos quadradinhos –, e chegou mesmo ao cúmulo de afirmar que também ensinavam mal Física às crianças uma vez que o Super-Homem conseguia voar, transformavam-nas em homossexuais pois Robin era desenhado com as pernas ao léu e muitas vezes abertas, e que a Mulher Maravilha dava uma «ideia errada» às raparigas sobre o seu lugar na sociedade.
A indústria da banda-desenhada e outras figuras que acreditavam que ele estava errado tentaram contra-atacar – apontaram que os estudos realizados por Dr. Werthman estavam errados, uma vez que ele apenas testou delinquentes sem os comparar a outros jovens, mas Werthman disse que esses sem cadastro estavam provavelmente pior.
E embora hoje se saiba que ele falsificou os resultados dos seus estudos, modificando a idade dos participantes, omitindo factores mitigantes e distorcendo citações, na altura os protestos não serviram de nada e o Comics Code of Authority foi criado.
Sedução dos Inocentes fez o Senado dos Estados Unidos a realmente investigar a ligação entre criminalidade e banda-desenhada e Dr. Frederic Werthman foi chamado a testemunhar nas audiências.
Bem, odeio dizer isto, Senador, mas eu acho que Hitler era um novato comparado com a indústria das bandas-desenhas. Elas apanham as crianças mais cedo.
Estas opiniões exaltadas de Wertham nas audiências levaram o Senado a decidir que a indústria das bandas-desenhadas realmente necessitava de ser censurada, e teria que haver uma organização que a policiasse, mesmo que fosse internamente.
A Comics Magazine Association of America foi então formada e o magistrado de Nova York Charles F. Murphy, de 44 anos, especialista em delinquência juvenil, foi apontado para chefiar a organização. Ele criou o Comics Code of Authority, baseando-o levemente no Production Code de Hollywood de 1930.
O Code bania representações gráficas de violência e gore em livros aos quadradinhos de crime e de terror, bem como a sugestão sexual do que os aficionados se referem como “good girl art”.
Portanto, a CCA colocava um selo de aprovação em todas as BDs que passassem os seus padrões. O problema era que os livros de terror não passavam – lojas e quiosques não aceitavam livros sem o selo e por isso muitas editoras de terror foram à falência.
O mais engraçado é que o próprio homem que levou a todos estes problemas não aprovava a CCA – Dr. Fredric Wertham achava que a indústria nunca faria um bom trabalho a policiar-se a si própria, e mesmo depois de várias companhias de banda-desenhada terem ido à falência e a indústria se ter subjugado aos seus pés, ele ainda se queixava que as publicações continham a maior parte dos elementos desagradáveis do passado.
Wertham faleceu em 1981, sem nunca ter mudado de opinião.
No princípio dos anos 2000, as editoras mais recentes começaram a contornar a CCA e a Marvel Comics abandonou-o em 2001. Em 2010 já só três das grandes editoras ainda obedeciam às suas directrizes: a DC Comics, a Archie Comics e a Bongo Comics. A Bongo abdicou dele logo em 2010 enquanto a DC e a Archie foi em 2011, tornando o Code finalmente defunto.